Para Nazanin Johansson, nunca houve problema. Evidentemente, repara-se
nela por causa dos seus cabelos escuros, dos olhos castanhos e dos seus traços
persas. E ela sabe que, mais do que qualquer outra pessoa, tem de dar o seu
melhor. Apesar disso, para ela, a Suécia é um país que vale a pena. Onde, por
exemplo e tal como ela, alguém se pode tornar uma dinâmica mediadora de um
centro de emprego num bairro difícil.
Mas é preciso muita vontade. No entanto, quando Nazanin fala com os
jovens, por vezes, tem dúvidas. “Eles querem um bom emprego, mas só se for uma
coisa gira. E não querem começar de baixo. Por vezes, esquecemo-nos que a
mentalidade de um grande número de jovens é um fator importante.”
Durante uma semana,
houve carros incendiados e confrontos com a polícia.
Nazanin trabalha no centro de emprego de Kista, um subúrbio de
Estocolmo, que também é o centro tecnológico da capital sueca. Mas Kista também
fica situado entre Rinkeby, Husby e Tensta, os bairros onde
rebentaram os motins desencadeados por jovens e que
fizeram as primeiras páginas dos jornais, em maio passado. Durante uma semana,
houve carros incendiados e confrontos com a polícia.
As imagens que vinham da Suécia deram a volta ao mundo. Um sentimento de
raiva num país onde o governo toma conta das pessoas desde o primeiro grito até
ao seu último suspiro? Racismo e segregação no país mais igualitário do mundo?
As desigualdades aumentaram
Rapidamente se tornou evidente que era verdade. Enquanto o mundo estava
distraído, o modelo sueco era posto em causa. Depois de uma bolha económica
durante a década de 1990, a coligação de centro-direita, liderada por Fredrik
Reinfeldt, em 2006, cortou as despesas públicas, ao mesmo tempo que baixava a
taxa máxima de imposto.
A Suécia continua a ser uma sociedade igualitária, mas as desigualdades aumentaram mais do que
em qualquer outro país da Europa. Tal como no resto da Europa, os imigrantes,
os trabalhadores pouco qualificados e os jovens – sobretudo os rapazes -, são
os mais desfavorecidos. E tal como no resto da Europa, há muitos arruaceiros em
todas essas categorias.
A Suécia concede, todos os anos, cada vez mais vistos de residência, ao
contrário de muitos países da Europa, onde esse número baixou. Os 110 mil
vistos concedidos em 2012 foram um recorde. Entre os refugiados há agora,
sobretudo, sírios, somalis, iraquianos e ciganos.
Sair dos subúrbios, contudo, é agora muito mais difícil para eles do que
foi para quem chegou anteriormente. Há menos empregos, a sociedade tornou-se
mais complexa, a fasquia está muito mais alta. “Gostava de ser vigilante mas,
para isso, preciso de ter carta de condução” explica, por exemplo, Sameh Sakr,
um egípcio de 22 anos que mora no bairro de Hallunda. “Uma carta de condução”,
ironiza. “Mas onde vou arranjar dinheiro para a pagar?”
Rumo às comunidades fechadas
Na Suécia, a segregação é enorme. Em Estocolmo, a maior parte dos imigrantes
vive em cidades-jardins que se estendem ao longo da linha de metro azul, que
recebeu a alcunha de Expresso do Oriente. São prédios de betão de três a sete
andares, construídos nos anos 1960 e 1970.
Em alguns bairros,
80% das pessoas que ali vivem são imigrantes de primeira ou de segunda geração
Em alguns bairros, 80% das pessoas que ali vivem são imigrantes de
primeira ou de segunda geração e 50% estão desempregadas, contra os 8% de taxa
global de desemprego da Suécia. Um imigrante em cada quatro não acabou a
escolaridade. E se 3% das crianças suecas são pobres, essa taxa sobe para os
40% entre as crianças filhas de imigrantes.
Em termos de habitação, existe separação entre ricos e pobres em todas
as cidades da Europa. Mas, em Estocolmo, há ilhas e vastas zonas verdes entre
os bairros, o que faz com que as classes prósperas se tornem quase
automaticamente gated communities, comunidades fechadas. O bairro de Nockeby
está cheio de moradias completamente equipadas com sistemas de alarme. Em
contrapartida, perto da estação de metro de Rinkeby, há homens deitados nos
bancos da rua. Há, também, um café turco e um bazar somali, mas não há uma
caixa Multibanco.
Como é possível que a igualitária Suécia tenha deixado crescer a este
ponto as suas estatísticas alarmantes e as suas ilhas de descontentamento? Não
é porque os poderes públicos não se interessam pelo assunto. Pelo contrário, o
Ministério da Integração e do Emprego quer criar empregos “trampolim”
subsidiados e diversificar os cursos de sueco, para que um engenheiro iraquiano
não tenha de frequentar as aulas do mesmo nível que um somali que mal sabe ler.
Falar Rinkeby-Svenska, um
obstáculo
O ministro da Integração, Erik Ullenhag, defende que não há razão para
implantar uma política mais restritiva em matéria de refugiados, como deseja o
partido xenófobo dos Democratas Suecos. “Entendemos que se trata de um problema
económico e de um problema dos jovens e não de um problema de imigração. Quando
endurecemos o tom em relação aos imigrantes estamos, enquanto país, a atentar
contra a sua dignidade. Prejudicamos ainda mais a posição de quem já é
prejudicado. Além disso, a Suécia precisa de imigrantes.”
Tobias Hübinette, investigador especializado em questões de imigração no
Centro Multicultural no subúrbio meridional de Botkyrka, diz que, na realidade,
os imigrantes precisam duma enorme vontade, de muita perseverança e de sorte
para ultrapassarem o fosso dos salários, da educação e também da diferença
étnica.
Frequentemente não
são considerados suecos, mesmo que já tenham nascido na Suécia
Frequentemente não são considerados suecos, mesmo que já tenham nascido
na Suécia. Por exemplo, quem fala Rinkeby-Svenska, o sueco com sotaque, não tem
a menor possibilidade de arranjar um emprego.
Um debate multicultural atrasado
Ullenhag tem a solução: um novo “nós” para a Europa. “Não gosto do facto
de, na Europa, o “nós” se referir sempre ao passado. Nos Estados Unidos todas
as pessoas que moram em território americano são americanas. Ali, o “nós” está
virado para o futuro. É preciso que também seja assim na Europa.”
“Seria tudo muito diferente se começássemos por reconhecer que já não
somos o país homogéneo onde toda a gente é igual”, diz o escritor e jornalista Viggo Cavling.
Mas é precisamente isso que a Suécia tem dificuldade em reconhecer,
segundo o investigador em imigração Hübinette. “Atualmente, há 19 % de suecos
com um ou até mesmo os dois dos seus progenitores de origem estrangeira. Mas
ainda não temos consciência disso. É preciso não esquecer que a Suécia nunca
teve colónias. É sobretudo por isso que a Suécia é um país nacionalista. Os
suecos não gostam apenas de fazer bem, também nos achamos muito bons. Acolhemos
voluntariamente os refugiados mas temos dificuldade em reconhecer que os
deixamos à mercê de situações inadmissíveis. Temos duas décadas de atraso no
debate multicultural.”
Presseurop
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