quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Julgamento de ativista expõe problemática da imigração na Rússia

O ativista pelos direitos dos imigrantes russo Pavel Kovalenko pode ser condenado a até cinco anos de prisão por ter tentado registrar pelo menos 4,5 mil estrangeiros no escritório de sua associação.
Em um momento no qual a Rússia está sob os holofotes por causa do pedido de asilo político feito pelo ex-consultor da CIA Edward Snowden, o caso de Kovalenko joga luz sobre a questão de imigração.
Na Rússia, todos os estrangeiros, inclusive turistas, devem fazer o registro domiciliar no prazo de sete dias após a entrada no país. Em grandes hoteis, o registro é feito pela administração do estabelecimento. Em hotéis menores e albergues da juventude, costuma-se cobrar aproximadamente 1 mil rublos (R$ 72) pelo registro.
Para os imigrantes que trabalham na Rússia, conseguir este registro pode significar uma odisseia de súplicas e subornos. Como a maioria dos proprietários se recusa a registrar seus inquilinos estrangeiros, a opção de muitos imigrantes é pagar para que agências forjem um endereço e emitam um documento idêntico ao oficial, o que já é suficiente para driblar os rotineiros controles policiais nas ruas de Moscou.
No metrô e na Internet, inúmeras agências oferecem o “serviço de registro” por valores que começam em 5 mil rublos (R$ 360). Após o atentado terrorista no metrô de Moscou em 2010, muitas destas agências foram fechadas, mas não demorou muito para que reabrissem.
Segundo a porta-voz da Polícia da região sudoeste de Moscou, Yulia Anosova, o crime do ativista Pavel Kovalenko foi ter solicitado o registro de milhares de imigrantes no mesmo local. Kovalenko declarou ao site russo Yopolis.ru que pelo menos 60 mil imigrantes já estão registrados nos escritórios da organização na capital russa.
O ativista disse que o grupo tem como objetivo registrar os imigrantes gratuitamente para que eles consigam encontrar trabalho. Muitos empregadores só contratam pessoas registradas na cidade, o que faz do documento ainda mais importante para qualquer estrangeiro no país.
Medida eleitoreira
O maior controle dos imigrantes em Moscou é apontado pela oposição como uma medida eleitoreira. Com o aumento do sentimento nacionalista na Rússia e, consequentemente, anti-estrangeiro, as televisões estatais do país exibiram com tom de heroísmo as recentes cruzadas anti-“ilegais”.
O prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin, se apressou em responder às críticas: “Isso é absolutamente normal. Em qualquer sociedade, em qualquer país, se há uma situação de emergência, o governo e a sociedade começam a agir com mais rigor”. Sobyanin é candidato à reeleição para a prefeitura de Moscou nas eleições do próximo dia 8 de setembro.
Em entrevista a Opera Mundi, Georgy Satarov , presidente da proeminente ONG russa INEM, que trabalha com direitos humanos e democracia, també vê o maior controle de imigrantes em Moscou como uma medida populista. “Por trás de um imigrante ilegal, há um governo e uma empresa local coniventes com a exploração e a ilegalidade”, falou. “O governo russo faz vista grossa à imigração não-qualificada que vem da Ásia Central. Quando estes controles de imigrantes aparecem na televisão, soa vergonhoso, hipócrita, mas a maioria dos russos compra esta história”, sublinhou.
Em pesquisa divulgada em junho pelo VTsIOM ( sigla em russo para Centro de Estudos da Opinião Pública da Rússia), 35% dos russos colocam a entrada de imigrantes como a principal ameaça do país, antes de problemas como corrupção, qualidade de vida ou terrorismo.
“Eles nos contratam por um salário que é três vezes inferior ao que seria cobrado por um moscovita. Trabalhamos dia e noite sem descanso e ainda temos que aguentar a cara de nojo dos russos na rua”, desabafa Yusuf, que nasceu no Tajiquistão, país da Ásia Central que fazia parte da extinta União Soviética, e se mudou para Moscou há quatro anos. “E agora querem nos expulsar porque não temos todos os documentos. Pergunte a qualquer norte-americano em Moscou se ele tem este registro”, sugere.
Crise demográfica
Segundo Konstantin Romodanovsky, chefe do Serviço Federal de Migração da Rússia, o país precisa de pelo menos 300 mil trabalhadores estrangeiros por ano para atender às demandas econômicas. “Eles devem vir e se naturalizar. O Kremlin ordenou que se mantenha este nível de migração anual e destacou que este número deve incluir russos étnicos que moram no exterior, especialistas estrangeiros com alta qualificação e jovens promissores”, declarou Romodanovsky em março deste ano. Estima-se que a população russa vá diminuir de 143 milhões para 139,3 milhões até 2030.
O relatório “Panorama Internacional da Imigração”, publicado em 2010 pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) diz que a Rússia é o país com o maior número de imigrantes sem autorização de residência, representando cerca de 7% da população ativa do país. O idioma é apontado como uma barreira para a integração. O Centro de Estudos Migratórios de Moscou diz que apenas 50% dos trabalhadores migrantes têm um nível de alfabetização em russo considerado suficiente para preencher documentos oficiais e 20% não têm nenhum domínio do idioma.
UOL

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