Peregrinos de diferentes países que
vieram ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) estão solicitando
refúgio às autoridades brasileiras. Entre as razões alegadas pelos solicitantes
de refúgio estão perseguições sofridas por questões religiosas ou relacionadas
a conflitos armados em seus países de origem. A JMJ aconteceu entre os dias 23
e 28 de julho e reuniu cerca de 03 milhões de pessoas no Rio de Janeiro.
Segundo dados coletados pelo Alto
Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) junto à Caritas Arquidiocesana do
Rio de Janeiro (CARJ), cerca de 40 solicitações de refúgio já foram feitas por
peregrinos da JMJ. A Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) também tem
recebido pedidos de refúgio por parte de peregrinos que participaram da JMJ.
Até agora foram cinco casos. Entre os solicitantes estão nacionais do
Paquistão, Serra Leoa e República Democrática do Congo.
Assim como todos os solicitantes de
refúgio que chegam ao Brasil, os peregrinos da JMJ terão seus pedidos
analisados pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), que funciona no
âmbito do Ministério da Justiça. Para isso, terão de se apresentar à Polícia
Federal e serão entrevistados por oficiais de elegibilidade do CONARE. Como de
praxe, após avaliação individual o CONARE decidirá quais casos devem ser
reconhecidos como refugiados.
No Rio de Janeiro, pelo menos 12
solicitantes relataram perseguições relacionadas a questões religiosas. “Meu
pai foi morto por ser cristão, e sempre disse a minha mãe que isso poderia
acontecer com nossa família. Sendo também cristão, a JMJ foi a única
oportunidade que tive para conseguir um visto e sair do meu país”, disse ao
ACNUR o jovem Peter Atuma (*), católico de 24 anos que vivia em Serra Leoa, no
oeste da África. Seu corpo tem cicatrizes de ferimentos causados por grupos
religiosos hostis aos cristãos da comunidade onde vivia.
Ele já declarou à CARJ sua intenção
de solicitar refúgio e tem agendada uma entrevista com a Polícia Federal no Rio
de Janeiro para formalizar seu pedido. “Onde há paz, é possível viver
tranquilamente”, completa Atuma, que deixou para trás sua mãe e oito irmãos
vivendo em uma comunidade no norte de Serra Leoa. “Não tenho como voltar. Quero
reconstruir minha vida aqui no Brasil”, diz Atuma, que tem formação na área de
contabilidade.
Outro peregrino com entrevista já
agendada na Polícia Federal para solicitar refúgio é o paquistanês cristão
Imran Masih (*), que vivia ao sul de Islamabad com seus pais e quatro irmãos.
Por causa da sua religião, teve problemas com as autoridades do país, foi
discriminado na busca por um emprego e testemunhou perseguições e violência
contra outros católicos de sua comunidade.
“Quando cheguei à JMJ, vi muitos
católicos expressando sua fé sem problemas e convivendo com pessoas de outras
religiões em paz. Todos nós somos criaturas de Deus e não podemos ser
discriminados por causa do que acreditamos”, afirma Masih, que não se sente
seguro para retornar ao seu país. Interessado em filosofia e teologia, ele quer
iniciar estudos no Brasil para ser ordenado padre.
Os peregrinos solicitantes de refúgio
no Rio já estão sendo assistidos pela CARJ, por voluntários ligados à Igreja
Católica que participaram da JMJ e por autoridades municipais. Um grupo de
cinco homens solteiros que alega perseguição religiosa foi acomodado em uma
casa de passagem administrada pela CARJ e está se mantendo com doações da
Igreja local e de fiéis, além de alimentos comprados pela Caritas. Outros
seguem hospedados por voluntários da JMJ, devendo ser transferidos para uma
residência provisória cedida por uma paróquia da cidade. Os demais solicitantes
que alegam perseguições devido a conflitos armados, como é o caso dos cidadãos
originários da República Democrática do Congo, estão sendo acolhidos tanto por
voluntários da JMJ como pela própria comunidade de refugiados congoleses que
vive no Rio de Janeiro.
A assistente social Aline Thuller,
uma das coordenadoras do projeto de assistência e proteção a refugiados
implementado pela CARJ, com apoio do ACNUR e do governo brasileiro, explica que
a assistência financeira direta só poderá ser prestada quando os pedidos de
refúgio forem formalizados. “Outros apoios, como aulas regulares de português e
cursos profissionalizantes, também só poderão ser dados quando os peregrinos
tiverem o protocolo da Polícia Federal confirmando seu pedido de refúgio”,
afirma Thuller.
Os pedidos de refúgio feitos por
peregrinos que participaram da Jornada Mundial da Juventude e alegam
perseguição religiosa representam, de certa forma, um novo desafio para as
autoridades brasileiras. “Não temos dados específicos sobre este tema, pois
muitas vezes as questões religiosas se misturam com perseguições associadas a
motivos políticos. Faremos um acompanhamento detalhado destes casos, pois o
pedido de refúgio devido a questões religiosas é uma questão complexa de ser
decidida, afirma o Representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez.
Ramirez ressalta que a Constituição
do Brasil garante a livre expressão religiosa e determina a separação entre o
Estado e as religiões. “Este é um componente de proteção importante para quem
sofre perseguições religiosas”, afirma Ramirez.
Entre os peregrinos entrevistados
pelo site do ACNUR, alguns comparam sua saga à de santos da Igreja Católica,
que sofreram perseguições por causa da sua fé. “Muitos desses santos sofreram
por anunciar as boas novas de Deus. Mas permaneceram firmes em sua fé” diz
Asham Daniel (*), paquistanês de 24 anos. “Outros foram humilhados por reis e
pessoas poderosas, mas reconstruíram suas vidas em outros países e puderam
acolher suas famílias no exílio”, disse Atuma, de Serra Leoa.
O Brasil possui cerca de 4.200 refugiados
reconhecidos pelo governo federal, originários de mais de 70 nacionalidades
diferentes. Em 2013, cerca de 300 novos pedidos foram aceitos pelo Comitê
Nacional para Refugiados (CONARE), sendo a maioria composta por refugiados
originários da Síria, Colômbia e República Democrática do Congo.
(*) Nomes trocados a pedido dos
entrevistados, por questões de segurança.
Por Luiz Fernando Godinho, do Rio de
Janeiro.
Por: ACNUR
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