Uma análise estatística (2010-2012)
O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de direitos
humanos e é parte na Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos
Refugiados e no seu Protocolo de 1967. O país promulgou, em julho de 1997, a
sua lei de refúgio nº 9.474/97, contemplando os principais
instrumentos regionais e internacionais sobre o tema. A lei adota a definição
ampliada de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena de 1984, que considera
a “violação generalizada de direitos humanos” como uma das causas de
reconhecimento da condição de refugiado. Em maio de 2002, o país ratificou
a Convenção das Nações Unidas de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas e,
posteriormente, em outubro de 2007, a Convenção da ONU de 1961 para Redução dos
Casos de Apatridia. A lei brasileira de refúgio criou o Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), um órgão interministerial presidido pelo Ministério da
Justiça e que lida com a elegibilidade e integração local de refugiados. A lei
garante documentos básicos aos refugiados, incluindo carteira de identidade e
de trabalho, além de garantir a liberdade de movimento no território nacional e
outros direitos civis.
Da acordo com o CONARE, o Brasil possui, atualmente, 4.689
refugiados reconhecidos de 79 nacionalidades distintas (36% deles são
mulheres). Os principais grupos são compostos por nacionais oriundos de Angola,
Colômbia, República Democrática do Congo (RDC) e Iraque. Este perfil mudará em
breve, uma vez que o país adotou recentemente uma cláusula de cessação
aplicável aos refugiados angolanos e liberianos. Tal fato reduzirá o número
total de refugiados reconhecidos e, consequentemente, colombianos e congoleses
representarão os dois principais grupos de refugiados no país. Com base em
dados fornecidos pelo CONARE entre 2010 e 2012, o ACNUR elaborou uma análise
estatística que demonstra o fortalecimento continuado da proteção aos
refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil1. O número total de
pedidos de refúgio mais que triplicou durante tal período (de 566 em 2010 para
2.008 até dezembro de 2012)2. A maioria dos solicitantes de refúgio
vem da África, América do Sul e Ásia.
Em 2012, todas as importantes crises humanitárias impactaram diretamente
os mecanismos de refúgio no Brasil, com expressivos números de solicitantes da Síria,
Mali, RDC e Costa do Marfim chegando ao país. Em termos de gênero e
idade, dados oficiais demonstram que o perfil dos novos solicitantes permaneceu
relativamente estável nos últimos anos. O percentual de mulheres diminuiu
discretamente de 20% (em 2010 e 2011) para 18% (em 2012) e a maioria dos
solicitantes de asilo é formada por adultos entre 18 e 30 anos (85%). Apenas 6%
dos pedidos são apresentados por menores de 18 anos, dos quais 36% correspondem
a crianças entre 0 e 5 anos. Para implementar seu mandato, que é o de prestar
proteção internacional e promover soluções duradouras para refugiados e outras
populações de interesse, o ACNUR conta no Brasil com um escritório em Brasília
e uma unidade de campo em Manaus. A agência trabalha em estreita parceria com o
governo (nos âmbitos federal, municipal e estadual), com o setor privado e
organizações da sociedade civil que operam em regiões estratégicas do país. Os
projetos do ACNUR que prestam assistência humanitária aos solicitantes de
refúgio e refugiados são implementados por ONGs parceiras localizadas nos
estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde se encontram as populações de
refugiados mais expressivas, assim como no Rio Grande do Sul, Amazonas e
Distrito Federal.
A análise dos dados constantes nos ofícios enviados pelo CONARE ao ACNUR
entre 2010 e 2012 demonstra que as solicitações de refúgio no Brasil são, em
sua maioria, apresentadas em São Paulo (45% do total de solicitações no
período), seguido pelo Rio de Janeiro (20%) e Distrito Federal (14%). Outros
estados relevantes em termos de solicitações de refúgio são Amazonas, Acre e
Rio Grande do Sul. Em termos regionais, a maioria das solicitações
(66%) realizadas no Brasil entre 2010 e 2012 foi apresentada na Região Sudeste,
a mais desenvolvida do país, seguida pelo Centro-Oeste (16%) e pela Região
Norte (11%), a qual faz fronteira com Colômbia, Peru, Bolívia e Venezuela
(entre outros países vizinhos). Todas as solicitações de refúgio apresentadas
no Brasil são analisadas e decididas pelo CONARE, que é composto por
representantes dos ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, da
Educação, do Trabalho e da Saúde, além de representantes da Polícia Federal e
de organizações da sociedade civil que trabalham com o tema dos refugiados. O
ACNUR é parte do comitê, apenas com direito a voz – assim como a Defensoria
Pública da União.
A análise dos dados também revela uma melhora no desempenho e
produtividade do CONARE. O número de solicitações processadas pelo comitê
aumentou 275% em um período de três anos, saindo de 299 em 2010 para 426 em
2011, e quase dobrando novamente em 2012, quando foram analisadas 823
solicitações de refúgio – o maior número anual de casos decididos pelo Comitê
até a presenta data. A taxa de elegibilidade diminui de 39% para 21% entre 2010
e 2011. No entanto, em 2012, a taxa voltou a crescer (24%), a despeito da
estratégia do CONARE de priorizar a análise de solicitações de refúgio
manifestamente infundadas durante o ano e, com isso, reduzir o número de casos
acumulados. Em média, o CONARE tem reconhecido solicitações de 18 diferentes
países por ano durante o período analisado. Ademais, é importante sublinhar
que, em 2012, 100% das solicitações apresentadas por nacionais da Síria, Costa
do Marfi m, Iraque, Somália, Afeganistão e Butão foram reconhecidas, refletindo
a sensibilidade do comitê com as recentes crises humanitárias no mundo.
Comprometido com o princípio da solidariedade internacional, o Brasil
tem exercido papel fundamental no desenvolvimento e implementação do Programa
de Reassentamento Solidário na América Latina, como parte do Plano de Ação do
México. Desde 2002, o Brasil reassentou mais de 500 refugiados, sobretudo
colombianos, dentre os quais 47% são mulheres. Além do ambiente de proteção
favorável oferecido aos refugiados, o Brasil tem apoiado consistentemente as
iniciativas do ACNUR em promover a proteção internacional dos refugiados em
fóruns internacionais e no âmbito regional. Em dezembro de 2010, celebrando o
60º aniversário do ACNUR, o país sediou um encontro governamental onde 18
países da América Latina se comprometeram a se engajar mais para a proteção das
vítimas de deslocamentos forçados e apátridas na região.
O compromisso foi estabelecido na “Declaração de Brasília
para Proteção de Refugiados e Apátridas nas Américas”. Ao fi nal de
2012, o Brasil liderou dentro do MERCOSUL, em âmbito ministerial, a adoção da “Declaração
de Princípios Internacionais de Proteção dos Refugiados”. O documento
reafi rma o princípio da não-devolução (non-refoulement), a importância
da reunificação familiar e a priorização das abordagens de idade, gênero e
diversidade. A Declaração também enfatiza a importância de se evitar políticas
migratórias restritivas e a necessidade de estabelecer mecanismos de cooperação
adicionais e novas formas complementares de proteção humanitária. Em termos de
apoio financeiro às respostas humanitárias ao redor do mundo, o Brasil
se consolidou como o principal doador do ACNUR entre os países emergentes,
com US$ 3,5 milhões doados em 2010, US$ 3,7 milhões em 2011 e US$ 3,6 milhões
em 2012.
1 Estes dados
não incluem informações relacionadas aos nacionais do Haiti que chegaram ao
Brasil desde o terremoto de 2010. Apesar de solicitarem o reconhecimento da
condição de refugiado ao entrarem no território nacional, seus pedidos foram
encaminhados ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), que emitiu vistos de
residência permanente por razões humanitárias. No total, quase 6.000 haitianos
já receberam esse tipo de visto.
2 De acordo com
o escritório de coordenação do CONARE, existem cerca de 500 solicitações de
refúgio já apresentadas às autoridades de imigração, mas que ainda não
registradas pelo Comitê.
ONU
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