Quando o negócio da imigração é evocado é,
normalmente, para apontar o dedo aos “passadores”. Quem mais lucra com a
securização das fronteiras?
Claire
Rodier1: Os discursos dos responsáveis
políticos sobre os “terríveis passadores” são uma maneira dos Estados se
desresponsabilizarem, como se os “passadores” fossem os únicos responsáveis do
que acontece aos imigrantes. Outros “atores económicos” lucram com as políticas
de controlo das fronteiras, em particular as empresas de segurança. É um
mercado que não pára de crescer, desde há mais de uma década. Em 2009, o
montante dos negócios da “segurança global” foi calculado em mais de 450 mil
milhões de euros, o que representa um crescimento anual de mais de 10% em
média. Juntamente com a luta contra o terrorismo e a securização dos locais
sensíveis, como os aeroportos, encontra-se a proteção das fronteiras contra a
imigração designada como clandestina.
As
empresas de segurança organizam um “salão mundial da segurança interna dos
Estados”, Milipol, na região parisiense. O mercado da segurança interna irá
destronar a indústria do armamento?
Há uma
deslocação progressiva do mercado do armamento militar para o setor civil, onde
o mercado da luta contra a imigração é muito promissor. O salão Milipol foi
organizado no início por empresas francesas, desejosas de se dotar de uma
ferramenta de comunicação destinada a um mercado em plena expansão. O seu
objetivo é desenvolver uma verdadeira indústria europeia da segurança capaz de
concorrer com os pioneiros, que são os Estados Unidos e Israel. Lançado no fim
de 2010, o projeto Oparus junta várias empresas europeias – BAE systems
(Grã-Bretanha), Dassault Aviation (França), EADS (França e Alemanha), Sagem
(França), Thales (França) – para elaborar uma estratégia comum de exploração
dos drones para a vigilância das fronteiras terrestres e marítimas. O projeto é
financiado no montante de 1,19 milhões de euros pelo departamento de
investigação e desenvolvimento da Comissão Europeia.
O
erário público financia por conseguinte investigações privadas, com fim
lucrativo. Este negócio é amplamente apoiado?
Em 2007,
Franco Frattini, então comissário europeu da Justiça e dos Assuntos Internos,
afirmou que “a segurança já não é um monopólio das administrações
públicas mas um bem comum, cuja responsabilidade e a implementação devem ser
partilhadas entre o público e o privado”. Por bem comum, é preciso
entender “partilha do bolo”. Isto vai para além de uma estratégia de lobbyingjunto
de um ou outro parlamento. É um trabalho de fundo, em particular nos meios
institucionais dedicados à investigação. Os industriais rodeiam-se aí de
decisores políticos, o que lhes permite conseguir dinheiro para conduzir as
investigações através das quais vão fazer evoluir os seus produtos.
Num segundo
momento, eles vão estar bem colocados para responder aos concursos públicos e
obter mercados. O problema do recurso à tecnologia de ponta é ser um fator de
obsolescência rápida do material utilizado, portanto a necessidade da sua
renovação. Um novo sistema de vigilância marítima, que associa as forças armadas
de Malta, sociedades privadas e a universidade de Las Palmas nas Ilhas
Canárias, assenta por exemplo em boias flutuantes dotadas de câmaras de
infravermelhos e hidrofones para detetar sons debaixo de água. É suposto que
identifiquem embarcações ilegais. O orçamento total previsto para a fase de
elaboração do dispositivo, subvencionado pela União Europeia, é de 5 milhões de
euros.
A
segurança das fronteiras está a caminho de uma total privatização?
Em França,
ainda não conhecemos uma privatização a qualquer custo. Nós não estamos nos
Estados Unidos ou na Grã-Bretanha onde a viragem liberal foi muito severa a
partir dos anos 80. Em França, a delegação de prerrogativas soberanas, como a
segurança, é frequentemente uma etapa mais difícil de ultrapassar. Mas a
Comissão reviu recentemente os limiares comunitários, a partir dos quais um
procedimento europeu se impõe no contrato público. Os mercados ligados à
segurança vão, por conseguinte, abrir-se cada vez mais aos parceiros europeus.
Em 2011, um
concurso público lançado pelo governo italiano para a gestão de dois centros de
detenção foi ganho pela Gepsa, uma filial da GDF-Suez2.
É a primeira incursão fora do território nacional desta empresa francesa, que é
um dos principais parceiros da administração penitenciária. A Gepsa gere por
conta do ministério do Interior quatro centros de detenção administrativa. Esta
privatização permite a diluição das responsabilidades. O Estado ao delegar
deixa de ser realmente responsável pelo que lá se passa. Salvo eventualmente,
rescindir o contrato de uma empresa que exagere um pouco mais. Mas a responsabilidade
dos que estão na primeira linha é muito ténue. A justiça britânica decidiu
recentemente que não haverá processo penal contra os responsáveis da morte de
Jimmy Mubenga, um angolano morto por asfixia na sua expulsão da Grã-Bretanha.
Para que serve a agência europeia de
controlo das fronteiras, Frontex?
No início, a Frontex estava encarregada de
coordenar as iniciativas entre Estados membros em matéria de controlos
externos. Tratava-se por exemplo de não enviar duas patrulhas, uma italiana e
outra grega, para vigiar um mesmo local no Adriático. É uma entidade suscetível
de ser um interface entre as polícias. Em nome deste princípio, o diretor da
Frontex pode sempre dizer que não é responsável pelos agentes que intervêm, já
que são mandatados pelos Estados membros! A Frontex coordena. Isto é o anúncio.
Na realidade, a agência tem um papel mais de ator que de coordenador. Ela tem
cada vez mais poderes de iniciativa e tem toda a autonomia para dizer aos
Estados membros onde é preciso intervir, com quantos homens e com que tipo de
material. Isto permite depois mobilizar frotas, comprar aviões, helicópteros ou
edifícios. O seu orçamento teve um crescimento exponencial passando de 6
milhões de euros em 2005 para 86 milhões de euros, seis anos mais tarde. Em 2011,
o Parlamento votou um complemento de 43,9 milhões de euros“devido a um aumento considerável das atividades
operacionais da agência”. Quem faz o quê? E quem é responsável de
quê? Ninguém sabe ao certo. A Frontex é uma caricatura da diluição das
responsabilidades.
Qual o impacto desta militarização dos
controlos das fronteiras sobre os imigrantes?
Tem efeitos concretos no movimento das trajetórias
de migração. Desde há cerca de 8 anos, há um deslocamento dos imigrantes do
oeste para o leste: tentam entrar na Europa pela sua fronteira meridional. Isso
corresponde a pontos de bloqueio sucessivos. Mas estes efeitos pontuais não
põem em causa as passagens das fronteiras. Conhecem-se pessoas que passaram
cinco, seis, dez vezes entre a Tunísia e a ilha de Lampedusa (Itália). Isto
quer dizer que teve poucos efeitos sobre a vontade de passar dos imigrantes.
Mas continua-se a explicar às populações europeias que são precisos sistemas de
proteção das fronteiras. É por isso que eu digo que o objetivo é mais a
colocação dos próprios dispositivos do que o facto de impedir as pessoas de
passar.
Entrevista conduzida por Nolwenn Weiler, publicada em bastamag.net, traduzida por Carlos Santos para esquerda.net
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