sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Em São Paulo, refugiados sírios começam a reconstruir suas vidas


Próspero empresário em Homs, uma das cidades mais importantes da Síria, Nidal Hassan* já havia visitado o Brasil a negócios. Com o agravamento do conflito em seu país entre forças governamentais e grupos rebeldes, que já dura 19 meses, o empresário de 53 anos foi obrigado a voltar ao Brasil com um objetivo diferente: tentar reconstruir sua vida em segurança. Há quatro meses, ele chegou com a esposa e três filhos a São Paulo, onde solicitou refúgio às autoridades brasileiras.
“Não tivemos escolha, pois a situação na Síria ficou insustentável. As cidades estão devastadas, e as pessoas procuram restos de comida nas casas em ruínas”, disse o empresário ao ACNUR, recordando a situação em Homs, severamente atingida pelo conflito. “A água e o gás acabaram, o que é um problema com a chegada do inverno”, completou Nidal, que teve que deixar para trás a filha mais velha, com marido e filhos.
A história de Nidal sintetiza a experiência dos cidadãos sírios que têm pedido refúgio no Brasil desde o início dos confrontos no seu país natal, em março de 2011. Do ano passado para cá, o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) já recebeu 90 solicitações de refúgio de sírios. Até agora, 34 pessoas já foram reconhecidas como refugiadas e 56 casos estão sob análise – um número insignificante, se comparado com os cerca de 340 mil cidadãos sírios já registrados como refugiados pelo ACNUR nos países vizinhos ao conflito (Turquia, Jordânia, Líbano e Iraque).
Além de São Paulo, os solicitantes de refúgio da Síria que estão no Brasil vivem em outros estados do país, como Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal, Amazonas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Com os documentos brasileiros já emitidos pelo governo federal, eles contam com a solidariedade de conhecidos e o apoio de organizações da sociedade civil e do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) para reorganizar a rotina familiar e profissional.
Ainda traumatizados pela violência generalizada, os refugiados sírios que estão no Brasil têm pela frente o desafio da integração – particularmente difícil para quem vem de uma realidade cultural muito diferente da sociedade brasileira. Entre as principais necessidades já identificadas por Nidal e outros conterrâneos estão a busca por emprego e moradia, além do aprendizado do idioma português. 
Apoio da sociedade civil – Na maior metrópole brasileira, os solicitantes de refúgio da Síria (como de qualquer outra nacionalidade) são assistidos pelo Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP), um projeto executado em parceira com o ACNUR.
Os funcionários da CASP prestam assistência legal em relação aos trâmites jurídicos das solicitações de refúgio, auxiliam na obtenção de documentos como CPF e carteira de trabalho e prestam assistência social aos mais vulneráveis.
Por meio de parcerias com instituições públicas e do setor privado, a CASP encaminha os solicitantes para abrigos temporários, orienta-os sobre os serviços disponíveis nos sistemas públicos de saúde e educação, facilita a inscrição em aulas gratuitas de português e obtém vagas em cursos de formação profissional – visando acelerar a inserção de solicitantes de refúgio e refugiados no mercado de trabalho brasileiro.
“De janeiro a setembro deste ano, a Cáritas recebeu 78 solicitantes de refúgio de sírios. No mês de agosto, em apenas um dia chegaram 17 pessoas de duas famílias diferentes”, disse o diretor da CASP, Marcelo Monge. Segundo ele, os dois grupos foram encaminhados para os abrigos vinculados à Igreja Católica.
Entre os solicitantes de refúgio encaminhados às aulas de português gratuitas oferecidas por um convênio entre a CASP e o Serviço Social do Comércio em São Paulo (SESC-SP) está o sírio Ali Humsi*, que chegou ao Brasil há cinco meses. “É muito ruim depender das pessoas para se comunicar. Sem dominar o idioma, não temos autonomia e não conseguimos emprego para sustentar nossas famílias”, disse ele, que exercia a profissão de despachante na Síria. 

Assim como todos os solicitantes de refúgio que chegam ao Brasil, os cidadãos sírios têm documentos nacionais provisórios (como identidade, CPF e Carteira de Trabalho) e podem utilizar os serviços públicos disponíveis aos brasileiros, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o sistema de ensino. Os casos considerados vulneráveis também podem receber recursos financeiros temporários e emergenciais, doados ao ACNUR pela comunidade internacional e que este repassa aos seus parceiros no Brasil.

Uma vez que seus pedidos de refúgio são reconhecidos pelo CONARE, seus documentos passam a ser definitivos. O apoio financeiro, entretanto, tende a ser reduzido com o tempo – pois estes recursos precisam atender os novos solicitantes que chegam ao país.
Conterrâneos – O apoio da comunidade síria que vive em São Paulo é especialmente importante neste momento inicial de adaptação dos solicitantes de refúgio à sua nova realidade. Um bom exemplo é um atuante grupo que trabalha pela mobilização de recursos para os refugiados sírios que chegam à cidade – e que começou como uma página no Facebook para compartilhar notícias sobre a Síria.
Liderada pelo comerciante sírio Amer Masarani, o grupo “Coordenação da Revolução Síria no Brasil” ajuda atualmente cerca de 30 pessoas a pagar o aluguel de pequenas casas e a conseguir trabalho. “Atuamos principalmente para engajar os comerciantes árabes do centro de São Paulo na acolhida a estes refugiados, seja com doações ou oferecendo postos de trabalho”, disse Masarani, que já vive no Brasil há 15 anos. Por causa do conflito em seu país, a mãe e duas irmãs dele pediram refúgio no Brasil no fim do ano passado.
Outra instituição de origem síria que apoia a integração destes refugiados em São Paulo é a Igreja Ortodoxa Síria Santa Maria. Em contato estreito com a CASP desde a eclosão do conflito, o padre Gabriel Dahho, que é sírio, acompanha como intérprete as entrevistas dos solicitantes de refúgio na Polícia Federal – uma das primeiras etapas do processo de reconhecimento do estatus de refugiado pelo governo brasileiro.
O padre Gabriel também articula com amigos comerciantes e a pequena comunidade de sua igreja – com cerca de cem fiéis – doações em dinheiro, aulas de português e postos de trabalho para os refugiados. O próprio padre tem familiares de Homs refugiados na Alemanha.

Para o representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez, o papel da população síria estabelecida no Brasil é extremamente importante. “Estima-se que quase 5 milhões de brasileiros tenham ascendência síria, e muitos deles estão organizados em associações diversas que em alguma medida ajudam os recém-chegados”, disse Ramirez, lembrando que a migração síria para o Brasil se deu entre o final do século XIX e início do século passado. “Acreditamos que o número de sírios chegando ao Brasil devido aos conflitos em seu país é muito maior, pois somente uma minoria está solicitando refúgio”, afirmou.
“O ACNUR considera que a grande maioria dos sírios que está deixando o país nas atuais circunstâncias precisa de proteção internacional”, disse Ramirez.
Segundo um documento técnico divulgado pelo ACNUR em junho deste ano, para toda a comunidade internacional, a proteção aos cidadãos que fogem da Síria deve implicar “o respeito à dignidade humana” e garantir “normas humanitárias mínimas”, como o acesso ao território, segurança, não devolução para o país de origem e acesso às necessidades básicas de abrigo, instalações sanitárias, alimentação, atenção médica, educação primária e documentos de identificação – além de respeito à unidade familiar e aos princípios de não discriminação e livre circulação.
Em São Paulo, as redes de apoio da comunidade síria e o trabalho do ACNUR e seus parceiros têm ajudado os cidadãos sírios que buscaram refúgio no Brasil. Com diferentes perspectivas e projetos, estes refugiados compartilham do mesmo desejo: voltar à Síria com suas famílias quando a violência acabar.
*Nomes trocados por razões de proteção.
Por Karin Fusaro, de São Paulo
Por: ACNUR

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