sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Os segredos da Fortaleza Europa


A UE procura incessantemente reforçar a vigilância das fronteiras externas, usando tecnologias cada vez mais dispendiosas. São eficazes? E quem é que, nas nossas democracias, controla os controladores? São estas as perguntas que coloca o Groene Amsterdammer.
"Não há alternativa", dizia Franco Frattini, comissário europeu responsável pela Justiça, Liberdade e Segurança, há quatro anos, ao Parlamento Europeu. Uma vez que os criminosos têm melhor tecnologia do que nós, anunciou dois projetos. O primeiro previa a monitorização contínua de todas as fronteiras externas, incluindo recurso a “drones”, para detetar imigrantes no mar. A segunda propunha a criação de "fronteiras inteligentes", para reconhecimento biométrico de todas as pessoas que entram e saem da Europa.
O primeiro projeto, Eurosur (sistema europeu de vigilância de fronteiras), previsto para arrancar em 1 de outubro de 2013, está presentemente a ser examinado pelo Parlamento Europeu. "Os Estados-membros deverão criar um centro que coordene todas as atividades de vigilância de fronteiras por parte da polícia, das alfândegas e da Marinha", explica Erik Berglund, diretor responsável pelo reforço das capacidades da Frontex – Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas, sedeada em Varsóvia. "Até aqui, a partilha de informação é feita numa base voluntária."
O Eurosur tem um objetivo triplo, salienta Berglund: "Detetar imigrantes ilegais, lutar contra o crime internacional e salvar os refugiados que fogem de barco." Segundo as organizações não-governamentais, este último aspeto é sobretudo um argumento promocional. "A Eurosur pode contribuir para a localização de barcos", considera Stephan Kessler do Serviço Jesuíta para os Refugiados, em Bruxelas. "Mas continua a não existir forma de saber a quem cabe recolher as pessoas e onde devem procurar obter o estatuto de refugiado. No ano passado, Malta e Itália discutiram durante cinco dias por causa de um barquinho que apanharam no mar."
“Fronteiras burras e inteligentes”
Segundo os autores de “Borderline”, um relatório elaborado a pedido da Fundação Heinrich Böll, a Eurosur é um projeto incoerente dos pontos de vista técnico e organizacional. "Os únicos que tentaram saber se o sistema vai para a frente foi a Frontex e os fornecedores de tecnologia", sublinha Mathias Vermeulen. Coautor do relatório, é especialista em Direito Internacional no Instituto Universitário Europeu de Florença. "Não existe nenhum organismo de fiscalização e a Comissão considera que o projeto irá custar apenas 340 milhões de euros, até 2020; mas, pelos nossos cálculos, prevemos que vá ser duas ou três vezes esse valor."
Hoje, é já impossível travar o processo em curso, considera Mathias Vermeulen. Não é ainda o caso da proposta de "fronteiras inteligentes", em estudo na Comissão. O seu porta-voz ainda não quis dizer nada, mas já é sabido que está previsto um certo sistema de entrada e saída, bem como um programa de registo de viajantes que visa simplificar os controlos nas fronteiras a viajantes frequentes. Quanto aos viajantes não-europeus, os seus dados serão todos armazenados, nomeadamente a data e local de entrada, o endereço na UE para eventual contacto e todos os dados biométricos, como impressões digitais e fotografia digital. Quando sai, a pessoa volta a ser escrutinada, para que o sistema possa determinar quem permanece ilegalmente.
A Europa recebe anualmente 100 a 150 milhões de visitantes. Max Snijder, consultor de biometria, manifesta, pois, o seu ceticismo: "Não existe nenhuma experiência deste tipo de mega sistemas. Quem comunica informações em caso de morte? E o que se faz quando uma pessoa não sai? Todas essas patrulhas costeiras, todos esses aviões não terão qualquer utilidade. E quem pode aceder aos dados?"
O termo "fronteiras inteligentes" é feliz, a nível tático, considera Vermeulen. "Parece que, agora, podemos escolher entre fronteiras inteligentes e burras. E o nosso desejo inclina-se necessariamente para as inteligentes, é óbvio." Mas a proteção de dados coloca, segundo ele, um problema fundamental: "Em termos da legislação europeia, é necessário ter uma razão legítima para armazenar dados sobre as características físicas de uma pessoa. Ora, este projeto encara todos os viajantes como potenciais criminosos. Sendo que as pessoas que não saem dentro do prazo poderão estar internadas num hospital, por exemplo."
Segundo a Comissão, o sistema destina-se apenas a traçar um quadro estatístico geral das migrações dentro da Europa. Uma operação estatística dispendiosa, neste caso: a instalação de fronteiras inteligentes custa 450 milhões de euros e o funcionamento é da ordem dos 190 milhões por ano. O Sistema de Informação Schengen, outro grande projeto informático da UE, acabou por custar cinco vezes mais caro do que o valor estimado.
“Uma máquina omnipresente, indomável”
A experiência dos Estados Unidos da América dá motivos para se ficar reticente. Um estudo de 2008 constata que o controlo biométrico à entrada identificou 1300 visitantes indesejáveis. Com custos que atingiam já 1200 milhões de dólares. Um sistema que custa quase um milhão de euros por deteção é rentável? Quanto à Secure Border Initiative, para vigilância continuada das fronteiras com o México e o Canadá, já consumiu 3700 milhões de dólares. Mas os fundos foram cortados em 2010. Era demasiado complicado tecnicamente e não era rentável, concluiu o Government Accountability Office [a instância do Congresso responsável pela auditoria das despesas públicas]. Lamentavelmente, a UE não dispõe de um corpo independente para controlo dos projetos informáticos.
O Parlamento Europeu está agora perante um facto consumado. Em 10 de outubro, vai ter de se debruçar sobre a uma série de alterações, sem poder interferir grandemente no conteúdo. É a tecnologia que define o rumo a tomar. A Frontex e a Comissão, tal como os Estados-membros e os deputados europeus, costumam dizer: é sempre melhor pecar por excesso.
"O controlo de fronteiras torna-se uma máquina omnipresente, indomável, que separa constantemente as pessoas em desejáveis e indesejáveis", escreve Huub Dijstelbloem, autor de The Migration Machine [A máquina da imigração]. "Mas nada é dito sobre o objetivo de longo prazo. A lógica tecnológica que está em curso é extremamente contestável do ponto de vista democrático, porque não se distinguem os objetivos e tem um impacto extraordinário. Estamos a passar da Fortaleza Europa para uma sociedade da vigilância."

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