A UE procura incessantemente reforçar a vigilância das
fronteiras externas, usando tecnologias cada vez mais dispendiosas. São
eficazes? E quem é que, nas nossas democracias, controla os controladores? São
estas as perguntas que coloca o Groene Amsterdammer.
"Não há alternativa", dizia Franco Frattini,
comissário europeu responsável pela Justiça, Liberdade e Segurança, há quatro
anos, ao Parlamento Europeu. Uma vez que os criminosos têm melhor tecnologia do
que nós, anunciou dois projetos. O primeiro previa a monitorização contínua de
todas as fronteiras externas, incluindo recurso a “drones”, para detetar
imigrantes no mar. A segunda propunha a criação de "fronteiras
inteligentes", para reconhecimento biométrico de todas as pessoas que
entram e saem da Europa.
O primeiro projeto, Eurosur (sistema europeu de vigilância de fronteiras),
previsto para arrancar em 1 de outubro de 2013, está presentemente a ser
examinado pelo Parlamento Europeu. "Os Estados-membros deverão criar um
centro que coordene todas as atividades de vigilância de fronteiras por parte
da polícia, das alfândegas e da Marinha", explica Erik Berglund, diretor
responsável pelo reforço das capacidades da Frontex – Agência Europeia de Gestão da Cooperação
Operacional nas Fronteiras Externas, sedeada em Varsóvia. "Até aqui, a
partilha de informação é feita numa base voluntária."
O Eurosur tem um objetivo triplo, salienta Berglund:
"Detetar imigrantes ilegais, lutar contra o crime internacional e salvar
os refugiados que fogem de barco." Segundo as organizações
não-governamentais, este último aspeto é sobretudo um argumento promocional.
"A Eurosur pode contribuir para a localização de barcos", considera
Stephan Kessler do Serviço Jesuíta para os Refugiados, em Bruxelas. "Mas
continua a não existir forma de saber a quem cabe recolher as pessoas e onde
devem procurar obter o estatuto de refugiado. No ano passado, Malta e Itália
discutiram durante cinco dias por causa de um barquinho que apanharam no mar."
“Fronteiras burras e inteligentes”
Segundo os autores de “Borderline”, um relatório elaborado a pedido
da Fundação Heinrich Böll, a Eurosur é um projeto incoerente dos pontos de vista
técnico e organizacional. "Os únicos que tentaram saber se o sistema vai
para a frente foi a Frontex e os fornecedores de tecnologia", sublinha
Mathias Vermeulen. Coautor do relatório, é especialista em Direito
Internacional no Instituto Universitário Europeu de Florença. "Não existe
nenhum organismo de fiscalização e a Comissão considera que o projeto irá
custar apenas 340 milhões de euros, até 2020; mas, pelos nossos cálculos,
prevemos que vá ser duas ou três vezes esse valor."
Hoje, é já impossível travar o processo em curso, considera
Mathias Vermeulen. Não é ainda o caso da proposta de "fronteiras
inteligentes", em estudo na Comissão. O seu porta-voz ainda não quis dizer
nada, mas já é sabido que está previsto um certo sistema de entrada e saída,
bem como um programa de registo de viajantes que visa simplificar os controlos
nas fronteiras a viajantes frequentes. Quanto aos viajantes não-europeus, os
seus dados serão todos armazenados, nomeadamente a data e local de entrada, o
endereço na UE para eventual contacto e todos os dados biométricos, como
impressões digitais e fotografia digital. Quando sai, a pessoa volta a ser
escrutinada, para que o sistema possa determinar quem permanece ilegalmente.
A Europa recebe anualmente 100 a 150 milhões de visitantes. Max Snijder,
consultor de biometria, manifesta, pois, o seu ceticismo: "Não existe
nenhuma experiência deste tipo de mega sistemas. Quem comunica informações em
caso de morte? E o que se faz quando uma pessoa não sai? Todas essas patrulhas
costeiras, todos esses aviões não terão qualquer utilidade. E quem pode aceder
aos dados?"
O termo "fronteiras inteligentes" é feliz, a nível
tático, considera Vermeulen. "Parece que, agora, podemos escolher entre
fronteiras inteligentes e burras. E o nosso desejo inclina-se necessariamente
para as inteligentes, é óbvio." Mas a proteção de dados coloca, segundo
ele, um problema fundamental: "Em termos da legislação europeia, é
necessário ter uma razão legítima para armazenar dados sobre as características
físicas de uma pessoa. Ora, este projeto encara todos os viajantes como
potenciais criminosos. Sendo que as pessoas que não saem dentro do prazo
poderão estar internadas num hospital, por exemplo."
Segundo a Comissão, o sistema destina-se apenas a traçar um
quadro estatístico geral das migrações dentro da Europa. Uma operação
estatística dispendiosa, neste caso: a instalação de fronteiras inteligentes
custa 450 milhões de euros e o funcionamento é da ordem dos 190 milhões por
ano. O Sistema de Informação Schengen, outro grande projeto informático da UE,
acabou por custar cinco vezes mais caro do que o valor estimado.
“Uma máquina omnipresente, indomável”
A experiência dos Estados Unidos da América dá motivos para se
ficar reticente. Um estudo de 2008 constata que o controlo biométrico à entrada
identificou 1300 visitantes indesejáveis. Com custos que atingiam já 1200
milhões de dólares. Um sistema que custa quase um milhão de euros por deteção é
rentável? Quanto à Secure Border Initiative, para vigilância continuada das fronteiras
com o México e o Canadá, já consumiu 3700 milhões de dólares. Mas os fundos
foram cortados em 2010. Era demasiado complicado tecnicamente e não era
rentável, concluiu o Government Accountability Office [a instância do Congresso
responsável pela auditoria das despesas públicas]. Lamentavelmente, a UE não
dispõe de um corpo independente para controlo dos projetos informáticos.
O Parlamento Europeu está agora perante um facto consumado. Em
10 de outubro, vai ter de se debruçar sobre a uma série de alterações, sem
poder interferir grandemente no conteúdo. É a tecnologia que define o rumo a
tomar. A Frontex e a Comissão, tal como os Estados-membros e os deputados
europeus, costumam dizer: é sempre melhor pecar por excesso.
"O controlo de fronteiras torna-se uma máquina
omnipresente, indomável, que separa constantemente as pessoas em desejáveis e
indesejáveis", escreve Huub Dijstelbloem, autor de The
Migration Machine [A
máquina da imigração]. "Mas nada é dito sobre o objetivo de longo prazo. A
lógica tecnológica que está em curso é extremamente contestável do ponto de
vista democrático, porque não se distinguem os objetivos e tem um impacto
extraordinário. Estamos a passar da Fortaleza Europa para uma sociedade da
vigilância."
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