Quanto tempo pode um imigrante ficar proibido de voltar a
Portugal se for afastado do país por estar em situação irregular? A nova lei da
imigração, que entrou em vigor na semana passada, estabelece um prazo de
afastamento até cinco anos, mas dá ao SEF o poder de o prolongar, sem limites,
se entender que esse cidadão representa uma «ameaça grave para a ordem pública,
a segurança pública ou a segurança nacional».
Vários juristas contactados pelo SOL questionam esta norma. «Que
uma tal suspeita possa ser formulada por uma autoridade policial, por tempo
indeterminado, é uma flagrante violação dos direitos humanos, do direito
internacional humanitário e, por consequência, da Constituição da República
Portuguesa», diz o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos, sublinhando
que «ajuizar da perigosidade de qualquer ser humano é um assunto de natureza
jurídico-criminal» – ou seja, compete a um juiz.
A advogada Cláudia do Carmo Santos corrobora:
«O facto de não haver um limite máximo para a proibição da entrada pode pôr em
causa o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso,
que é um corolário do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º
da Constituição».
Além de poder alargar o período de interdição
de entrada em Portugal, o SEF viu também os seus poderes reforçados na hora de
avaliar as entradas dos imigrantes, nomeadamente no aeroporto.
Os inspectores vão poder ‘barrar’ os cidadãos
estrangeiros que sejam considerados perigosos independentemente de terem
nascido em Portugal, de cá viverem antes dos dez anos ou de terem filhos
menores a seu cargo – factores que, segundo a lei anterior, eram considerados
limites à recusa de entrada.
Também para os casos de expulsão cabe ao SEF
avaliar o grau de ameaça do cidadão. A ordem de saída tem de ser dada por um
juiz, mas são os inspectores que recolhem provas de que há «sérias razões para
crer que [o imigrante em causa] cometeu actos criminosos graves ou que tenciona
cometê-los, designadamente na União Europeia».
Mas como se prova a intenção de alguém cometer
um crime? Cláudia do Carmo Santos alerta que, também neste caso, pode estar em
causa a violação da Constituição, no seu artigo 32.º – que consagra o princípio
do in dubio pro reu, segundo o qual todo o arguido se presume inocente até ao
trânsito em julgado da sentença de condenação. Isto porque, sublinha a jurista,
«em bom rigor, não se sanciona a concretização efectiva de actos, quer preparatórios,
quer de execução do delito em si mesmo, mas sim a existência de um juízo
especulativo e subjectivo».
‘Conceitos demasiado
amplos’
Tanto a Ordem dos Advogados como a Comissão
Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que enviaram pareceres à Assembleia da
República sobre este projecto de lei, alertaram para o facto de estes conceitos
relacionados com a segurança serem «demasiado amplos». A CNPD disse mesmo que
podem configurar um tratamento «discriminatório e/ou arbitrário».
«Esta lei insere-se numa lógica securitária no
que diz respeito ao fenómeno da imigração. No fundo, dá corpo à lógica de
fortaleza sitiada que a União Europeia vem aprofundando nos últimos anos»,
observa António Cluny, presidente da MEDEL (associação dos Magistrados Europeus
para a Democracia e Liberdade).
O magistrado acrescenta: «O chamamento à
intervenção do poder judicial é extraordinariamente reduzido, quase sempre para
verificar situações já definidas pela Polícia [SEF], e muitas vezes em tempo
que não pode ser considerado útil» para o cidadão.
É que, apesar de o imigrante poder recorrer
das decisões, como o recurso continua a não ter efeito suspensivo, muitas vezes
o cidadão já foi afastado ou expulso do país quando o tribunal se pronuncia.
Questionado pelo SOL sobre o âmbito destes
conceitos, o SEF admitiu que «decorrem, na maioria, de legislação comunitária»,
garantindo, no entanto, que estas decisões não serão discricionárias. Segundo
fonte oficial da instituição, vão obedecer «a critérios estritos de legalidade».
Sol
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