O poderoso gesto do Papa Francisco em Lampedusa permitiu atrair as
atenções do mundo sobre a imoralidade que constituem as perseguições e a morte
de imigrantes que tentam entrar na Europa. Permite, igualmente, fazer luz sobre
um impressionante paradoxo: ao mesmo tempo que a Europa precisa de mais
imigração, os discursos públicos dominantes sobre imigração estão impregnados
de desconfiança e medo.
Com efeito, tendo em conta a evolução demográfica no continente depois
da Segunda Guerra Mundial, nomeadamente a crónica descida das taxas de
natalidade e uma cada vez maior esperança de vida, a Europa precisa do
contributo externo da imigração para não se ver condenada a assistir
perpetuamente à redução dos direitos sociais, ao aumento da idade da reforma, à
diminuição do montante das pensões…
No entanto, as políticas migratórias levadas a cabo na Europa nestas
últimas décadas estão marcadas pelo ferrete da desconfiança. Desconfiança que,
partilhada pelo conjunto dos Estados europeus, seja qual for a cor política dos
dirigentes no poder, tem como consequência o carácter extremamente restritivo
das suas políticas.
A criação da agência europeia Frontex, cuja principal missão é
interceptar imigrantes nas fronteiras da UE, é disso exemplo. Caracterizada
pela violência das suas intervenções, a Frontex tornou-se um símbolo da
“Europa-fortaleza”, um continente fechado sobre si próprio, insensível à
esperança daqueles que arriscam a vida durante longos meses de perigosos
périplos para construírem um futuro no nosso continente. No ano passado, foi no
meio de uma grande indiferença que cerca de 500 pessoas vindas de África
morreram na tentativa de chegarem a Lampedusa, enquanto milhares de refugiados
estavam enclausurados em centros de detenção ou em lúgubres prisões.
Os acordos “Dublin II” são outro exemplo. Permitem em particular aos
Estados-membros reenviar os migrantes em situação irregular para o país que lhe
serviu de porta de entrada na União Europeia. É assim que muitos refugiados se
encontram na Grécia, principal ponto de entrada de migrantes na Europa
juntamente com a costa do Sul de Itália, o que levou à criação de uma situação
ingerível, instrumentalizada pelos neonazis gregos para assegurarem uma base
social e eleitoral de apoio, perseguindo e matando imigrantes com total
impunidade.
Posição política culturalmente dominante hoje na Europa, a desconfiança
face à imigração não é fruto do acaso. É uma vitória ideológica da
extrema-direita, resultante de um combate encarniçado ao longo de mais de 30
anos.
Conscientes de que a expressão pública do seu anti-semitismo e do seu
racismo lhes barraria irremediavelmente o acesso ao poder, numerosos partidos
de extrema-direita têm usado a estigmatização dos imigrantes como discurso
social estruturante e puderam, desse modo, impor gradualmente os seus pontos de
vista.
As consequências desta vitória ideológica da extrema-direita são
extremamente dolorosas: menos direitos sociais para todos e mais violência e
assassinatos racistas, como na Grécia. Do mesmo modo, a complementaridade dos
diferentes movimentos e partidos europeus de extrema-direita surge com clareza.
Aqueles que, por vezes às portas do poder, se declaram “normalizados”,
asseguram a sua vitória ideológica e preparam o terreno para actos violentos
daqueles que nunca tencionaram abandonar a sua ideologia profundamente baseada
no ódio.
No entanto, se falta imigração na Europa não é só para assegurar
direitos sociais dignos, é também e sobretudo uma necessidade para a democracia
e para os Direitos Humanos.
Em primeiro lugar, acolher imigrantes permitirá aumentar o número de
beneficiários de direitos garantidos na Europa. Na condição de não pilhar as
elites dos países mais pobres, um número cada vez maior de pessoas poderá
usufruir dos valores democráticos.
Em segundo lugar, a Europa é vista no mundo como um dos principais
espaços de invenção e regeneração da democracia. Logo, o futuro da Europa e da
democracia estão fortemente ligados. Estimular a migração para a Europa
permitir-lhe-á beneficiar de um mercado maior, de uma inovação plena de
vitalidade, de uma economia mais aberta ao mundo e mais dinâmica, além de
concorrer com novas potências mundiais de regimes autoritários. Os países
emergentes serão então, mais do que hoje, tentados pela democracia, que
progredirá no mundo enquanto continuar a representar um modelo de
desenvolvimento eficaz.
Para que a Europa possa enfrentar o desafio da imigração, que é o mesmo
que dizer o do seu futuro, uma vitória cultural é necessária: substituir a
desconfiança face à imigração pelo desejo de alteridade.
Isto significa, nomeadamente, o fim da indiferença quanto à instalação
dos refugiados, frequentemente vindos de antigas colónias europeias africanas e
asiáticas, em centros de retenção e em condições desumanas. Significa
igualmente um combate renhido pela igualdade, para libertar o nosso continente
do racismo e do anti-semitismo. Numa palavra, significa colocar os valores
fundamentais da UE e da promoção da democracia no coração de um projecto
europeu partilhado, e não deixar que o dogma da austeridade seja a bússola
dominante das instituições e dos Governos da Europa.
É o futuro do nosso continente e também da democracia que está em jogo.
Benjamin Abtan
Presidente do Movimento Popular Anti-racista Europeu EGAM
Presidente do Movimento Popular Anti-racista Europeu EGAM
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