Verônica
Capcha sensibilizou dois países inteiros – Brasil e Bolívia - ao narrar, aflita
e banhada em lágrimas, na mistura confusa de dois idiomas, o assassinato brutal
de seu único filho, Brayan, de apenas cinco anos, durante um assalto na
periferia de São Paulo, na madrugada de 28 de junho.
Seis bandidos armados com revólveres
e facas, cinco deles encapuzados, invadiram o local onde a família trabalhava e
vivia, em busca do dinheiro que os bolivianos recebem por um trabalho que beira
a escravidão, guardam em casa e finalmente levam a seu País de origem, no afã
de abrandar a miséria que assola seus compatriotas.
Brayan, assustado com os bandidos e
sua violência, foi repreendido por um dos assaltantes: se continuasse chorando,
ele e a mãe morreriam!
A mãe, aterrorizada pela ameaça do
marginal, ajoelhou-se aos seus pés, abraçada ao filho, e implorou que não lhes fizesse mal.
Apavorada e incapaz de conter o choro, a criança clamava: “Não me mate! Não mate minha mamãe!”
Surdo ao apelo, o bandido atirou na
cabeça de Bryan.
Afora o susto de ver a si mesmo e a
sua família tão cruelmente ameaçados, Bryan tinha motivos de sobra para
chorar: seu País atravessa severa crise
financeira, envolvendo o povo na penúria que aborta as perspectivas de um
futuro digno no território nacional, empurrando-o para lugares estrangeiros.
Por seus olhos, pois, escorria toda a dor de
ser vítima da situação que o pôs longe
de suas origens, sua cultura, sua gente.
Ele também chorava por estar fadado, como
tantos outros meninos, ao ciclo vicioso de muito trabalho e poucas
oportunidades de estudo e libertação de um sistema opressor, que tem nas
crianças a semente dos semi-escravos do amanhã.
E é certo que Bryan também chorava por viver
num mundo em que desonestidade, drogas,
consumismo e violência roubam o tempo e as virtudes que os pais poderiam
repartir com os filhos, ensinando-os a serem pessoas de bem.
Nas lágrimas do pequenino boliviano
também estavam a frustração e a incompreensão
por ver desprezado seu sacrifício de, com a pureza e a inocência de que
somente as crianças são capazes, entregar aos bandidos seu pequeno e valioso
tesouro - moedas que guardara - com o
qual sonhava comprar um caminhãozinho de brinquedo e uma camiseta estampada com
a figura do Pica-pau, para, amanhã, comemorar o seu aniversário.
Sem dúvida, suas lágrimas repudiavam
a proibição de chorar, imposta a ele e a outras crianças, com vistas a fazê-los
insensíveis e indiferentes aos temores e às dores que assustam e doem não
apenas na infância, mas em qualquer momento da vida!
Seu choro sentido também brotava do
desgosto de ver o País a que seus pais vieram, iludidos com a promessa de uma
vida melhor, ser palco de sofrimento e aprisionamento em pequenos cômodos onde
se trabalha, come e dorme, sem segurança, conforto, espaço e amigos para
brincar.
Bryan chorava porque percebeu quão
incômodo e penoso é ser criança em um
mundo e em um século em que a infância não pode mais ser descomplicada e
descompromissada, mas, ao contrário disso, foi transformada no ringue onde se é
treinado para ser mais um escravo do consumismo e do trabalho desumano, e quase
nada mais, quando se nasce pobre e, além disso, estrangeiro e peregrino.
O pranto de Bryan simboliza o pranto
de inúmeras crianças que choram espalhadas pelo mundo inteiro, vitimadas por
problemas iguais, semelhantes ou piores, tendo sua infância desnaturada.
Essa história e esse pranto,
dramática, injusta e abruptamente calado à bala, que hoje causam comoção, amanhã
ou depois serão esquecidos pelas pessoas, imersas em suas novas e próprias tragédias.
Verônica, contudo, por onde for,
eternamente levará a imagem do filho implorando pela vida estampada na memória
e no coração, em cores tão vibrantes como o sangue do seu menino, que tingiu
sua roupa simples, quando ele morreu em seus braços, porque era criança, teve
medo e não conseguiu parar de chorar.
E,
por essas curiosidades espantosas que fazem a vida ainda mais intrigante,
Verônica também era o nome da mulher que, segundo a tradição cristã, viu
estampada a imagem de Cristo no pano com que enxugou Sua face, quando tentava
ampará-Lo no calvário e na dor que injustamente Lhes eram impostos...
Simone Judica é advogada, jornalista e
colaboradora de O Democrata (simonejudica@ig.com.br).
Verônica
Capcha sensibilizou dois países inteiros – Brasil e Bolívia - ao narrar, aflita
e banhada em lágrimas, na mistura confusa de dois idiomas, o assassinato brutal
de seu único filho, Brayan, de apenas cinco anos, durante um assalto na
periferia de São Paulo, na madrugada de 28 de junho.
Seis bandidos armados com revólveres
e facas, cinco deles encapuzados, invadiram o local onde a família trabalhava e
vivia, em busca do dinheiro que os bolivianos recebem por um trabalho que beira
a escravidão, guardam em casa e finalmente levam a seu País de origem, no afã
de abrandar a miséria que assola seus compatriotas.
Brayan, assustado com os bandidos e
sua violência, foi repreendido por um dos assaltantes: se continuasse chorando,
ele e a mãe morreriam!
A mãe, aterrorizada pela ameaça do
marginal, ajoelhou-se aos seus pés, abraçada ao filho, e implorou que não lhes fizesse mal.
Apavorada e incapaz de conter o choro, a criança clamava: “Não me mate! Não mate minha mamãe!”
Surdo ao apelo, o bandido atirou na
cabeça de Bryan.
Afora o susto de ver a si mesmo e a
sua família tão cruelmente ameaçados, Bryan tinha motivos de sobra para
chorar: seu País atravessa severa crise
financeira, envolvendo o povo na penúria que aborta as perspectivas de um
futuro digno no território nacional, empurrando-o para lugares estrangeiros.
Por seus olhos, pois, escorria toda a dor de
ser vítima da situação que o pôs longe
de suas origens, sua cultura, sua gente.
Ele também chorava por estar fadado, como
tantos outros meninos, ao ciclo vicioso de muito trabalho e poucas
oportunidades de estudo e libertação de um sistema opressor, que tem nas
crianças a semente dos semi-escravos do amanhã.
E é certo que Bryan também chorava por viver
num mundo em que desonestidade, drogas,
consumismo e violência roubam o tempo e as virtudes que os pais poderiam
repartir com os filhos, ensinando-os a serem pessoas de bem.
Nas lágrimas do pequenino boliviano
também estavam a frustração e a incompreensão
por ver desprezado seu sacrifício de, com a pureza e a inocência de que
somente as crianças são capazes, entregar aos bandidos seu pequeno e valioso
tesouro - moedas que guardara - com o
qual sonhava comprar um caminhãozinho de brinquedo e uma camiseta estampada com
a figura do Pica-pau, para, amanhã, comemorar o seu aniversário.
Sem dúvida, suas lágrimas repudiavam
a proibição de chorar, imposta a ele e a outras crianças, com vistas a fazê-los
insensíveis e indiferentes aos temores e às dores que assustam e doem não
apenas na infância, mas em qualquer momento da vida!
Seu choro sentido também brotava do
desgosto de ver o País a que seus pais vieram, iludidos com a promessa de uma
vida melhor, ser palco de sofrimento e aprisionamento em pequenos cômodos onde
se trabalha, come e dorme, sem segurança, conforto, espaço e amigos para
brincar.
Bryan chorava porque percebeu quão
incômodo e penoso é ser criança em um
mundo e em um século em que a infância não pode mais ser descomplicada e
descompromissada, mas, ao contrário disso, foi transformada no ringue onde se é
treinado para ser mais um escravo do consumismo e do trabalho desumano, e quase
nada mais, quando se nasce pobre e, além disso, estrangeiro e peregrino.
O pranto de Bryan simboliza o pranto
de inúmeras crianças que choram espalhadas pelo mundo inteiro, vitimadas por
problemas iguais, semelhantes ou piores, tendo sua infância desnaturada.
Essa história e esse pranto,
dramática, injusta e abruptamente calado à bala, que hoje causam comoção, amanhã
ou depois serão esquecidos pelas pessoas, imersas em suas novas e próprias tragédias.
Verônica, contudo, por onde for,
eternamente levará a imagem do filho implorando pela vida estampada na memória
e no coração, em cores tão vibrantes como o sangue do seu menino, que tingiu
sua roupa simples, quando ele morreu em seus braços, porque era criança, teve
medo e não conseguiu parar de chorar.
E,
por essas curiosidades espantosas que fazem a vida ainda mais intrigante,
Verônica também era o nome da mulher que, segundo a tradição cristã, viu
estampada a imagem de Cristo no pano com que enxugou Sua face, quando tentava
ampará-Lo no calvário e na dor que injustamente Lhes eram impostos...
Simone Judica é advogada, jornalista e
colaboradora de O Democrata (simonejudica@ig.com.br).
Caro Miguel,
ResponderExcluirObrigada por me dar a honra de trazer minha crônica, "O menino que não podia chorar", para o seu blog.
Grande abraço!
Simone Judica