terça-feira, 9 de julho de 2013

BRYAN O MENINO QUE NÃO PODIA CHORAR

Verônica Capcha sensibilizou dois países inteiros – Brasil e Bolívia - ao narrar, aflita e banhada em lágrimas, na mistura confusa de dois idiomas, o assassinato brutal de seu único filho, Brayan, de apenas cinco anos, durante um assalto na periferia de São Paulo, na madrugada de 28 de junho.
            Seis bandidos armados com revólveres e facas, cinco deles encapuzados, invadiram o local onde a família trabalhava e vivia, em busca do dinheiro que os bolivianos recebem por um trabalho que beira a escravidão, guardam em casa e finalmente levam a seu País de origem, no afã de abrandar a miséria que assola seus compatriotas.
            Brayan, assustado com os bandidos e sua violência, foi repreendido por um dos assaltantes: se continuasse chorando, ele e a mãe morreriam!
            A mãe, aterrorizada pela ameaça do marginal, ajoelhou-se aos seus pés, abraçada ao filho,  e implorou que não lhes fizesse mal. Apavorada e incapaz de conter o choro, a criança  clamava: “Não me mate! Não mate minha mamãe!”
            Surdo ao apelo, o bandido atirou na cabeça de Bryan.
            Afora o susto de ver a si mesmo e a sua família tão cruelmente ameaçados, Bryan tinha motivos de sobra para chorar:  seu País atravessa severa crise financeira, envolvendo o povo na penúria que aborta as perspectivas de um futuro digno no território nacional, empurrando-o para lugares estrangeiros.
Por seus olhos, pois, escorria toda a dor de ser  vítima da situação que o pôs longe de suas origens, sua cultura, sua gente.
Ele também chorava por estar fadado, como tantos outros meninos, ao ciclo vicioso de muito trabalho e poucas oportunidades de estudo e libertação de um sistema opressor, que tem nas crianças a semente dos semi-escravos do amanhã.
E é certo que Bryan também chorava por viver num mundo em que desonestidade,  drogas, consumismo e violência roubam o tempo e as virtudes que os pais poderiam repartir com os filhos, ensinando-os a serem pessoas de bem.
            Nas lágrimas do pequenino boliviano também estavam a frustração e a incompreensão  por ver desprezado seu sacrifício de, com a pureza e a inocência de que somente as crianças são capazes, entregar aos bandidos seu pequeno e valioso tesouro - moedas que guardara -  com o qual sonhava comprar um caminhãozinho de brinquedo e uma camiseta estampada com a figura do Pica-pau, para, amanhã, comemorar o seu aniversário.
            Sem dúvida, suas lágrimas repudiavam a proibição de chorar, imposta a ele e a outras crianças, com vistas a fazê-los insensíveis e indiferentes aos temores e às dores que assustam e doem não apenas na infância, mas em qualquer momento da vida!
            Seu choro sentido também brotava do desgosto de ver o País a que seus pais vieram, iludidos com a promessa de uma vida melhor, ser palco de sofrimento e aprisionamento em pequenos cômodos onde se trabalha, come e dorme, sem segurança, conforto, espaço e amigos para brincar.
            Bryan chorava porque percebeu quão incômodo e penoso é ser criança em um  mundo e em um século em que a infância não pode mais ser descomplicada e descompromissada, mas, ao contrário disso, foi transformada no ringue onde se é treinado para ser mais um escravo do consumismo e do trabalho desumano, e quase nada mais, quando se nasce pobre e, além disso, estrangeiro e peregrino.
            O pranto de Bryan simboliza o pranto de inúmeras crianças que choram espalhadas pelo mundo inteiro, vitimadas por problemas iguais, semelhantes ou piores, tendo sua infância desnaturada.
            Essa história e esse pranto, dramática, injusta e abruptamente calado à bala, que hoje causam comoção, amanhã ou depois serão esquecidos pelas pessoas, imersas em suas novas  e próprias tragédias.
            Verônica, contudo, por onde for, eternamente levará a imagem do filho implorando pela vida estampada na memória e no coração, em cores tão vibrantes como o sangue do seu menino, que tingiu sua roupa simples, quando ele morreu em seus braços, porque era criança, teve medo e não conseguiu parar de chorar.
            E, por essas curiosidades espantosas que fazem a vida ainda mais intrigante, Verônica também era o nome da mulher que, segundo a tradição cristã, viu estampada a imagem de Cristo no pano com que enxugou Sua face, quando tentava ampará-Lo no calvário e na dor que injustamente Lhes eram impostos...

 Simone Judica é advogada, jornalista e colaboradora de O Democrata (simonejudica@ig.com.br).




                       

Um comentário:

  1. Caro Miguel,
    Obrigada por me dar a honra de trazer minha crônica, "O menino que não podia chorar", para o seu blog.
    Grande abraço!
    Simone Judica

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