Após queda de Morsi, xenofobia toma conta do país. Incitação da mídia
contra estrangeiros tem apoio do novo regime. Os alvos são principalmente
americanos, sírios e palestinos.
Os estrangeiros não têm vida fácil no Egito atualmente – são vistos com
desconfiança ou mesmo com hostilidade por muitos egípcios, fruto de uma
incitação da mídia tolerada pelo governo que substituiu a liderança de Mohammed
Morsi, deposto há duas semanas pelos militares.
A inimizade dos egípcios é direcionada especialmente contra os Estados
Unidos. Durante manifestações no maior país árabe – sejam de apoiadores
islamistas da Irmandade Muçulmana que sustenta Morsi ou de seus adversários –,
é comum ver retratos riscados do presidente dos EUA, Barack Obama. Fotos da
embaixadora dos EUA, Anne Patterson, são sobrescritas com insultos. Não há
quase nenhum manifestante que fale bem dos norte-americanos.
Em grandes locais públicos, também há grandes faixas com dizeres que
atacam o governo dos EUA. Os adversários dos islamistas se queixam por os EUA
terem tolerado as práticas da Irmandade Muçulmana por muito tempo. Do outro
lado, a maior parte dos islamistas odeia os americanos porque a Casa Branca
retirou o apoio a Morsi, o primeiro presidente democraticamente eleito do
Egito.
Muitos cidadãos parecem até obcecados com certas teorias da conspiração.
O islamista Mohammed Hassen é um deles: "Tínhamos uma democracia, mas os
militares não queriam democracia. Os militares foram muito pressionados pelos
EUA e a Europa para derrubar Morsi porque eles têm seus próprios interesses no
Egito", argumenta.
Sírios com medo
Mas a incitação contra refugiados sírios e palestinos tem proporções
muito mais graves. Desde os primeiros confrontos violentos entre simpatizantes
e opositores da Irmandade Muçulmana, estes estrangeiros foram vistos como bodes
expiatórios. Autoridades de segurança afirmam que a Irmandade Muçulmana pagou
aos refugiados sírios para atirarem em manifestantes anti-Morsi e militares. Os
meios de comunicação públicos e privados no Egito reproduziram a informação e
iniciaram uma verdadeira campanha contra sírios e palestinos.
O ex-parlamentar Mostafa El-Gindi, por exemplo, propôs um procedimento
especial para prender estrangeiros que supostamente atacaram ativistas
anti-Morsi. Na rede privada de televisão ONTV, ele sugeriu há poucos dias que
as ruas nos arredores de confrontos sejam interditadas, e que pontos de
controle sejam implementados para que, assim, os "não-egípcios" sejam
identificados e para que sírios e palestinos sejam executados.
Esse tipo de estímulo consegue influenciar parte da população, já que,
segundo observadores, a maioria dos egípcios é muito nacionalista e quase
reverencia os militares. Alguns acreditam nos rumores de que os sírios foram
pagos pela Irmandade Muçulmana para atacar os militares e, por isso, passaram a
considerar todos os sírios como inimigos do Estado. Para os refugiados, que
escaparam da violência em seu próprio país, o clima no Egito não está dos
melhores, como relata Ahmed, de 27 anos. "Não posso mais me mover tão
livremente quanto antes. Especialmente no centro da cidade. Fico triste cada
vez que sento em um bar e ouço as pessoas falando mal dos sírios."
Sem visto no país
A situação é especialmente dramática porque, durante o governo Morsi,
muitos sírios puderam entrar no Egito sem visto. Poucos sírios têm uma
autorização oficial de residência – o que, sob Morsi, não era problema. No
entanto, a situação mudou completamente com o novo governo militar. Por causa
do clima hostil, alguns sírios passaram a só deixar suas moradias quando é
absolutamente necessário. Eles têm medo de passar por um posto de controle
policial e serem enviados de volta à Síria. Além disso, uma nova lei agora obriga
aos sírios a solicitarem um visto antes de entrarem no Egito.
Para os sírios que querem fugir para o Egito, a entrada no país é
extremamente difícil desde a introdução da nova regra. "As autoridades
egípcias no aeroporto já mandaram de volta dois aviões com todos os passageiros
dentro. Uma aeronave vinha de Damasco. A outra, de Beirute [Líbano]",
conta Ahmed. Os passageiros não estavam cientes da nova obrigação de visto,
imposta de um dia para o outro.
Palestinos sob suspeita
Os palestinos também não são bem-vindos no Egito atualmente. Por causa
de reportagens tendenciosas veiculadas na mídia egípcia, eles são todos
suspeitos de terem ligações com o Hamas, o braço palestino da Irmandade
Muçulmana que governa a Faixa de Gaza, que também é acusado de ser responsável
pela violência no Egito. O ex-presidente Mohammed Morsi, agora detido, também é
suspeito de ter fugido da prisão durante a revolução de 2011 (que tirou o seu
antecessor Hosni Mubarak do poder) com a ajuda do Hamas.
De um lado, o atual regime militar usa a estratégia xenófoba para se
apresentar como o salvador do país, protegendo-o de conspiradores estrangeiros.
Ao mesmo tempo, consegue relativizar a violência que os próprios militares
cometem e transferir a culpa a palestinos e sírios. Em terceiro lugar, consegue
abalar a credibilidade dos ativistas islamistas.
DW
Nenhum comentário:
Postar um comentário