O Vaticano, através do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e
Itinerantes, e em colaboração com o Pontifício Conselho Cor Unum, acaba de publicar um documento sobre os refugiados. A
publicação tem como título Acolher Cristo
nos refugiados e nas pessoas deslocadas à força – Diretrizes Pastorais.
Como sugere o título escolhido, além de centrar-se na problemática dos
refugiados, o texto abre o leque de sua preocupação pastoral a todas as pessoas
que, de uma forma ou de outra, são vítimas de deslocamentos forçados. Logo na
introdução, afirma que “o fenômeno da mobilidade humana implica, hoje, muitas
vezes, um sofrimento devido ao desenraizamento inevitável do próprio país” (nº
1).
Constata-se, assim, que o tema dos refugiados insere-se no contexto mais
amplo, intenso e diversificado das migrações, um fenômeno que comporta uma
“realidade estrutural da sociedade contemporânea”, como lá nos lembrava a Erga migrantes Caritas Christi,
documento elaborado pelo mesmo Pontifício Conselho em 2004. Esta publicação, há
menos de uma década, estimava em 200 milhões o número de pessoas envolvidas na
mobilidade humana, reiterando que esta “constitui um problema sempre mais
complexo do ponto de vista social, político, religioso, econômico e pastoral” (Introdução)
Refugiados e a solidariedade de
todos
Na primeira parte, dedicada à “missão da Igreja a favor das pessoas
deslocadas à força”, o documento, após sublinhar as fontes evangélicas de toda
a solicitude da Igreja, apresenta “alguns princípios fundamentais nesta
pastoral”. Na tradição ligada à Doutrina Social da Igreja (DSI), coloca-se, em
primeiro lugar, a dignidade humana e cristã de toda pessoa, justamente o fio
condutor de toda a DSI. Evidente que o deslocamento forçado constitui um golpe
e um desrespeito à pessoas como filhos e filhas de Deus.
Vem, em seguida, o empenho da Igreja para reunificar as famílias “separadas
por causa da fuga de um ou mais de seus mebros, devido à perseguição” (nº 27).
Também neste caso, seguindo as linhas mestras da DSI, enfatiza-se a necessidade
de uma família. Se é verdade que esta tem o direito sagrado de “ir e vir”,
quando o faz de maneira violenta, porém, corre o risco de desestruturar-se,
perdendo-se como referência para cada um de seus membros, os quais, à custa de
tantos esforços, tentam refazê-la.
“A solidariedade é o sentimento de pertença comum” (nº 28), afirma o texto
quando traz como terceiro princípio a caridade, a solidariedade e a assistência.
De fato, lê-se no mesmo parágrafo que “a abertura às necessidades do próximo
inclui a nossa relação com o estrangeiro, que pode ser justamente considerado
como ‘mensageiro de Deus que surpreende e rompe a regularidade e a lógica da
vida cotidiana, trazendo para perto quem está longe’” (EMCC 101).
Mas não basta a solidariedade dos
cristãos, é preciso juntar outras forças vivas da sociedade. Faz-se necessária
“uma chamada à cooperação internacional”, como insiste o documento: “todos têm
a responsabilidade de responder pessoalmente à exigência de globalizar o amor
e a solidariedade, e de ser atores principais neste sentido” (nº 31). Numa
economia globalizada, globaliza-se igualmente a responsabilidade pelos dramas
de milhões de seres humanos sem raiz e sem pátria, na busca de suluções justas
e adequadas.
Por fim, fazendo referência ao
documento Refugiados: desafio à
solidariedade, publicado em 1992, a nova publicação repete que “a Igreja
oferece o seu amor e a sua assistência a todos os refugiados sem destinção”
(25) e para realizar tudo isso, “a responsabilidade de oferecer aos refugiados
acolhimento, solidariedae e assistência se impõe antes de mais sobre a Igreja
local, que é chamada a encarar as exigências do Evangelho, indo ao encontro
deles sem distinção, no momento mesmo da necessidade e da solidão” (nº 35).
Refugiados e migrações forçadas
Na segunda parte do documento,
intitulada Refugiados e outras pessoas deslocadas
à força, após uma breve descrição sobre “o conceito e a situação dos
refugiados”, o documento detém sua atenção, de forma partiucular, sobre os
campos de refugiados e os refugiados urbanos. Quanto ao primeiro caso, prevalece
a denúncia: “o resultado é que tais campos, originariamente destinados ao abrigo
temporário, se tornaram « residências » permanentes, onde os refugiados
permanecem durante anos, geralmente confinados nos seus movimentos, não
autorizados a assegurar os próprios meios de subsistência e forçados à
dependência. Nestas situações, a
Comunidade internacional parece prestar-lhes uma atenção escassa, ou
simplesmente aceita a sua « armazenagem » como
uma situação normal” (nº 44).
Passando ao caso dos refugiados
urbanos, o texto assinala que “atualmente, mais de metade da população de
refugiados encontra-se fora dos campos. Os motivos para se instalar de forma
independente são porque já residiam em ambientes urbanos e não estão
acostumados a viver em áreas rurais, ou porque julgam ter uma melhor
perspectiva para o seu futuro, especialmente no que se refere ao ganha-pão.
Nem por isso deixam de ter “o direito à mesma proteção, com os mesmos direitos
e responsabilidades sob a legislação internacional, como refugiados em áreas
designadas” (nº 46-47).
Na sequência, o documento, sempre no
campo da mobilidade humana, alarga sua solicitude
pastoral para “outras pessoas que precisam de proteção”, pasando a
elencá-las: os apátridas, os deslocados internamente (dentro do próprio país),
as vítimas do tráfico e do contrabando de pessoas humanas. Detenhamo-nos sobre
estes últimos dois rostos. O texto entende por vítimas do tráfico de pessoas
aquelas “que foram enganadas a respeito das suas atividades futuras e já não
são livres de decidir sobre sua própria vida. Acabam em situações semelhantes à
escravidão ou à servidão, das quais é muito difícil fugir. Ameaças e violência
são com frequência utilizadas em ordem a esta finalidade” (nº 52).
Já o contrabando de pessoas “tem
como finalidade fazer uma pessoa entrar irregularmente num país, contornando as
leis de migração, constutindo por isso uma transgressão de tais leis” (nº 55).
Enquanto o tráfico transita pelas vias legais, descumprindo posteriormente as
promessas feitas na origem, o contrabando esquiva-se clandestinamente para
conduzir os migrantes a determinado país, abandonando-o à própria sorte (e às
dívidas contraídas).
Mas essa distinção é mais conceitual que real. No
universo amgíguo da mobilidade humana, as fronteiras são sempre muito fluídas,
flexíveis. Como alerta o documento, os contornos se borram facilmente. “Assim
que uma pessoa chega ao país de destino, conclui-se a relação com o
contrabandista. No entanto, é necessário observar que as partes se encontram em
termos de desigualdade, uma vez que as pessoas vítimas do contrabando dependem
do contrabandista e podem facilmente perder o controle da situação. Às vezes a
situação chega a tal ponto, que os contrabandistas não apenas escolhem o país
de destino, mas também se aproveitam do elevado risco que as pessoas correm,
quando são introduzidas ilegalmente num determinado país. Em tal situação, o contrabando
torna-se tráfico” (nº 56).
Pe. Alfredo J. Gonçalves,
CS,
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