quarta-feira, 12 de junho de 2013

REFUGIADOS E TRÁFICO DE PESSOAS

O Vaticano, através do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, e em colaboração com o Pontifício Conselho Cor Unum, acaba de publicar um documento sobre os refugiados. A publicação tem como título Acolher Cristo nos refugiados e nas pessoas deslocadas à força – Diretrizes Pastorais. Como sugere o título escolhido, além de centrar-se na problemática dos refugiados, o texto abre o leque de sua preocupação pastoral a todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, são vítimas de deslocamentos forçados. Logo na introdução, afirma que “o fenômeno da mobilidade humana implica, hoje, muitas vezes, um sofrimento devido ao desenraizamento inevitável do próprio país” (nº 1).
Constata-se, assim, que o tema dos refugiados insere-se no contexto mais amplo, intenso e diversificado das migrações, um fenômeno que comporta uma “realidade estrutural da sociedade contemporânea”, como lá nos lembrava a Erga migrantes Caritas Christi, documento elaborado pelo mesmo Pontifício Conselho em 2004. Esta publicação, há menos de uma década, estimava em 200 milhões o número de pessoas envolvidas na mobilidade humana, reiterando que esta “constitui um problema sempre mais complexo do ponto de vista social, político, religioso, econômico e pastoral” (Introdução)

Refugiados e a solidariedade de todos
Na primeira parte, dedicada à “missão da Igreja a favor das pessoas deslocadas à força”, o documento, após sublinhar as fontes evangélicas de toda a solicitude da Igreja, apresenta “alguns princípios fundamentais nesta pastoral”. Na tradição ligada à Doutrina Social da Igreja (DSI), coloca-se, em primeiro lugar, a dignidade humana e cristã de toda pessoa, justamente o fio condutor de toda a DSI. Evidente que o deslocamento forçado constitui um golpe e um desrespeito à pessoas como filhos e filhas de Deus.
Vem, em seguida, o empenho da Igreja para reunificar as famílias “separadas por causa da fuga de um ou mais de seus mebros, devido à perseguição” (nº 27). Também neste caso, seguindo as linhas mestras da DSI, enfatiza-se a necessidade de uma família. Se é verdade que esta tem o direito sagrado de “ir e vir”, quando o faz de maneira violenta, porém, corre o risco de desestruturar-se, perdendo-se como referência para cada um de seus membros, os quais, à custa de tantos esforços, tentam refazê-la.
“A solidariedade é o sentimento de pertença comum” (nº 28), afirma o texto quando traz como terceiro princípio a caridade, a solidariedade e a assistência. De fato, lê-se no mesmo parágrafo que “a abertura às necessidades do próximo inclui a nossa relação com o estrangeiro, que pode ser justamente considerado como ‘mensageiro de Deus que surpreende e rompe a regularidade e a lógica da vida cotidiana, trazendo para perto quem está longe’” (EMCC 101).
Mas não basta a solidariedade dos cristãos, é preciso juntar outras forças vivas da sociedade. Faz-se necessária “uma chamada à cooperação internacional”, como insiste o documento: “todos têm a responsabilidade de responder pessoalmente à exi­gência de globalizar o amor e a solidariedade, e de ser atores prin­cipais neste sentido” (nº 31). Numa economia globalizada, globaliza-se igualmente a responsabilidade pelos dramas de milhões de seres humanos sem raiz e sem pátria, na busca de suluções justas e adequadas.
Por fim, fazendo referência ao documento Refugiados: desafio à solidariedade, publicado em 1992, a nova publicação repete que “a Igreja oferece o seu amor e a sua assistência a todos os refugiados sem destinção” (25) e para realizar tudo isso, “a responsabilidade de oferecer aos refugiados acolhimento, solidariedae e assistência se impõe antes de mais sobre a Igreja local, que é chamada a encarar as exigências do Evangelho, indo ao encontro deles sem distinção, no momento mesmo da necessidade e da solidão” (nº 35).

Refugiados e migrações forçadas
Na segunda parte do documento, intitulada Refugiados e outras pessoas deslocadas à força, após uma breve descrição sobre “o conceito e a situação dos refugiados”, o documento detém sua atenção, de forma partiucular, sobre os campos de refugiados e os refugiados urbanos. Quanto ao primeiro caso, prevalece a denúncia: “o resultado é que tais campos, originariamente destinados ao abri­go temporário, se tornaram « residências » permanentes, onde os re­fugiados permanecem durante anos, geralmente confinados nos seus movimentos, não autorizados a assegurar os próprios meios de subsis­tência e forçados à dependência. Nestas situações, a Comunidade in­ternacional parece prestar-lhes uma atenção escassa, ou simplesmente aceita a sua « armazenagem » como uma situação normal” (nº 44).
Passando ao caso dos refugiados urbanos, o texto assinala que “atualmente, mais de metade da popu­lação de refugiados encontra-se fora dos campos. Os motivos para se instalar de forma independente são porque já residiam em ambientes urbanos e não estão acostumados a viver em áreas rurais, ou por­que julgam ter uma melhor perspectiva para o seu futuro, especialmen­te no que se refere ao ganha-pão. Nem por isso deixam de ter “o direito à mesma proteção, com os mesmos direitos e responsabilidades sob a legislação internacional, como refugiados em áreas designadas” (nº 46-47).
Na sequência, o documento, sempre no campo da mobilidade humana, alarga sua solicitude pastoral para “outras pessoas que precisam de proteção”, pasando a elencá-las: os apátridas, os deslocados internamente (dentro do próprio país), as vítimas do tráfico e do contrabando de pessoas humanas. Detenhamo-nos sobre estes últimos dois rostos. O texto entende por vítimas do tráfico de pessoas aquelas “que foram enganadas a respeito das suas atividades futuras e já não são livres de decidir sobre sua própria vida. Acabam em situações semelhantes à escravidão ou à ser­vidão, das quais é muito difícil fugir. Ameaças e violência são com fre­quência utilizadas em ordem a esta finalidade” (nº 52).
Já o contrabando de pessoas “tem como finalidade fazer uma pessoa entrar irregularmente num país, contornando as leis de migração, constutindo por isso uma transgressão de tais leis” (nº 55). Enquanto o tráfico transita pelas vias legais, descumprindo posteriormente as promessas feitas na origem, o contrabando esquiva-se clandestinamente para conduzir os migrantes a determinado país, abandonando-o à própria sorte (e às dívidas contraídas).
Mas essa distinção é mais conceitual que real. No universo amgíguo da mobilidade humana, as fronteiras são sempre muito fluídas, flexíveis. Como alerta o documento, os contornos se borram facilmente. “Assim que uma pessoa chega ao país de destino, conclui-se a relação com o contrabandista. No entanto, é necessário observar que as partes se encontram em termos de desigualdade, uma vez que as pessoas vítimas do contrabando dependem do contrabandista e podem facilmente perder o controle da situação. Às vezes a situação chega a tal ponto, que os contrabandistas não apenas escolhem o país de destino, mas também se aproveitam do elevado risco que as pessoas correm, quando são introduzidas ilegalmente num determinado país. Em tal situação, o contrabando torna-se tráfico” (nº 56).


 Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS,

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