sábado, 21 de julho de 2012

Estrangeiros têm pouco poder de voto na Suíça


Dos oito milhões de habitantes da Suíça, 1,8 milhões são estrangeiros e continuam praticamente fora do processo político. Segundo o especialista em questões de migração Gianni D'Amato, o fato de os estrangeiros não poderem participar de decisões políticas põe em cheque a legitimidade de uma democracia.



Uma democracia que exclua a participação política de pessoas que há décadas contribuem para o desenvolvimento econômico da Suíça é menos democrática do que um Estado que concede esse direito, afirma D'Amato, diretor do Fórum Suíço para Estudos da Migração e da População e professor catedrático da Universidade de Neuchâtel, oeste da Suíça.


swissinfo.ch: As instituições suíças ressaltam sempre a importância da integração da população estrangeira. Mesmo assim, a participação política dos estrangeiros é praticamente vetada. Por quê?

Gianni D'Amato: Existem duas perspectivas diversas em relação ao valor e ao significado da participação política. Para alguns, a participação é quase um bilhete premiado de loteria ao final de um longo processo de integração, ou seja, adquirem-se os direitos civis por último, através da naturalização. 

A outra perspectiva parte do pressuposto de que a partir da participação, isto é, da aquisição de direitos, é que se consolida a integração na sociedade. 

Ambas as perspectivas estão presentes na Suíça. Enquanto na Suíça de língua francesa cinco cantões reconhecem o direito de voto dos estrangeiros, ou seja, participação como pressuposto para a integração, na Suíça de língua alemã e italiana defende-se  a idéia de que primeiro é preciso haver integração e depois se vê o que fazer.

Pensa-se que só através de um processo de socialização no país e após este processo estar concluído é que se pode participar realmente. Estes são os argumentos usados quando se quer impedir que os imigrantes tenham poder de decisão.


swissinfo.ch: E como é o interesse da população estrangeira, ela quer votar e participar de eleições?

G.D'A.: Claro que se pode viver bem, sem ter que participar.  Para algumas pessoas talvez seja mais importante ter um emprego e poder sustentar sua família do que se ocupar com questões locais ou regionais. Muitos suíços também se interessam pouco pela política e pelas questões públicas.

Mas esta pergunta também contém um componente simbólico, pois poder decidir e discutir significa também o reconhecimento de que se existe, de que se pode levantar a voz  e se posicionar por esta ou aquela questão. Em uma democracia, o reconhecimento só é completo quando se possui direitos políticos.

swissinfo.ch: Qual a situação da Suíça em relação a outros países da Europa no quesito participação política?

G.D'A.: A Suíça de expressão francesa está no topo em comparação com outros países da Europa. O resto da Suíça se encontra mais ou menos na metade do ranking. Os países escandinavos, a Bégica e a Holanda são bem desenvolvidos neste sentido. Mas também há outros países que não reconhecem o direito de voto dos estrangeiros.

No âmbito da União Europeia, o status do cidadão europeu, que é relativamente novo, está ligado a direitos incríveis. Todos os cidadãos europeus têm o direito de voz e voto a nível municipal e para o Parlamento Europeu. A idéia de que uma pessoa pode mudar-se de um país para outro sem ser discriminada é um grande feito.


swissinfo.ch: Por que a participação a nível municipal e cantonal da população estrangeira é mais difundida na Suíça de expressão francesa?

G.D'A.: A Suíça de língua francesa tem uma cultura política diversa em relação à noção de direitos individuais universais. Existe uma ideia liberal de cidadania que garante os direitos e foca na construção do futuro. 

Na Suíça de expressão alemã predomina uma crença, que remonta as ideias de Rousseau, de que se deve fortalecer a coletividade. Trata-se de uma ideia republicana que quer, primeiramente, garantir a lealdade, antes de conceder direitos.


swissinfo.ch: Nos últimos anos, vários cantões de língua alemã rejeitaram veementemente iniciativas que defendiam a concessão de direitos de voz e voto aos estrangeiros. Uma iniciativa pendente no cantão de Zurique acabou tendo o mesmo fim. A participação dos estrangeiros ainda não está na pauta do dia?

G.D'A.: A visão básica na Suíça é de que os direitos dos cidadãos bem como a participação política são privilégios, concedidos apenas aos cidadãos cuja opinião seja correta. Os privilégios têm um valor e não se quer minimizá-lo. Se os direitos de cidadania forem concedidos a todos, o valor deste privilégio fica diminuído.    


swissinfo.ch: swissinfo.ch: Os medos em relação ao que é estrangeiro e desconhecido também estão relacionados a essa ideia?

G.D'A.: Trata-se de uma espécie de desconfiança em relação as pessoas com histórico de migração, como se os imigrantes não conseguissem entender como as coisas funcionam na Suíça.


swissinfo.ch: Isso quer dizer que vivemos numa sociedade com duas classes?

G.D'A.: Vivemos numa sociedade não apenas com duas, mas com mais classes. Há os suíços e suíças autóctones, há os suíços que vivem no exterior, que têm poder de decisão mas que não precisam assumir as consequências de suas decisões, e há os imigrantes que vivem na Suíça e que convivem com as consequências, mas que não podem decidir. Entre os imigrantes há ainda alguns grupos privilegiados, como os funcionários internacionais, que recebem um tratamento diferenciado por parte das unidades administrativas e repartições.

Isto está relacionado com esta nova identificação: alguns estrangeiros são bem-vindos, outros são tolerados. Existe ceticismo em relação aos tolerados. Em relação aos bem-vindos também há ceticismo, mas a diferença é que eles são úteis, pois contribuem mais do que os outros para a riqueza do país.


swissinfo.ch: Uma alternativa, que já existe no cantão de Zurique, são os Conselhos de Estrangeiros. Essa alernativa resolve alguma coisa?

G.D'A.: É melhor do que nada, mas não é democrático. Os imigrantes são representados por pessoas às vezes escolhidas pela administração suíça. São os estrangeiros „de vitrine“, que não atrapalham, mas que supostamente teriam sensibilidade suficiente para apontar problemas que podem vir a ocorrer. 

Não podemos esquecer  que a democracia vive de discussão e não de simpatia. A discussão é a base. Poder participar como convidado de um conselho suplementar já configura uma reduzida forma de democracia.


Gaby Ochsenbein, swissinfo.ch
Adaptação: Fabiana Macchi

Nenhum comentário:

Postar um comentário