quinta-feira, 19 de julho de 2012

A HONESTIDADE MORA DEBAIXO DA PONTE!


O casal Rejaniel e Sandra tornou-se o foco dos olhares pasmos de todo o Brasil, no início da semana, ao realizar a façanha de ser honesto e ético em uma sociedade em que deslealdade, oportunismo e corrupção se tornaram práticas comuns, toleradas e muitas vezes admiradas e até invejadas.
Em suas andanças pelas ruas de São Paulo, o casal, que mora sob  uma ponte no Tatuapé, encontrou um saco contendo R$ 20.000,00 e entregou-o à polícia, para que esta procurasse seu dono.
Já na quarta-feira, a atenção do País se voltou para Demóstenes Torres, cujo mandato de Senador foi cassado devido a atos de corrupção, falta de decoro parlamentar e envolvimento com Carlinhos Cachoeira, bicheiro acusado de integrar diversos esquemas criminosos.
            De tempos em tempos, pessoas pobres e simples ganham fama momentânea devido à honestidade com que se portam devolvendo bens e dinheiro alheios.  Assim, uma ação singela, de simplesmente devolver o que pertence ao outro, é divulgada como proeza, e, na atual conjuntura do País, de fato o é, evidenciando a precariedade da escala de valores que norteia o Brasil.
            Essa exploração pela imprensa é benéfica, pois renova ou desperta sentimentos de valorização de virtudes, patriotismo e solidariedade em uma população cotidianamente à mercê de líderes políticos e religiosos e funcionários públicos, dos mais diversos postos e Poderes, que, em vez de cumprirem seus deveres, vivem chafurdados em situações ilícitas e escandalosas rotineiras a ponto de nem mais causar estranheza ou desapontamento!
            O espírito egoísta e estelionatário, de sempre tentar obter alguma vantagem ilícita, há muito se instalou na mentalidade de brasileiros ricos e pobres, cultos e iletrados, constituindo-se numa presença sutil e perniciosa que aos poucos está expulsando a honestidade de governos, estabelecimentos públicos e privados e, o mais triste, até de muitos lares deste País!
            A honestidade, literalmente, foi parar debaixo da ponte! E ali, abrigada em personagens à primeira vista dignos de pena ou até repúdio, parecia inexistir, afinal, as pessoas tendem a imaginar que o que é bom somente habita em lugares belos e luxuosos,  e a supervalorizar as aparências e por elas nortear seus juízos e impressões.
Em um primeiro olhar, pois, Demóstenes, do alto da imponência do cargo de Senador da República, ofusca e desmerece a figura mal vestida e desprezada de Rejaniel, cuja apresentação é sucinta e humilhante: morador de rua. Contudo, a aparente insignificância do anonimato e do endereço de Rejaniel guarda requintes éticos que muitos doutos desconhecem: “não pegar o que é dos outros”.
Lição simples, profunda, que não se aprende em faculdades e, de tal modo entronizada em seu caráter, que ele convenceu sua companheira, com quem divide a miséria, a compartilhar do mesmo sentimento de, a um só tempo, cumprir dois deveres sagrados: não tomar o que é dos outros e honrar a mãe, pois foi ela quem o ensinou a ser honesto, conforme declarou emocionado à imprensa.
            Já Demóstenes, embora milionário e instruído, sob o ponto de vista ético, afigura-se mais miserável que os dois mendigos, pois é deploravelmente pobre de caráter.
             Impressiona ver duas pessoas sem estudos, dinheiro e teto servirem de modelo de caráter e conduta para um Senador da República e para toda uma nação!
O Brasil atravessa um momento crucial, em que é preciso fazer as necessárias correções de rota para se trilhar o caminho da dignidade e do combate severo à desonestidade, em todas as suas formas e esferas.  
É medida emergencial resgatar a honestidade, abrigando-a em todos os lares e  mentes e expandindo-a a todos os segmentos da vida privada e pública, e não a repudiando e lançando-a debaixo de viadutos ou outros locais onde permaneça escondida, esquecida e apenas esporadicamente vista e prestigiada!
           
Simone Judica é advogada, jornalista e colaboradora do Jornal da Estância (simonejudica@ig.com.br)

Nenhum comentário:

Postar um comentário