O casal Rejaniel e
Sandra tornou-se o foco dos olhares pasmos de todo o Brasil, no início da
semana, ao realizar a façanha de ser honesto e ético em uma sociedade em que
deslealdade, oportunismo e corrupção se tornaram práticas comuns, toleradas e
muitas vezes admiradas e até invejadas.
Em suas andanças
pelas ruas de São Paulo, o casal, que mora sob uma ponte no Tatuapé, encontrou um saco contendo
R$ 20.000,00 e entregou-o à polícia, para que esta procurasse seu dono.
Já na quarta-feira,
a atenção do País se voltou para Demóstenes Torres, cujo mandato de Senador foi
cassado devido a atos de corrupção, falta de decoro parlamentar e envolvimento
com Carlinhos Cachoeira, bicheiro acusado de integrar diversos esquemas
criminosos.
De
tempos em tempos, pessoas pobres e simples ganham fama momentânea devido à
honestidade com que se portam devolvendo bens e dinheiro alheios. Assim, uma ação singela, de simplesmente
devolver o que pertence ao outro, é divulgada como proeza, e, na atual
conjuntura do País, de fato o é, evidenciando a precariedade da escala de
valores que norteia o Brasil.
Essa
exploração pela imprensa é benéfica, pois renova ou desperta sentimentos de
valorização de virtudes, patriotismo e solidariedade em uma população cotidianamente
à mercê de líderes políticos e religiosos e funcionários públicos, dos mais
diversos postos e Poderes, que, em vez de cumprirem seus deveres, vivem
chafurdados em situações ilícitas e escandalosas rotineiras a ponto de nem mais
causar estranheza ou desapontamento!
O
espírito egoísta e estelionatário, de sempre tentar obter alguma vantagem ilícita,
há muito se instalou na mentalidade de brasileiros ricos e pobres, cultos e
iletrados, constituindo-se numa presença sutil e perniciosa que aos poucos está
expulsando a honestidade de governos, estabelecimentos públicos e privados e, o
mais triste, até de muitos lares deste País!
A
honestidade, literalmente, foi parar debaixo da ponte! E ali, abrigada em
personagens à primeira vista dignos de pena ou até repúdio, parecia inexistir, afinal,
as pessoas tendem a imaginar que o que é bom somente habita em lugares belos e luxuosos, e a supervalorizar as aparências e por elas
nortear seus juízos e impressões.
Em um primeiro
olhar, pois, Demóstenes, do alto da imponência do cargo de Senador da
República, ofusca e desmerece a figura mal vestida e desprezada de Rejaniel,
cuja apresentação é sucinta e humilhante: morador de rua. Contudo, a aparente
insignificância do anonimato e do endereço de Rejaniel guarda requintes éticos
que muitos doutos desconhecem: “não pegar o que é dos outros”.
Lição simples,
profunda, que não se aprende em faculdades e, de tal modo entronizada em seu
caráter, que ele convenceu sua companheira, com quem divide a miséria, a
compartilhar do mesmo sentimento de, a um só tempo, cumprir dois deveres
sagrados: não tomar o que é dos outros e honrar a mãe, pois foi ela quem o
ensinou a ser honesto, conforme declarou emocionado à imprensa.
Já
Demóstenes, embora milionário e instruído, sob o ponto de vista ético, afigura-se
mais miserável que os dois mendigos, pois é deploravelmente pobre de caráter.
Impressiona ver duas pessoas sem estudos,
dinheiro e teto servirem de modelo de caráter e conduta para um Senador da República
e para toda uma nação!
O Brasil atravessa um
momento crucial, em que é preciso fazer as necessárias correções de rota para
se trilhar o caminho da dignidade e do combate severo à desonestidade, em todas
as suas formas e esferas.
É medida emergencial
resgatar a honestidade, abrigando-a em todos os lares e mentes e expandindo-a a todos os segmentos da
vida privada e pública, e não a repudiando e lançando-a debaixo de viadutos ou
outros locais onde permaneça escondida, esquecida e apenas esporadicamente
vista e prestigiada!
Simone Judica é advogada, jornalista e
colaboradora do Jornal da Estância (simonejudica@ig.com.br)
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