Educadores passam a contar com nova
representação dos deslocamentos africanos. Obra é resultado de 15 anos de
pesquisa do professor do Departamento de Geografia Rafael Sanzio
Brasil, o país com a
maior costa voltada para a África e a parte da América mais influenciada pela
presença africana, passa a contar agora com um amplo e inédito mapeamento dos
deslocamentos desses povos durante quatro séculos de escravagismo e
colonialismo. Quinze anos de pesquisa do professor do Departamento de Geografia
da Universidade de Brasília, Rafael Sanzio dos Anjos, resultaram no Mapa
temático educacional: geopolítica da diáspora África â América â Brasil â
séculos XV â XVI â XVII â XVIII â XIX: cartografia para educação. Seu
grande objetivo é instrumentalizar o educador brasileiro para a compreensão do
papel do tráfico negreiro, da escravidão e da diáspora africana na configuração
do mundo contemporâneo. O mapa foi lançado nesta semana, por ocasião do
colóquio de geopolítica ocorrido na Universidade.
O propósito desse
mapeamento, segundo explica Rafael, é colaborar efetivamente no processo de
valorização do continente africano e de explicação da formação territorial e
populacional brasileira a partir desses grandes deslocamentos, que atravessaram
quatro séculos. âO preconceito do brasileiro em relação aos africanos deriva,
em grande parte, do desconhecimento de sua própria matriz geradora, avalia. âOs
brasileiros têm de conhecer â e reconhecer - a sua verdadeira origem. As
matrizes africanas em nosso país carecem de bases informacionais diversas e variadas,
complementa.
EIXOS â O mapa temático,
produto decorrente de estudos e levantamentos realizados no Centro de
Cartografia Aplicada e Informação (CIGA) na UnB, traz a representação gráfica
dos fluxos migratórios, apontando as direções e rotas dos movimentos
territoriais que compreenderam diversos grupos humanos. A cartografia
reconstitui espacialmente os principais componentes da dinâmica do sistema
escravista que provocou deslocamentos africanos seculares para várias partes do
mundo, principalmente a América, o chamado Novo Mundo, explica.
Os principais eixos
que compõem o produto são os seguintes: as grandes unidades étnicas dos povos
africanos, os sentidos desses deslocamentos para várias partes do mundo,
referências dos principais portos e cidades que se estruturaram e enriqueceram
com o tráfico negreiro. Integram ainda o mapa as representações dos movimentos
de produtos tropicais e mercadorias envolvidas no que chama de capitalismo
brutal e primitivo, as extensões dos espaços de importação forçada das
populações africanas e, por fim, as organizações quilombolas e localidades com
registro de resistência social ao sistema opressor.
TRÁFICO NEGREIRO - O tráfico de
seres humanos para o outro lado do Atlântico foi, por séculos, uma das mais
rentáveis atividades do mundo mercantilista, a ponto de se tornar impossível
precisar o número exato de africanos que foram arrancados de seu habitat
natural para servir de mão de obra forçada em outros continentes. Com essa
reflexão, Sanzio reitera a necessidade de se compreender a realidade econômica,
territorial e social brasileira a partir da matriz africana, que trouxe
inegáveis contribuições nos mais diversos campos, como medicina, culinária,
moda, arquitetura. Por exemplo, de onde vem a tecnologia do tijolo de adobe,
recurso tão usado em todo país?â, indaga.
O regresso de parcelas
populacionais ao continente africano, após a abolição da escravatura, também é
registrado no mapa. Para o pesquisador, compor essa cartografia é
importante para revelar aos educadores e formadores de opinião, especialmente
professores de Geografia e História, a importância das nações africanas na
formação do Brasilâ.
Não podemos perder de
vista que, entre os séculos 15 e 19,
a África foi o centro do mundo nas articulações
territoriais, econômicas e demográficas, e o Brasil, pela sua posição
privilegiada no oceano Atlântico, detém os registros mais significativos em
quase quatro séculos de dinâmica escravagista e colonial, explica o professor.
O
pesquisador acredita que seu trabalho, apoiado pela equipe do Centro de
Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da UnB, irá colaborar para reverter
a interiorização que os africanos e afro descentes sofrem em praticamente todos
os espaços de convívio social. Para ele, âé fundamental para a recomposição da
identidade nacional brasileira.
Não
precisamos ir longe, basta olharmos nossos livros didáticos para atestar como a
representação do negro é falha e equivocada. Os afro brasileiros e os povos
africanos são ignorados sob a progressiva política de oculta mento e silencia
mento da verdadeira história de nosso país, afirma o pesquisador. Ã uma negação
sistemática de nossas origens e ancestralidades. Nosso trabalho cartográfico
pretende justamente reverter isso. Esquecimento e invisibilidade só serão
combatidos com valorização.
OFICINAS â E para capacitar quem está na ponta do ensino, ou
seja, instrumentalizar esses multiplicadores para a correta leitura e apreensão
dos conteúdos no mapa, o CIGA promoveu dois dias de oficina. Participaram do
treinamento professores, educadores e gestores que atuam na promoção da
igualdade racional.
Para
Vânia Souza, da secretaria de Educação do DF, o próprio nome diáspora é
interessante, não só por trazer um estranhamento inicial, mas por provocar
reflexões. Esse mapa certamente dará suporte a muitas aulas na rede de ensino.
Segundo Rosivaldo Gomes, educador do Pará em geral diáspora é algo associado
apenas a judeus. Temos de desconstruir e deslocar também esse conceito. O
mapeamento se somará ao esforço trazido pela lei 10.639, de 2003, que obriga o
ensino da história e cultura da África, a qual não vem sendo cumprida. A
diretora do Museu da Abolição, em Recife, também destacou a importância
estratégica da iniciativa em seu potencial de mudança cultural. De acordo com
Cleison, professor de geografia e aluno de pós-graduação da UnB, o mapa é o
elemento que faltava. Até então só tínhamos contato com as temáticas de
diásporas ligadas a judeus e europeus. Os materiais didáticos privilegiam a
Europa centralizada e vêem a África apenas como oferta de mão de obra,
ignorando as contribuições culturais verdadeiras, avalia.
Niem
Monica Lima e Souza
LEÁFRICA (Laboratório de Estudos Africanos)
Instituto de História da UFRJ
Largo de São Francisco, nº1 - 2ºandar
Rio de Janeiro - RJ
Brasil
LEÁFRICA (Laboratório de Estudos Africanos)
Instituto de História da UFRJ
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Rio de Janeiro - RJ
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