Linguistas
confirmam que erros de estrangeiros simplificam o idioma. Analistas mais
conservadores condenam "visão positiva" sobre mudanças na lingua, mas
processo estaria acontecendo há séculos.
Leipzig é um bom lugar para encontrar o professor Uwe
Hinrichs, que dá aulas na universidade local sobre o alemão como língua
materna. Ou, para ser mais exato: sobre a influência dos diferentes idiomas
sobre o alemão. Por outro lado, a cidade no leste do país é, antes de tudo, um
local pouco apropriado para tais estudos, pois lá falta um elemento básico para
Hinrichs: imigrantes.
Na chamada "minimetrópole saxônica", a quota
de estrangeiros em relação ao total da população está abaixo de 10%, muito
menos do que nos grandes centros multiculturais do país, como Berlim, Hamburgo,
Munique, Frankfurt, Mannheim ou Düsseldorf. Por sorte, o linguista mora na
capital, e lá pode realizar suas pesquisas.
Nominativo, genitivo,
dativo ou acusativo?
Sua teoria é: ao aprender alemão, é quase inevitável os
estrangeiros cometerem erros, pois se trata de um idioma difícil. Com o passar
do tempo, os nativos assimilam lentamente esses erros à sua prática de
comunicação, e a língua alemã se modifica. Isso afeta, sobretudo, a linguagem
coloquial, e não tanto o alemão escrito.
O primeiro obstáculo, mesmo para numerosos alemães, sãos
os quatro casos gramaticais – nominativo, genitivo, dativo e acusativo. Ou
seja: de acordo com sua função sintática dentro da oração – se são sujeito,
objeto direto ou indireto, etc. – os pronomes, adjetivos e alguns substantivos
recebem um sufixo distintivo.
Com a repetição dos erros no dia-a-dia, explica
Hinrichs, a troca de um caso pelo outro se estabelece como regra ou eles vão caindo
em desuso, sendo substituídos por preposições. A grande dificuldade para os
imigrantes no emprego dos casos gramaticais é o choque com as características
de suas línguas maternas: nem o português, inglês ou francês conhecem esse tipo
de estrutura, por exemplo.
No Leste e Sudeste europeu, em contrapartida, há uma
abundância de casos: o russo possui seis, o polonês, croata e eslovaco, sete.
Outro campo problemático são os artigos, pois a maioria das línguas dos
imigrantes não os possuem. "Muito dizem: 'Eu compro carro', ou 'Ele está
correndo o perigo'", exemplifica Hinrichs.
De uma língua para a outra
Fonte de confusão é também o assim chamado code
switching, quando imigrantes simplesmente misturam dois idiomas,
por vezes até mesmo dentro de uma mesma frase. Exemplo: Doktor
bugün Röntgenbilder’lere bakmamış– mistura de turco e alemão
significando, literalmente, "Doutor hoje os raios X provavelmente nem
viu".
"Esse switching se estabeleceu em metrópoles como
Mannheim, Frankfurt, Düsseldorf. É uma marca registrada de grupos jovens que
passam do alemão para o turco, ou para o russo. Quanto mais bilíngue o código,
maior o número de erros gramaticais", explica o pesquisador.
Outros linguistas alemães também observam essa
tendência. Harald Haarmann, que vive e atua na Finlândia, já publicou mais de
40 livros sobre o desenvolvimento dos idiomas, a história da escrita e sobre
influências culturais na evolução linguística. Ele confirma a tese de seu
colega de Leipzig.
"Faz sentido procurar a fonte para a mudança na prática
linguística entre os falantes de origem estrangeira, Os hábitos linguísticos
desembocam por um determinado canal na linguagem coloquial. Um exemplo é o kanakendeutsch ["alemão de gringo"],
originalmente falado pelos imigrantes dos Bálcãs e da Turquia."
Essa linguagem viveu seu ápice na década de 1990, sendo
crescentemente cultivada nos pátios de escola, também pelas crianças alemãs.
"A educação escolar pode certamente oferecer uma resistência, mas a
pressão externa da comunidade acaba sendo mais forte", considera Haarmann.
"Traidor da
pátria"
No início de 2012, Uwe Hinrichs expôs suas teorias na
conceituada revista der Spiegel, sendo imediatamente
atacado. Os "defensores do Santo Graal" do idioma gemânico o tacharam
de traidor da pátria, que entregava o alemão nas mãos da decadência. Outros o
apresentaram como linguista de esquerda, que "traçava o quadro embelezado
da fantástica Alemanha multicultural".
"Ambas as alegações são bobagem", rebate o
professor de Leipzig, afirmando que só pretende refletir a realidade. "Os
alemães precisam encarar os efeitos da imigração de forma diversa e mais
intensa do que como vêm fazendo. Só agora se começa lentamente a perceber que
também há um aspecto linguístico", argumenta Hinrichs.
Nunca um idioma pôde se manter imune à confluência de
vários outros idiomas, sem que houvesse mudanças linguísticas abrangentes.
"Isso aconteceu no Império Romano, Inglaterra e nos Bálcãs. Por que seria
diferente no caso do alemão?"
A
caminho de um alemão mais fácil?
Haarmann comenta que os "defensores do Graal"
estão "sempre fixados numa determinada fase da evolução", toda
transformação é fonte de apreensão para eles, que deixam de ver os aspectos
positivos. E, no entanto, o contato com representantes de diferentes culturas e
línguas pode ser "fonte de mobilização de forças criativas na criação
cultural", afirma.
"Não se deve ficar escutando os sapos da lagoa, que
ficam resmungando, reclamando dos problemas instransponíveis com os
estrangeiros, profetizando a decadência da cultura linguística germânica. Sapos
não têm senso de perspectiva", critica o pesquisador.
Haarmann insiste que muito mais importante é ver os contatos
culturais e o enriquecimento da própria língua com um potencial a ser empregado
de forma produtiva. Nenhum idioma consegue passar sem modernização.
Hinrichs também fala de uma dinâmica natural.
"Aquilo de que não precisamos indispensavelmente, deixamos de lado em
algum momento", diz. A grande vantagem é que o alemão vai se simplificando
estruturalmente, aproximando-se do francês, inglês e holandês.
"Quem tiver que aprender alemão daqui a 30, 40
anos, provavelmente não terá que se aborrecer com todos esses casos
gramaticais." Uma visão que agrada possivelmente aos imigrantes, mas
também a um ou outro aluno alemão.
Autoria: Ronny Arnold (av)
Revisão: Marcio Pessôa
Revisão: Marcio Pessôa
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