sábado, 27 de agosto de 2011

Brasil é destaque em campanha global contra apatridia


Atualmente, milhões de pessoas não são reconhecidas como cidadãos por nenhum país do mundo. São pessoas sem nacionalidade, que não existem no papel. São apátridas.

Para reduzir a apatridia no mundo e aumentar a adesão da comunidade internacional às convenções da ONU e sensibilizar a opinião pública sobre o tema, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) lançou uma campanha global sobre este problema, que afeta uma população estimada em aproximadamente 12 milhões de pessoas.

A campanha marca as celebrações do 50º aniversário da Convenção da ONU sobre Redução de Apatridia (1961) e pode ser vista em uma página dedicada no site do ACNUR. Seu conteúdo multimídia está disponível em www.unhcr.org/stateless.

O Brasil é considerado pela campanha como um “caso de sucesso” na prevenção da apatridia, devido ao movimento “Brasileirinhos Apátridas”. Criado pela comunidade de brasileiros no exterior, o movimento mobilizou a sociedade civil e levou o Estado brasileiro, no ano de 2007, a extinguir o risco de apatridia entre cerca de 200 mil filhos de brasileiros nascidos fora do país.

Uma emenda constitucional liderada pelo movimento e aprovada pelo Congresso em 2007 eliminou de vez a possibilidade de apatridia entre filhos de brasileiros nascidos no exterior, e é um bom exemplo de aplicação da Convenção de 1961. O Brasil também é signatário da Convenção da ONU 1951 sobre Proteção dos Apátridas, sendo um dos poucos países a assinar estes dois instrumentos internacionais sobre o tema (1951 e 1961).

Por causa da sensibilidade política em torno da apatridia, a questão permanece com baixa prioridade em muitos países. O número de adesões às duas convenções da ONU sobre o tema é um indicativo desta situação: a Convenção de 1954, que define o que é apátrida e estabelece padrões mínimos para lidar com a questão, tem 66 países signatários. A Convenção de 1961, que estabelece princípios e marcos legais para prevenir a apatridia, tem apenas 38 assinaturas.

“Após 50 anos, estas convenções atraíram um pequeno número de países”, afirma o Alto Comissário da ONU para Refugiados, António Guterres. “É uma vergonha que milhões de pessoas vivam sem nacionalidade, que é um direito humano fundamental. A dimensão do problema e seus efeitos perversos sobre as pessoas afetadas são praticamente desconhecidos. Devemos mudar esta situação. E os países devem agir neste sentido”, completa.

Há muitas causas para a apatridia, muitas delas envoltas em questões legais. Mas suas consequências humanas são trágicas. Tecnicamente, apátridas são pessoas sem cidadania, e por isso têm seus direitos básicos frequentemente negados, assim como o acesso ao mercado de trabalho, à educação e à saúde. Também não têm direito à propriedade, a abrir contas bancárias, a casar legalmente ou a registrar seus filhos quando nascem. Alguns enfrentam longos períodos de detenção porque não podem provar quem são ou de onde vieram.

“Estas pessoas precisam desesperadamente de ajuda, porque vivem em um limbo legal atemorizante”, afirma o Alto Comissário António Guterres. “Isto faz delas um dos grupos populacionais mais marginalizados do mundo. Sem tratar a apatridia e fazer esforços para preveni-la, teremos um problema que se perpetua, pois pais não podem passar uma nacionalidade para seus filhos. Além da situação de miséria causada às pessoas apátridas, o fato de marginalizar grupos inteiros por gerações causa grande estresse nas sociedades em que vivem e, por vezes, conflitos”, completa.

O ACNUR estima em 12 milhões o número de pessoas apátridas no mundo, mas definir números exatos nesta questão é um grande problema. Relatórios inconsistentes combinados com definições diferentes de apatridia deixam a questão ainda mais elusiva. Para superar esta situação, o ACNUR quer difundir a definição legal – e internacionalmente aceita – de apatridia e, paralelamente, melhorar seus próprios métodos para recolher dados a respeito das populações apátridas.

No momento em que a real dimensão da apatridia vem se tornando mais conhecida ao redor do mundo, o ACNUR avalia que o problema é particularmente grave no sudeste asiático, no leste europeu e no Oriente Médio. Entretanto, grupos de populações apátridas existem praticamente em todo mundo, representando um problema que cruza fronteiras e afeta várias pessoas.

Novos países – A secessão de países e o redesenho de fronteiras podem fazer com que grupos específicos tenham sua cidadania negada. O mundo celebrou o nascimento do Sudão do Sul, em julho passado, mas ainda segue indefinida o estabelecimento de uma nova lei de cidadania tanto no sul como no norte.

“O desmantelamento de países, a formação de novos Estados, a transferência de territórios e a redefinição de fronteiras representam as grandes causas da apatridia nas duas últimas décadas. Se novas leis não forem cuidadosamente redigidas, muitas pessoas serão deixadas para trás”, afirma Mark Manly, chefe da Unidade de Apatridia do ACNUR, em Genebra.

Em 1990, o fim da União Soviética, Iugoslávia e Checoslováquia deixou centenas de milhares de pessoas apátridas no leste europeu e em países da Ásia Central – afetando principalmente minorias étnicas e sociais. Enquanto muitos casos de apatridia foram resolvidos nestas regiões, dezenas de milhares de pessoas permanecem nesta situação ou sob o risco de apatridia. O risco de apatridia por causa do desmantelamento de países tem crescido na África e na Ásia.

Mulheres e crianças – Uma consequência trágica da apatridia é que ela se perpetua. Em muitos casos, os filhos de pais apátridas também são apátridas quando nascem. Desta forma, a exclusão e a destituição geradas pela apatridia continuam sendo vividas pelas novas gerações. Sem uma nacionalidade, é extremamente difícil para as crianças conseguir uma educação formal.

A discriminação contra as mulheres reforça o problema, já que elas estão entre os grupos mais vulneráveis ao problema. Uma pesquisa do ACNUR mostra que pelo menos 30 países possuem leis de cidadania que discriminam as mulheres. Nestes países, as mulheres correm sério risco de se tornar apátridas quando se casam com estrangeiros. Leis discriminatórias também criam apatridia entre crianças. Mesmo quando a mulher possui uma nacionalidade, seus filhos podem se tornar apátridas se as mães são impedidas por lei de repassar sua nacionalidade automaticamente. A apatridia entre crianças também ocorre nos países que não possuem um sistema formal de registro. Campanhas de registro em alguns países têm reduzido as deficiências, mas o problema persiste.

Por sorte, há uma tendência cada vez maior entre os países de reduzir a desigualdade de gênero nas suas leis de cidadania. Desde 2004, países diferentes como Egito, Indonésia, Bangladesh, Quênia e Tunísia reformaram sua legislação para permitir que mulheres possam repassar automaticamente sua nacionalidade aos filhos. Enfrentar esta discriminação de gênero nas leis de cidadania é um objetivo particularmente importante para o ACNUR, neste ano em que se comemora o 50º aniversário da Convenção de 1961 sobre Redução da Apatridia.

Discriminação étnica - Um tema relevante a todas as situação de apatridia é a discriminação racial e étnica que leva à exclusão – e, frequentemente, há falta de vontade política para resolver o problema. Grupos que perderam sua cidadania desde a criação ou estabelecimento de novos países incluem os muçulmanos de origem Rohigna residentes no estado de Rakhine, em Mianmar, algumas tribos nas montanhas da Tailândia e os Bidoon nos países do Golfo. Os ciganos, cuja maioria possui cidadania nos países onde vivem, ainda permanecem apátridas em vários países da Europa. Com frequência, tais grupos se tornam tão marginalizados que continuam enfrentando obstáculos e burocracias mesmo as legislações sobre cidadania são flexibilizadas.

Embora existam muitas histórias de sucesso sobre o enfrentamento à apatridia, muito ainda precisa ser feito. O ACNUR espera colocar esta questão na agenda internacional para que mais países se tornem signatários das duas convenções sobre o tema, reformem suas legislações nacionais e tomem medidas para resolver a apatridia.

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