Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
“As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações
ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas, constituindo
actualmente um dos principais desafios para a humanidade. Provavelmente os
impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de
desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por
fenómenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência
dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do
ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem
outras disponibilidades económicas nem outros recursos que lhes permitam
adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e
gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de protecção. Por exemplo, as
mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre
conseguem adaptar-se; e isto, por sua vez, afecta os recursos produtivos dos
mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao
futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico o aumento de emigrantes em fuga
da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como
refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida
abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma
indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em
diferentes partes do mundo. A falta de reacções diante destes dramas dos nossos
irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos
semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil” (Laudato Si’, nº 25).
Vale a pena citar todo esse número da nova Carta Encíclica do Papa
Francisco – Laudato Si’ – centrado sobre
as mudanças climáticas e as implicações para os, digamos, “refugiados
climáticos”. Estes, apesar de seu “trágico aumento”, não são reconhecidos como
tais. Prevalece, como se pode ver, a “indiferença geral”. Forçados a fugir de
sua terra natal e ignorados quanto ao seu estado de refugiados, terminam ao
mesmo tempo praticmente eliminados da própria face do globo terrestre “nosssa
casa comum”, título do documento pontifício. Indesejados e rechaçados,
constituem, aos milhares e milhões, os errantes e excluídos de uma “economia
que mata e descarta”, insiste o Papa.
Uma das ideias centrais do texto – espécie de fio condutor que percorre
suas páginas – é a estreita relação entre “a dívida ecológica”, de um lado, e a
“dívida social”, de outro. Na verdade, duas faces da mesma moeda, uma vez que os
primeiros a sofrerem pela devastação dos ecossistemas são aqueles que não
dispõem de meios para defender-se de inundações, secas e outras catástrofes do
gênero. “As agressões ambientais atingem o povo mais pobre”, diz o Pontífice,
citando a Conferência Episcopal Boliviana (LS,
nº 48). Em outras palavras, a degração do meio ambiente e a degradação do ser
humano ocorrem simultaneamente, por isso mesmo não podem ser consideradas
desvinculadas uma da outra. Qualquer conjunto de políticas públicas destinadas
a sanar as feridas e “sintomas de doença” (LS,
nº 2) do planeta terra, deve levar em conta as “feridas sociais” (LS, nº 6) das populações mais afetadas, debilitadas
e indefesas.
A questão ecológica vem ganhando “maior
consciência” e crescente sensibilidade de movimentos, entidades e organizações
não governamentais (LS, nº 19).
Insere-se intrisecamente na questão
social, por sua vez fio condutor de toda a Doutrina Social da Igreja. Disso
resulta uma “intima relação entre os pobres e a fragilidade do planeta” (LS, nº 16). “Hoje – diz literalmente o
Papa – “não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica
sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates
sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos
pobres” (LS, nº 49).
Os migrantes – refugiados climáticos
– costumam desmascarar essa estreita ligação entre os danos causados ao meio
ambiente e os danos sofridos pelos extratos mais desfavorecidos da população
mundial. O grito da terra, dos pobres e dos migrantes é um só e único. Muitos,
impossibilitados de autodefesa, são pressionados à fuga em massa. Isto quer
dizer que as soluções apontadas pelo documento, insistindo sempre sobre o
protagonismo dos envolvidos, não podem deixar de lado os dramas dos migrantes,
refugiados, prófugos, fugitivos... número que hoje alcança dezenas de milhões.
Roma, 22 de junho de 2015
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