quinta-feira, 25 de junho de 2015

Controle de imigração na República Dominicana prejudica haitianos

Quase todas as manhãs, nos últimos cinco anos, Smith Laflur deixou seu quarto de concreto de um só cômodo, desceu pistas de terra e saiu ao encontro dos barulhos e rugidos de motocicleta desta cidade fronteiriça, no Haiti.
Ele contornou pilhas de lixo e roupas secando na margem do Rio Massacre, que separa o Haiti da República Dominicana, e chegou à ponte de fronteira, em seu caminho para mais um dia de trabalho. No portão de metal, ele não mostrou o passaporte – ou qualquer documento -, apenas mencionou seu chefe, um funcionário da alfândega que é dono de várias estabeleciementos, e atravessou para a cidade dominicana de Dajabon.
Ao longo dos anos, Laflur construiu uma piscina, ergueu paredes de concreto, consertou banheiros e varreu o pátio no “Drink Bar” – tipo de trabalho manual que sustenta seus cinco filhos e que é muito difícil de encontrar no Haiti. Mas sua rotina diária, e os meios de subsistência de centenas de milhares de haitianos, foi posta em risco devido às novas regras de imigração, que pretendem expulsar aqueles que não tiverem documentação para permanecer na República Dominicana, mesmo os que nasceram lá.
— Tudo que podemos conseguir está aqui — disse Laflur, em uma das mesas de madeira do “Drink Bar”. — Eu não sei como encontrar trabalho no Haiti.
Nos dias que antecederam o dia 17 de junho – prazo para os imigrantes sem documentos se registrarem para conseguir autorizações residenciais, desde que possam provar que já viviam na República Dominicana antes de 2011 -, houve expectativa de represália policial e ondas de deportações. Até agora, o que aconteceu, em vez disso, foi a partida voluntária de mais de 12 mil haitianos, que temem que a repressão se torne violenta.
Ouanaminthe é, agora, o lugar de retorno de famílias haitianas, que se lançaram em caminhões com suas malas e sacos amarrados. Na pressa em deixar o país, eles abandonaram móveis e eletrodomésticos; alguns dizem que agentes de imigração roubaram seu dinheiro ou os ameaçaram, caso eles não fugissem. Smith Blanco, de 23 anos, que trabalhava como cozinheiro em Santo Domingo, partiu com seus pertences, sem saber para onde ir.
— Eu não queria voltar, mas eu estava preocupado — disse ele. — O presidente quer que todos os haitianos saiam. Então, vamos embora.
O governo da República Dominicana tem incentivado essas partidas, com passagens de ônibus gratuitos para a fronteira.
— O governo da República Dominicana não expulsou ninguém a essa altura — disse Roberto Rodriguez Marchena, porta-voz do presidente, ao jornal “The Washington Post”. — Nós não inventamos isso para maltratar ou expulsar pessoas. O que queremos, e a comunidade internacional tem que entender, é organizar nosso país. Por favor, deixe-nos trazer ordem para nosso país.
As raízes das atuais políticas de imigração datam de uma lei de 2004, que foi modificada no tribunal e não implementada, até o ano passado, durante a Presidência de Danilo Medina. A lei prevê o registro de aproximadamente 600 mil pessoas – haitianos ou pessoas de ascendência haitiana – que vivem sem documentos no país. Rodriguez disse que um quarto do orçamento de saúde do país é consumido por haitianos, que vivem no país ilegalmente e não pagam impostos, e mais de 40% dos partos dentro da fronteira são de mulheres haitianas.
O governo descreveu seu novo programa como “na medida” – e com atenção voltada para evitar interrupções nas indústrias que dependem do trabalho manual e para manter os direitos humanos dos haitianos. Há exceções para aposentados e estudantes universitários. Até o momento, 288 mil pessoas já começaram o processo de registro. O restante, aproximadamente o mesmo número, está sujeito à deportação, se assim o governo dominicano quiser.
— Essas pessoas que estão em nosso território devem voltar ao Haiti e procurar seus documentos para, em seguida, pedir para ficar em nosso país com um visto de estudante ou um visto de trabalho. — informou Rodriguez ao “The Washington Post” — O que podemos fazer é aplicar (a lei) com humanidade, e é isso que vamos fazer. Em nosso governo, nós não vamos abusar de ninguém.
AS COISAS ESTÃO MUITO PROBLEMÁTICAS
A fronteira mais ao norte do país já viu alguns dos piores momentos do conturbado relacionamento entre os vizinhos, presos na mesma ilha. Quando os preços do açúcar caíram, na década de 1930, o governo dominicano tentou expulsar os cortadores de cana haitianos. O ditador dominicano Rafael Trujillo ordenou uma sangrenta campanha militar, que ficou conhecida como “A Colheita”, em que os soldados que abateram mais de 10 mil haitianos ao longo do Rio Massacre, usando facões e pás.
Leonilda Jus se mudou com sua tia para a República Dominicana, décadas depois, em 1974, mas os empregos disponíveis eram os mesmos. Ela cresceu cortando cana, colhendo tomates, plantando cebolas. Leonilda deu à luz 12 crianças, das quais nove sobreviveram, e, posteriormente, mudou com elas da periferia da capital para o norte da cidade de Santiago. A indústria de cana-de-açúcar encolheu, mas seus filhos encontraram empregos na área de construção civil e em fazendas.
No sábado, dois deles, Thony Dume, de 29 anos, e Felix Mondesir, de 24 anos, trabalharam na construção de mais um cômodo em um barraco alugado, em Ouanaminthe, para onde eles se mudaram quatro dias antes. A intenção é dar espaço a mais parentes que estão retornando da República Dominicana.
— Não era um problema viver lá antes. Os policiais e muitos outros me conheciam — disse Dume. — Mas agora as coisas estão muito problemáticas.
No dia 2 de março, antes de decidirem se mudar, Dume ficou na fila de um dos escritórios de imigração do governo, para fazer seu registro. Essa etapa deu a ele o prazo de 45 dias para provar que tinha o direito de viver na República Dominicana – mesmo tendo nascido lá. Ele precisava de uma documentação escrita de sete vizinhos para comprovar sua existência, um depoimento de uma loja onde ele já tenha comprado e um comprovante de residência, além de uma certidão de nascimento ou outro documento oficial. Mas ele não tinha nada. Contratar um advogado para completar o processo iria lhe custar até US$ 900, segundo ele, o equivalente ao que ele ganharia em cinco meses trabalhando com vacas leiteiras, em Santiago.
Em vez disso, ele pegou um ônibus e foi para Dajabón, a cidade dominicana que faz fronteira com Ouanaminthe.
Ao longo dos anos, a Dajabón tem crescido e se tornado um movimentado centro comercial, com fornecedores de todo o país vendendo seus produtos para clientes haitianos. Os compradores enchem a ponte de fronteira com mercadorias empilhadas nas cabeças ou carregadas em carrinhos de mão e motocicletas.
— Eles fazem a nossa economia dinâmica — disse Ana Carrasco, de 53 anos, que se aposentou para administrar um restaurante em Dajabón. — As pessoas vêm para comprar ovos, frango, espaguete. Se eles não compram isso no mercado, não comem. A fome não tem uma bandeira, nem fronteira, nem cor, nem política. É fome. É necessidade.
Ana chamou haitianos para trabalharem em seu restaurante e limparem sua casa. Ela disse que apoiou o registro de quem vem do Haiti, mas está preocupada com os danos que esta política pode causar à economia. Os dominicanos na cidade passaram a contar com os serviços oferecidos pelos haitianos.
— Esse problema afeta o meu negócio, porque omeus funcionários não podem vir para o trabalho — disse ela. — Mas nós temos que resolver isso, o país precisa ser capaz de saber quem eles são. É preciso fazê-lo, para o bem de todos. Não importa o custo, isso precisa acontecer.
Já outros negociantes de Dajabón têm mais a perder. Nos 1.700 hectares de fazendas de arroz de Hiroshi Rodriguez, o trabalho manual é feito por trabalhadores haitianos, porque, como ele disse, “dominicanos não querem trabalhar”.
Em ocasiões isoladas ao longo dos últimos dois meses, soldados e oficiais da imigração apareceram e levaram seus trabalhadores embora. Hiroshi acha isso, particularmente, frustrante, já que os soldados aceitariam subornos para deixar os haitianos passarem pelos postos de controle.
— Isto me deixa furioso. Eles não me deixe trabalhar, mas estão traficando haitianos. O governo vai ter de reconhecer que todas as empresas precisam deles — disse. — Muito em breve isso vai explodir.
CANSADO DE SE ESCONDER
Na manhã de sábado, Smith Laflur dirigiu-se para a ponte de fronteira. Foi o terceiro aniversário de seu filho e, para comprar o presente, ele precisava chegar ao Drink Bar. Ele empurrou a multidão para o portão da fronteira, disse quem era e o nome de seu patrão. Mas desta vez o guarda sacudiu a cabeça.
— Hoje não — disse o guarda — As coisas não estão bem agora.
Laflur argumentou por um tempo, mas, em seguida, virou-se e sentou-se no parapeito sobre o rio. No passado, ele chegou a considerar ir para os Estados Unidos, mas tinha medo de mar aberto. Laflur não tem dinheiro para solicitar um passaporte haitiano, e seu chefe na República Dominicana nunca o ajudou com uma autorização de trabalho. Ele está cansado de se esconder.
— Eu quero chegar em um país com os meus próprios documentos — disse ele — Quero ser capaz de andar como um homem livre.

 Diário da Manha

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