terça-feira, 8 de julho de 2014

Os jovens e as migrações

Uns governantes que se declaram esclarecidos sobre a via única, e que por isso olham com desagrado o peso dos cabelos brancos nos orçamentos, justamente numa época em que o avanço do saber torna as ciências sociais cautelosas em enunciar certezas dogmáticas, evitam juízos de probabilidade, e estão prontas a aceitar que os juízos de possibilidade podem ser desmentidos pela realidade inesperada, são obrigados a somar às suas inquietações a questão dos jovens de hoje, que não veem no horizonte próximo um futuro amparado na segurança da organização social, e sobretudo política, confiável. E por isso a juventude tende, segundo alguns preocupados analistas, a ser acolhida não pela idade mas com base nas capacidades correspondentes à competição a que os Estados mais capazes se dedicam para os captar.
Trata-se naturalmente de necessidades da inovação, crescimento, e sustentação na economia competitiva que se tornou mundial, mas também de uma contribuição, não menos importante, para o rejuvenescimento e fortalecimento da sua população, com efeito contrário ao que acontece entre nós, que perde com os competentes emigrantes os povoadores que lhe escasseiam. Os Estados Unidos da América foram cuidadosos nesse recrutamento, cuidado também verificado por exemplo no Canadá e na Austrália, de tal modo que, como foi notado, são chamados "nações de imigrantes", e cuja multiplicação povoadora talvez explique que Obama tenha lembrado, num discurso recente, "somos todos americanos", tal como Mandela, embora por diferentes e mais difíceis circunstâncias, tenha repetido "somos todos sul-africanos".
Mas a luta pelos talentos, que prejudica os países que os perdem pela emigração, é bem diferente da imaginada afluência e consumismo que atrai os emigrantes dos países da miséria, sem qualificação, e que conservam a antiga imagem da Europa rica, hoje diferente pelos factos da crise, com movimentos cívicos contra a liberdade de circulação, como está a acontecer nessa Europa empobrecida, em dificuldades com os imigrantes do Sul e do Leste.
Nesta data, segundo as notícias, os países tradicionalmente recetores desta colheita de talentos, que eram o Canadá, a Austrália, e sobretudo os EUA, encontram-se perante a concorrência da China e da Índia, mas também da Alemanha. Esta última, segundo Emma Broughton, destacando-se também a sua hegemonia crescente na direção política europeia, desde o ano 2000 desenvolve agressivamente uma política de atração dos talentos jovens "pela penúria de mão-de-obra em alguns setores, de que sofrem a maior parte dos países industrializados, mas que se agrava na Alemanha pelo facto de uma demografia declinante". Na restante Europa recetora das imigrações, aparece agora uma questão que é a de conciliar a política imigratória, que está a provocar reações contrárias à livre circulação, com a questão dos "direitos das crianças".
O tema dos menores, segundo as leis variáveis de cada terra, deve observar o artigo 3.º da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, a qual estipula que "em todas as decisões que respeitem às crianças, quer sejam originárias de instituições públicas ou privadas de proteção social, dos tribunais, das autoridades administrativas ou de órgãos legislativos, o interesse superior da criança deve ser uma condição primordial", mas surgem queixas de que os menores indocumentados, ou mal documentados, não veem os seus direitos respeitados mesmo em Estados da União. Entre a lei que os manda proteger e a lei que regula o trânsito, esta tende a prevalecer, talvez pelo estado atual da economia. Trata-se, como é insistentemente proclamado, de um conflito entre a moral e a política que agrava o panorama social a que fomos conduzidos. A tendência para ignorar o Estado social encontra aqui mais uma dificuldade nascida da crescente política defensiva contra as migrações ilegais, certamente também contra o valor da dignidade e da solidariedade, que de regra perde quando em conflito com as exigências da política.


 Adriano Moreira

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