quinta-feira, 17 de julho de 2014

Autoridades admitem necessidade de políticas públicas para acolher estrangeiros



O grande número de ganeses chegando ao mesmo tempo em Caxias do Sul retomou uma discussão que já havia ocorrido com mais intensidade em 2012 com o ingresso de haitianos. O Estado está pronto para receber essas pessoas? Não, não está. Essa pelo menos é opinião das autoridades ouvidas pela Rádio Gaúcha.
POLÍCIA FEDERAL
Na Delegacia da Polícia Federal de Caxias do Sul, por exemplo, foi preciso limitar o número de atendimentos diários. Em Porto Alegre, a chefe da Delegacia de Imigração, Fabiola Piovesan, recebe diariamente diversos estrangeiros que ingressam como turistas, mas que decidem permanecer no Brasil. Ela faz um alerta.
“O turista que está no Brasil e deseja permanecer, ele tem que tomar uma providência. Se ele não tomar nenhuma providência e se for ultrapassado esse prazo concedido para estada, ele vai ser notificado para deixar o país. Como nós também somos quando estamos em outro país, nós temos que obedecer aquele prazo”, explica a delegada.
A Polícia Federal é responsável pelo controle migratório. O Brasil não exige visto de turismo para 73 nacionalidades, podendo permanecer no país por 90 dias, sendo necessário apenas o passaporte. Para os demais, é preciso buscar o visto. A Polícia Federal é o órgão responsável também por receber os pedidos de refúgio.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
O órgão responsável por conceder refúgio é o Conselho Nacional para os Refugiados, órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça. O diretor do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça, João Guilherme Granja, esclarece que a entrada no Brasil com visto de turista não influencia na decisão do Conare de conceder o refúgio. Relata, no entanto, que a maior parte dos ingressos no Brasil se dá através do visto de trabalho.
“Em que a pessoa precisa se programar com muita antecedência. Ela precisa de empregador. Basicamente esse tramite é feito pelo próprio empregador que cumula com a autorização do Estado Brasileiro para que o visto seja autorizado”, destaca o diretor.
O diretor conta que os estrangeiros do Mercosul são a maioria entre os imigrantes.
“E de fato a maioria dessas pessoas, ao contrário do que muita gente pensa, não demanda muita ajuda para se fixar. É claro que os tipos de migrações que chamam mais atenção por demandar algum tipo de aporte, elas acabam ganhando algum tipo de visibilidade”, justifica.
O diretor do Departamento de Estrangeiros da Senasp admite que a lei migratória 6815 de 1980 precisa de revisões e que isso já está sendo providenciado.
“Nós estamos preocupados e investindo atenção em propor uma nova legislação migratória, moderna que se pareça mais com as necessidades e condições do Brasil hoje. Lembram do muito que a nossa lei de 80 é uma lei vai absorver muitas categorias, muitos conceitos de outros países do mundo que tem atitudes restritivas por diversas razões diferentes das razões que existem na nossa trajetória histórica brasileira”, ressalta Granja.
O diretor dá exemplo do que deve mudar.
“Hoje nós sabemos que temos que ter políticas sociais para promover inclusão social dos imigrantes. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome já se despertou para essa questão. Já desenvolveu, por exemplo, uma atualização da sua norma de abrigamento. Desde junho de 2014 temos um braço novo dessa política nacional de abrigamento que ajuda os municípios a financiarem, terem dinheiro, para novas vagas para abrigamento, pensando nos imigrantes”, cita o diretor.
Para João Guilherme Granja, o ideal é que os estrangeiros que entram no Brasil fiquem realmente o tempo pelo qual se comprometeram.
“O Nosso regime migratório no Brasil não é de criminalização. Mesmo as infrações, são infrações administrativas. A gente presa pela dignidade da pessoa humana”, afirma.
Na avaliação de Granja, o Brasil está vivendo um resgate da vocação histórica para imigração.
“Durante décadas, nos anos 60 e 80, nós tínhamos um país fechado, porque era uma ditadora, ou um país em crise econômica, ou um país excessivamente liberal durante os anos 90. Todos esses são fatores que repelem população. Agora nós estamos voltando a um período histórico que é muito único na história brasileira, mas que ao mesmo tempo ele volta pra nossa vocação histórica”, avalia.
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
A Defensoria Pública da União dá assistência jurídica aos estrangeiros que ingressam no Brasil e não possuem condições financeiras de constituir um advogado, como conta a titular do Oficio de Direitos Humanos e Tutela Coletiva do órgão, Fernanda Hahn.
“E o trabalho vem de todas as formas para tentar contribuir para que haja um trabalho específico relacionado à documentação, muitas vezes a dificuldade desses migrantes quando chegam ao país de regularizar a situação migratória. Muitos deles entram no país sem a devida regularização e a Defensoria Pública então assume esse papel de prestar essa assistência jurídica nos órgãos públicos federais que são envolvidos com a temática”, conta Fernanda.
Para a defensora pública da União, os órgãos públicos não estão preparados para acolher os estrangeiros em dificuldade.
“Nós sabemos que o município de Porto Alegre não está preparado para receber esses migrantes. Hoje o que é feito mesmo, é feito pela igreja, principalmente a igreja católica que assume esse papel de acolhimento”, lamenta a defensora pública.
Fernanda Hahn lembra que faltam políticas públicas para o tema.
“Nós estamos trabalhando com os movimentos sociais que cuidam dessa temática, com o Ministério Público Federal e com outros órgãos pra movimentar todo o aparato estatal para que haja sim uma política pública realmente efetiva no atendimento desses migrantes”, ressalta.
Os motivos alegados pelos estrangeiros para sair de seus países de origem são os mais variados.
“Geralmente são pessoas de países com problemas econômicos, com problemas de ordem ambiental, ou mesmo temos a presença de refugiados que vêm ao Brasil por não ter condições de se manter no país de origem por questões graves de violações de direitos humanos. Então essas pessoas vêm ao Rio Grande do Sul, vêm ao Brasil, com uma ambição de uma vida melhor, né. A grande maioria que nos procura está disposta ao trabalho, está procurando trabalho”, conta a defensora pública.
Fernanda Hahn destaca outra preocupação da Defensoria Pública.
“Nossa preocupação também como órgão público que atua em defesa dos direitos humanos é que também se garanta e que haja um trabalho digno. Que as pessoas não sejam vítimas de um trabalho análogo ao escravo”, alerta.
A defensora conta que o tramite para regularização dos documentos é demorado.
“Até que se chegue uma carteira definitiva de estrangeiro demora um tempo razoável e essas pessoas ficam com protocolo em papel totalmente frágil, que também dificulta a inserção deles nas políticas existentes”, destaca.
Segundo Fernanda Hahn, a demora para regularização de um estrangeiro no Brasil pode chegar a um ano.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
A procuradora do Trabalho Patrícia Sanfelici trabalhou em 2012 na comissão formada por diversos órgãos públicos para discutir a entrada em grande número de haitianos no Rio Grande do Sul. Na época conseguiram uma lista com os nomes de empresas que contrataram alguns desses haitianos.
“Com base nisso o Ministério Público do Trabalho instaurou algumas investigações para verificar as condições de trabalho desses trabalhadores”, lembra a procuradora do trabalho.
Na época, segundo Patrícia, não houve a constatação de irregularidades trabalhistas.
“O que não significa que a situação desses trabalhadores fosse fácil, especialmente aqui no nosso Estado tão distante da terra natal, língua desconhecida. Muito poucos falam português. Geralmente a língua mais comum entre os haitianos é o crioulo, que a língua pátria, e também o francês. Então eles enfrentam dificuldades”, conta Patrícia.
A procuradora do trabalho destaca a necessidade de uma ação preventiva para evitar os mais diversos problemas que podem acontecer com os estrangeiros e para o Estado.
“Porque nós não tivemos nenhuma notícia de irregularidades e abrimos ainda assim uma série de investigações para verificar preventivamente se esses trabalhadores estrangeiros estavam adequadamente contratados e em condições adequadas de trabalho”, recorda a procuradora do trabalho.
De acordo com Patrícia Sanfelici, o Ministério Público do Trabalho não recebeu denúncia de irregularidades envolvendo os ganeses que estão chegando em grande número em Caxias do Sul.
GOVERNO DO ESTADO
A diretora do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria estadual de Justiça, Eliene Amorim, coordena o Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas no Rio Grande do Sul. Diz que o Estado está firmando um convênio com o Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, o Cibai, que fica na Igreja Pompéia em Porto Alegre, justamente porque vem aumentando o número de estrangeiros ingressando no Estado.
“Precisamos dar algumas respostas para esta população e para os municípios que recebem parte dessa população”, admite Eliene.
Para a diretora, o Rio Grande do Sul vem sendo escolhido em razão da oferta de emprego.
“O Rio Grande do Sul é escolhido em função do espaço para trabalho. De ter a inclusão no mercado de trabalho. Esse acolhimento por meio desse Comitê e das entidades da Igreja da Pompeia, que já tem experiência e vocação nesse trabalho também. E outro fator é que chegam no Rio Grande do Sul e em pouco tempo estão colocados no mercado de trabalho”, opina a diretora.
Assim como as demais autoridades ouvidas pela Rádio Gaúcha, Eliene Amorim também admite que faltam políticas públicas para acolher esses estrangeiros.
“Na verdade esse é um processo novo. Então nós estamos juntos ao Comirat, a todas as entidades. As universidades que pesquisam, a igreja, aos movimentos sociais buscando construir saídas por meio de políticas públicas, porque também é uma novidade. Nós não temos nada previsto e organizado para essas chegadas”, admite.
Enquanto o Estado brasileiro não possui essas políticas públicas para acolher os estrangeiros que decidem permanecer no país, continuará sob a responsabilidade dos voluntários, ajudar essa população.
 Radio Gaucha

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