O
grande número de ganeses chegando ao mesmo tempo em Caxias do Sul retomou uma
discussão que já havia ocorrido com mais intensidade em 2012 com o ingresso de
haitianos. O Estado está pronto para receber essas pessoas? Não, não está. Essa
pelo menos é opinião das autoridades ouvidas pela Rádio Gaúcha.
POLÍCIA FEDERAL
Na Delegacia da Polícia
Federal de Caxias do Sul, por exemplo, foi preciso limitar o número de
atendimentos diários. Em Porto Alegre, a chefe da Delegacia de Imigração,
Fabiola Piovesan, recebe diariamente diversos estrangeiros que ingressam como
turistas, mas que decidem permanecer no Brasil. Ela faz um alerta.
“O turista que está no
Brasil e deseja permanecer, ele tem que tomar uma providência. Se ele não tomar
nenhuma providência e se for ultrapassado esse prazo concedido para estada, ele
vai ser notificado para deixar o país. Como nós também somos quando estamos em
outro país, nós temos que obedecer aquele prazo”, explica a delegada.
A Polícia Federal é
responsável pelo controle migratório. O Brasil não exige visto de turismo para
73 nacionalidades, podendo permanecer no país por 90 dias, sendo necessário
apenas o passaporte. Para os demais, é preciso buscar o visto. A Polícia
Federal é o órgão responsável também por receber os pedidos de refúgio.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
O órgão responsável por
conceder refúgio é o Conselho Nacional para os Refugiados, órgão colegiado
vinculado ao Ministério da Justiça. O diretor do Departamento de Estrangeiros
da Secretaria Nacional de Justiça, João Guilherme Granja, esclarece que a entrada
no Brasil com visto de turista não influencia na decisão do Conare de conceder
o refúgio. Relata, no entanto, que a maior parte dos ingressos no Brasil se dá
através do visto de trabalho.
“Em que a pessoa precisa
se programar com muita antecedência. Ela precisa de empregador. Basicamente
esse tramite é feito pelo próprio empregador que cumula com a autorização do
Estado Brasileiro para que o visto seja autorizado”, destaca o diretor.
O diretor conta que os
estrangeiros do Mercosul são a maioria entre os imigrantes.
“E de fato a maioria
dessas pessoas, ao contrário do que muita gente pensa, não demanda muita ajuda
para se fixar. É claro que os tipos de migrações que chamam mais atenção por
demandar algum tipo de aporte, elas acabam ganhando algum tipo de visibilidade”,
justifica.
O diretor do
Departamento de Estrangeiros da Senasp admite que a lei migratória 6815 de 1980
precisa de revisões e que isso já está sendo providenciado.
“Nós estamos preocupados
e investindo atenção em propor uma nova legislação migratória, moderna que se
pareça mais com as necessidades e condições do Brasil hoje. Lembram do muito
que a nossa lei de 80 é uma lei vai absorver muitas categorias, muitos
conceitos de outros países do mundo que tem atitudes restritivas por diversas
razões diferentes das razões que existem na nossa trajetória histórica
brasileira”, ressalta Granja.
O diretor dá exemplo do
que deve mudar.
“Hoje nós sabemos que
temos que ter políticas sociais para promover inclusão social dos imigrantes. O
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome já se despertou para essa
questão. Já desenvolveu, por exemplo, uma atualização da sua norma de
abrigamento. Desde junho de 2014 temos um braço novo dessa política nacional de
abrigamento que ajuda os municípios a financiarem, terem dinheiro, para novas
vagas para abrigamento, pensando nos imigrantes”, cita o diretor.
Para João Guilherme
Granja, o ideal é que os estrangeiros que entram no Brasil fiquem realmente o
tempo pelo qual se comprometeram.
“O Nosso regime migratório
no Brasil não é de criminalização. Mesmo as infrações, são infrações
administrativas. A gente presa pela dignidade da pessoa humana”, afirma.
Na avaliação de Granja,
o Brasil está vivendo um resgate da vocação histórica para imigração.
“Durante décadas, nos
anos 60 e 80, nós tínhamos um país fechado, porque era uma ditadora, ou um país
em crise econômica, ou um país excessivamente liberal durante os anos 90. Todos
esses são fatores que repelem população. Agora nós estamos voltando a um
período histórico que é muito único na história brasileira, mas que ao mesmo
tempo ele volta pra nossa vocação histórica”, avalia.
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
A Defensoria Pública da
União dá assistência jurídica aos estrangeiros que ingressam no Brasil e não
possuem condições financeiras de constituir um advogado, como conta a titular
do Oficio de Direitos Humanos e Tutela Coletiva do órgão, Fernanda Hahn.
“E o trabalho vem de
todas as formas para tentar contribuir para que haja um trabalho específico
relacionado à documentação, muitas vezes a dificuldade desses migrantes quando
chegam ao país de regularizar a situação migratória. Muitos deles entram no
país sem a devida regularização e a Defensoria Pública então assume esse papel
de prestar essa assistência jurídica nos órgãos públicos federais que são
envolvidos com a temática”, conta Fernanda.
Para a defensora pública
da União, os órgãos públicos não estão preparados para acolher os estrangeiros
em dificuldade.
“Nós sabemos que o
município de Porto Alegre não está preparado para receber esses migrantes. Hoje
o que é feito mesmo, é feito pela igreja, principalmente a igreja católica que
assume esse papel de acolhimento”, lamenta a defensora pública.
Fernanda Hahn lembra que
faltam políticas públicas para o tema.
“Nós estamos trabalhando
com os movimentos sociais que cuidam dessa temática, com o Ministério Público
Federal e com outros órgãos pra movimentar todo o aparato estatal para que haja
sim uma política pública realmente efetiva no atendimento desses migrantes”,
ressalta.
Os motivos alegados
pelos estrangeiros para sair de seus países de origem são os mais variados.
“Geralmente são pessoas
de países com problemas econômicos, com problemas de ordem ambiental, ou mesmo
temos a presença de refugiados que vêm ao Brasil por não ter condições de se
manter no país de origem por questões graves de violações de direitos humanos.
Então essas pessoas vêm ao Rio Grande do Sul, vêm ao Brasil, com uma ambição de
uma vida melhor, né. A grande maioria que nos procura está disposta ao trabalho,
está procurando trabalho”, conta a defensora pública.
Fernanda Hahn destaca
outra preocupação da Defensoria Pública.
“Nossa preocupação
também como órgão público que atua em defesa dos direitos humanos é que também
se garanta e que haja um trabalho digno. Que as pessoas não sejam vítimas de um
trabalho análogo ao escravo”, alerta.
A defensora conta que o
tramite para regularização dos documentos é demorado.
“Até que se chegue uma
carteira definitiva de estrangeiro demora um tempo razoável e essas pessoas
ficam com protocolo em papel totalmente frágil, que também dificulta a inserção
deles nas políticas existentes”, destaca.
Segundo Fernanda Hahn, a
demora para regularização de um estrangeiro no Brasil pode chegar a um ano.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
A procuradora do
Trabalho Patrícia Sanfelici trabalhou em 2012 na comissão formada por diversos
órgãos públicos para discutir a entrada em grande número de haitianos no Rio
Grande do Sul. Na época conseguiram uma lista com os nomes de empresas que
contrataram alguns desses haitianos.
“Com base nisso o
Ministério Público do Trabalho instaurou algumas investigações para verificar
as condições de trabalho desses trabalhadores”, lembra a procuradora do
trabalho.
Na época, segundo Patrícia,
não houve a constatação de irregularidades trabalhistas.
“O que não significa que
a situação desses trabalhadores fosse fácil, especialmente aqui no nosso Estado
tão distante da terra natal, língua desconhecida. Muito poucos falam português.
Geralmente a língua mais comum entre os haitianos é o crioulo, que a língua
pátria, e também o francês. Então eles enfrentam dificuldades”, conta Patrícia.
A procuradora do
trabalho destaca a necessidade de uma ação preventiva para evitar os mais
diversos problemas que podem acontecer com os estrangeiros e para o Estado.
“Porque nós não tivemos
nenhuma notícia de irregularidades e abrimos ainda assim uma série de
investigações para verificar preventivamente se esses trabalhadores
estrangeiros estavam adequadamente contratados e em condições adequadas de
trabalho”, recorda a procuradora do trabalho.
De acordo com Patrícia
Sanfelici, o Ministério Público do Trabalho não recebeu denúncia de
irregularidades envolvendo os ganeses que estão chegando em grande número em
Caxias do Sul.
GOVERNO DO ESTADO
A diretora do
Departamento de Direitos Humanos da Secretaria estadual de Justiça, Eliene
Amorim, coordena o Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e
Vítimas do Tráfico de Pessoas no Rio Grande do Sul. Diz que o Estado está
firmando um convênio com o Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução
às Migrações, o Cibai, que fica na Igreja Pompéia em Porto Alegre, justamente
porque vem aumentando o número de estrangeiros ingressando no Estado.
“Precisamos dar algumas
respostas para esta população e para os municípios que recebem parte dessa
população”, admite Eliene.
Para a diretora, o Rio
Grande do Sul vem sendo escolhido em razão da oferta de emprego.
“O Rio Grande do Sul é
escolhido em função do espaço para trabalho. De ter a inclusão no mercado de
trabalho. Esse acolhimento por meio desse Comitê e das entidades da Igreja da
Pompeia, que já tem experiência e vocação nesse trabalho também. E outro fator
é que chegam no Rio Grande do Sul e em pouco tempo estão colocados no mercado
de trabalho”, opina a diretora.
Assim como as demais
autoridades ouvidas pela Rádio Gaúcha, Eliene Amorim também admite que faltam
políticas públicas para acolher esses estrangeiros.
“Na verdade esse é um
processo novo. Então nós estamos juntos ao Comirat, a todas as entidades. As
universidades que pesquisam, a igreja, aos movimentos sociais buscando
construir saídas por meio de políticas públicas, porque também é uma novidade.
Nós não temos nada previsto e organizado para essas chegadas”, admite.
Enquanto o Estado
brasileiro não possui essas políticas públicas para acolher os estrangeiros que
decidem permanecer no país, continuará sob a responsabilidade dos voluntários,
ajudar essa população.
Radio Gaucha
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