“As migrações podem ser uma experiência positiva e enriquecedora para os
próprios migrantes, bem como para as sociedades de origem e de acolhimento. Não
obstante, a realidade para demasiados migrantes é a discriminação, a exploração
e o abuso. Frequentemente são vítimas de apelos ao ódio, perseguição e
violência. Se lhes atribui injustamente a culpa da criminalidade e das
dificuldades econômicas. São objeto de discriminação generalizada. A
crise econômica e financeira mundial exacerbou a vulnerabilidade dos migrantes.
Numerosos países endureceram as restrições às migrações e adotaram medidas mais
rigorosas para combater
as migrações irregulares. Essas medidas podem aumentar o risco de exploração e
de abuso. Também podem reforçar a ideia, errada, de os migrantes são
parcialmente culpados dos efeitos da crise, gerando assim atitudes xenófobas e
contra os imigrantes. Neste Dia Internacional do Migrante, apelo a todos os
governos para que
protejam os direitos humanos dos migrantes, para que façam dos direitos humanos
o centro das suas políticas migratórias e promovam uma maior sensibilização
sobre a contribuição positiva que os migrantes dão à vida econômica, social e
cultural dos seus países de acolhimento”. Ban Ki-Mon, Secretário-Geral
da ONU, 18/12/2009.
No dia 18 de dezembro de 1990, a ONU aprovou sua Convenção Internacional
sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros
de suas famílias. A ONU decidiu que, a partir daquela data, o 18 de dezembro
passaria a comemorar o Dia Internacional dos Migrantes, um contingente estimado
em 200 milhões de pessoas - número aproximadamente semelhante,
coincidentemente, ao de toda uma população como a do Brasil.
No final dos anos 90 do século passado, o Brasil, país mundialmente
conhecido por ter sido um país que historicamente recebeu grande quantidade de
imigrantes, começou a observar o aumento do número de brasileiros que
emigravam, saíam do país. Entretanto, até hoje a sociedade brasileira como um
todo nunca prestou a devida atenção sobre isso. Naquele momento, os brasileiros
no mundo, já então organizados em associações em todos os continentes,
iniciaram um processo de reivindicações e propostas para o Governo do Brasil,
chamando atenção para a sua cidadania e de suas famílias no exterior. Em
Lisboa, em 1997, aconteceu o primeiro grande encontro sobre a emigração
brasileira.
Estatuto.
Dez anos depois, em dezembro de 2007, em Bruxelas, na Bélgica, foi
fundada a Rede de Brasileiros no Exterior, tendo entre uma de suas propostas
principais a urgência de instituir-se, no Brasil, um Estatuto da Cidadania
Brasileira no exterior. Tal proposta, formulada por representantes dos
brasileiros que residem na Espanha, estava inicialmente inspirada no Estatuto
de La Ciudadania Española en el Exterior, aprovada pelo governo socialista do
então presidente espanhol, Rodriguez Zapatero.
Seis anos depois, na Bahia, durante a realização da 4ª Conferência
Brasileiros no Mundo, organizada pelo Ministério brasileiro das Relações
Exteriores, incluiu-se na Ata Consolidada de Propostas e Reivindicações o
encaminhamento de resgatar a proposta de Estatuto da Cidadania Brasileira no
exterior. Aquela havia sido embasada no sentido de criar um instrumento legislativo,
com força jurídica para assegurar espaço político, incluindo dotação
orçamentária e, sobretudo, garantia de direitos básicos de cidadania para os
emigrantes brasileiros. Recorda-se que o país tornou-se referência
internacional nos processos de democracia participativa e conferências públicas
que culminaram nos instrumentos legais pioneiros como o Estatuto da Criança e
do Adolescente, Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto do Idoso, etc. Esses
Estatutos foram bases de diversas conquistas transformadas em ações efetivas
sem a qual o Brasil hoje não se entenderia como país.
Direitos Humanos.
O dia 18 de dezembro desse ano 2013 pretende transformar-se em um novo
marco histórico para as pessoas que reivindicam o pleno debate sobre a
importância do fenômeno global das migrações e de que forma provoca impactos
estruturais sobre a sociedade e as culturas brasileras. Com uma grande
novidade. Pela primeira vez, pretende-se avançar sobre a construção de uma
política integral brasileira sobre as migrações. A principal justificativa é de
que, independentemente de origens ou destinos, o país deve ser pioneiro
novamente ao pautar sua política para as migrações com base no que estabelece a
própria ONU: a base e eixo de abordagem sobre as migrações, em geral, devem ser
os direitos humanos. Não se trata meramente de deslocamento de mão de obra. Não
se deve observar somente a migração de força de trabalho, associada meramente
aos processos de globalização do capital. São pessoas, com nomes e
identidades diversas. Seres humanos, fundamentalmente. E, muitas vezes,
trata-se de proteção integral do direito de famílias inteiras, crianças
incluídas – tal como se referia a Convenção Internacional aprovada pela ONU em
1990.
Muitos países hoje possuem uma ação coordenada de governo,
institucionalizada e estrategicamente planejada pela própria Presidência da
República, aglutinando todos os aspectos que tem a ver com as migrações em
geral.
Não será difícil compreender. Aquele cidadão boliviano, por exemplo,
escolheu o Brasil para viver com suas famílias, motivado pela mesma esperança
de melhoria de sua qualidade de vida que fez com que milhões de brasileiros
tenham saído do país. O fluxo incessante de conhecimentos que se produzem até
mesmo com a intensificação da globalização, facilitação das comunicações via
Internet e acesso crescente ao consumo de viagens internacionais produz mais
vínculos (muitas vezes solidários), do que os governos são capazes de perceber.
O que une a diversidade de motivações sobre o fenômeno das migrações, venha de
onde vier, vá para onde quiser, é a mesma força motriz que originou diásporas e
acabou constituindo a base de verdadeiras civilizações em todos os continentes:
esperança ou necessidade. Felizmente as pessoas migram também pelos desejos de
ampliação dos horizontes de possibilidade dos seus próprios direitos. Por mais
que a história também esteja repleta de migrações forçadas, exílios, conquistas
e expansões imperialistas, etc.
O que não podemos fazer é generalizar. Como se todas as pessoas
migrassem motivadas pelos mesmos condicionantes. A generalização indiscriminada
continua a base de constituição dos mais terríveis preconceitos. Contra tal
desinformação, que chega a gerar boatos prejudiciais a determinados coletivos
de migrantes, nada melhor que formação e comunicação intercultural dos agentes
públicos, aproveitando as próprias organizações transnacionais dos migrantes.
Na cidade de Barcelona, novamente na Espanha, experiência pioneira já
demonstrou o êxito de constituir uma rede de agentes anti-rumores
(anti-boatos). Projetos exitosos não faltam.
COMIGRAR.
Em 2014, mais uma vez a participação cidadã da sociedade civil será
decisiva para nortear a construção de base dessa nova e urgente política
pública brasileira. Nunca será tarde para lembrar-se de reconsiderar totalmente
que a “caduca” lei brasileira para os imigrantes foi escrita pela ditadura
militar brasileira. Novamente, não será o governo a decidir, de cima para
baixo. O debate será intenso durante o processo aberto de realização da
COMIGRAR, 1ª Conferência Brasileira sobre as Migrações, organizada pelo
Ministério da Justiça.
Este 18 de dezembro deve inaugurar a articulação em rede de todas as
associações, ONGs, organismos públicos e privados, acadêmicos e pesquisadores
em geral, que possuem no seu cotidiano uma abordagem sobre os temas das
migrações e dos direitos humanos. Emigrantes brasileiros no exterior,
imigrantes de diversas origens que vivem no Brasil, refugiados que escolheram o
Brasil como pátria de acolhida, populações transfronteiriças, brasileiros
retornados ao seu país, todos unidos em defesa do direito humano de ir e vir,
demonstrando ao mundo que esse novo Brasil é um país disposto a combater o
preconceito, a lutar contra a discriminação e a eliminar a xenofobia.
Flavio Carvalho Sociologo
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