Um novo documento do Serviço Europeu de Ação Exterior (Seae),
órgão diplomático da União Europeia (UE), considera a possibilidade de envolver
militares nos esforços para impedir, no sul do Mar Mediterrâneo, a entrada de
imigrantes irregulares e refugiados. Artigo de Apostolis Fotiadis, IPS.Artigo
|7 Dezembro, 2013 – 00:56 Foto de AcnurLasAmericas, flickr.
A ideia da operação militar surgiu pela primeira vez numa
proposta da Itália, de 24 de outubro, sugerindo medidas extraordinárias depois
da tragédia em Lampedusa, quando um barco que zarpara da Líbia no dia 3 daquele
mês afundou antes de alcançar a ilha. Morreram 360 imigrantes.
O acidente causou grande impacto em toda Europa e motivou um
debate na sociedade civil sobre o custo humano das políticas da UE. Muitos
líderes do bloco, por outro lado, viram a catástrofe como uma razão a mais para
militarizar as fronteiras. O vice porta voz do Seae, Sebastien Brabant, afirmou
à IPS em entrevista por correio eletrónico que, depois da tragédia, “foi criado
o Grupo de Tarefas Mediterrâneas para apresentar propostas de uma ação imediata
da União Europeia”.
Daí surgiu a ideia de apelar à Política de Segurança e Defesa
Comum (PSDC), no documento datado de 19 de novembro. A proposta inclui opções
para interceção de movimentos de populações para a Europa, incluindo uma
operação marítima independente ou a implantação de medidas extras no contexto
das operações já em andamento da Frontex (agência de gestão de fronteiras da
UE) na região. Todas as opções conferem um papel central à PSDC, instrumento
estratégico da Europa para enfrentar crises internacionais de segurança.
A ideia de usar a PSDC como plataforma para enfrentar movimentos
de populações em casos de desestabilização de países do Mediterrâneo coincide
com um debate sobre o futuro desse instrumento. O Seae formalizará a sua
proposta junto aos 28 chefes de Estado e de governo da União Europeia, quando
no final do mês se reunir o Conselho Europeu para discutir como melhorar a
defesa, fortalecer a indústria militar e garantir maior efetividade,
visibilidade e impacto à PSDC.
A iniciativa já gerou inquietação. O alemão Andrej Hunko, membro
da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (organização extra
comunitária), alertou que uma “maior militarização da vigilância fronteiriça
fará com que as passagens migratórias sejam mais perigosas e causem mais
mortes”. E acrescentou que “o Seae confirma isso. O desumano e frequentemente
criticado enfoque adotado pela polícia fronteiriça da UE, a Frontex, está sendo
reforçado”.
Enquanto isso, a Frontex pretende atualizar a sua operação
conjunta Hermes, lançada para controlar o fluxo migratório ilegal da Tunísia
para o sul da Itália, principalmente rumo a Lampedusa, na província da Sicília,
e à ilha de Sardenha. Também prevê melhorar a estratégia do programa Aeneas,
destinado a combater a imigração ilegal oriunda de Turquia e Egito, passando
pelo Mar Jónico, até Itália, principalmente as regiões sudestes de Apulia e
Calábria. Além disso, a Itália lançou a sua própria operação de patrulhamento
denominada Mare Nostrum, coordenada pelas forças armadas.
Além disso, um documento interno europeu, divulgado no dia 18 de
abril, demonstra a grave preocupação dos líderes do bloco diante da
possibilidade de a Líbia cair numa guerra sectária. O documento é o projeto
para formar a Missão de Assistência Fronteiriça da União Europeia (Eubam),
integrada por civis e destinada a colaborar na criação e no treino de uma nova
guarda marítima e territorial líbia. A Eubam, ainda em marcha, é uma missão
vinculada à PSDC.
O EUobserver informou em 18 de novembro que elementos no
documento indicavam que essa missão “civil” na verdade estava desenhada para
treinar também “forças paramilitares, no meio de mais um amplo esforço europeu
e dos Estados Unidos para impedir que a Líbia se converta num Estado falido”. A
militarização do Mediterrâneo central completaria anteriores restrições
impostas na parte sudeste do mar.
Na primavera de 2012, a Grécia adotou severas políticas de
controlo, que incluíam a presença de forças de segurança nas suas fronteiras, a
construção de uma vala ao longo do seu limite territorial com a Turquia e a
detenção de imigrantes irregulares por até 18 meses. Como resultado, os fluxos
migratórios adotaram novas rotas através dos Balcãs ocidentais ou retomaram
outras mais antigas no Egito, na Líbia e na Tunísia.
Por sua vez, a Espanha iniciou o CLOSEYE, multimilionário
projeto de controlo fronteiriço europeu que utilizará aviões não tripulados –
drones – e outros meios de vigilância no sudoeste do Mediterrâneo. A Comissão
Europeia, órgão executivo do bloco, financiou muitas dessas operações e não
adotou medidas efetivas para controlar os Estados membros para não violarem os
direitos dos refugiados. Por exemplo, o princípio de não devolução de
refugiados é constantemente ignorado.
Martin Lemberg-Pedersen, professor assistente no Centro para
Estudos Avançados sobre Migração, da Universidade de Copenhaga, e especialista
em segurança e política migratória europeia, perguntou por que o Seae ainda não
promoveu essas opções. “Duas razões me vêm à mente”, disse à IPS. “A primeira é
que a Primavera Árabe trouxe consigo a queda de ditadores que até esse ponto
eram aliados importantes financiados pela UE para conter os imigrantes
subsarianos e do Oriente Médio. Desde então, parece que a UE procura
estabelecer sistemas semelhantes de controlo”.
Em segundo lugar, é importante assinalar o momento em que o Seae
faz as propostas: são apresentadas exatamente quando o novo sistema de
vigilância fronteiriço, o Eurosul, estava prestes a tornar-se operacional”,
afirmou Lemberg-Pedersen. O sistema, “desenvolvido em estreita cooperação com a
indústria de armamento europeia, ressalta exatamente as mesmas metas incluídas
nas opções do Seae”, destacou.
O Eurosul, que entrou em funcionamento no dia 2, confere um
papel fundamental à Frontex na criação de uma coordenação de controlo fronteiriço.
Na sua primeira fase funcionará em 18 Estados membros e procurará aumentar o
intercâmbio de informação de inteligência, melhorar o conhecimento da situação,
aumentar a capacidade de vigilância e das missões de busca e resgate, e
integrar sistemas de segurança de aplicação de leis em terceiros países.
IPS
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