segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Desemprego e xenofobia: a vida dos imigrantes na Grécia

Os primeiros a advertirem sobre a crise da Grécia foram os imigrantes. O trabalho é tão escasso para eles como para os gregos, ainda que, na maior parte dos casos, os que vêm da África ou da Ásia estão dispostos a fazer os trabalhos que os gregos não querem fazer.


Mas trabalhar, sobretudo sem carteira assinada, não quer dizer ter acesso aos mecanismos de bem-estar social, desde os seguros até a saúde pública. Por isso, muitos imigrantes se dirigem às ONGs.
 
A Médicos do Mundo é uma delas e se ocupa de fornecer assistência médica, medicamentos e, às vezes, simplesmente roupas ou cobertores. Em Atenas, onde está concentrada a maioria dos imigrantes, a ONG tem duas clínicas. A do centro da cidade atende de 120 a 150 pessoas por dia. Muitas de suas histórias são como a de Shalim, um jovem de 23 anos que veio de Bangladesh e não consegue parar em pé. A razão é tão simples quanto absurda, se considerarmos que estamos na Europa, em 2013: fome, falta de vitaminas, má alimentação.

“Na Europa existem escravos, sabia? 2013 é exatamente como era a antiguidade: os escravos cultivam as terras para os ricos”, diz Ansan, a doutora que está visitando Shalim. “Dou a ele vitaminas. Que mais posso fazer? Não deveria aceitar as condições de trabalho que lhe oferecem no campo: dez horas sem parar, sem comer, sob o sol. Por 20 euros por dia, dois euros por hora. E tem sorte. Há quem não ganhe mais que 10 euros e até quem não ganha nada”.

A definição de “escravo” que Ansan usa não é um exagero; os donos não só pagam pouco para estas pessoas, mas também, às vezes os deixam dormir nos galpões, cobrando aluguel. Resultado: retêm o salário completo. Há alguns meses, em Manolada, na península de Peloponeso, uma briga entre o dono de cultivo de morangos e os 200 imigrantes que trabalham para ele acabou em sangue: ele decidiu não lhes pagar, eles se rebelaram e ele disparou, ferindo gravemente 28 pessoas.

Shalim me olha e diz: “Eu gosto da
 Gréciahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png e eu gosto de trabalhar duro, para mim está bem. Tenho de enviar dinheiro para minha família. Mas, se já não há trabalho na Grécia, como fazer?”, pergunta. Ele tem um temprego e prefere trabalhar até desmaiar a perdê-lo. Também tem um lugar onde dormir: uma casa em Omonia, na região do centro, onde vivem muitos imigrantes. Em sua casa moram três pessoas por quarto, seis no total.

Ansam é da Palestina, mas vive há sete anos na
 
Gréciahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png. Aqui, estudou medicina, se especializou e agora trabalha para os Médicos do Mundo. “Mas estou pensando em ir embora. Talvez para o Canadá. Já não posso enfrentar essa situação. Além disso, as pessoas que como eu são refugiadas não podem ter a mesma carreira que um grego, nem ganhar o mesmo salário. Agora, com a crise, até a sobrevivência está se tornando um problema”, fala.

Ansam explica que, desde que a crise começou, o hospital não ajuda apenas os imigrantes, mas também muitos gregos. Cerca de 20% dos pacientes, às vezes até 25%. “Nesta hora do dia não você não vê, porque a maior parte é de idosos – eles vêm bem cedo quando faz menos calor e há menos gente. Já não podem comprar medicamentos e por isso nos procuram. Mas, também, há casais de desempregados. Você tem ideia de quanto custa manter uma criança? O dinheiro não é suficiente e eles vêm nos procurar.”

Crise e saúde

Arghirs Panagopoulos, jornalista do Avgi, diário do Syriza, o maior partido da oposição, explica como a crise está influenciando a saúde. Na
 Gréciahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png, as pessoas têm acesso à assistência médica apenas se têm um emprego legal, lembrando que o desemprego alcançou uma cifra enorme, cerca de um terço da população. Além disso, quem trabalha nem sempre pode pagar por uma assistência médica adequada: a porcentagem do custo dos medicamentos e dos exames cobertos pelo Estados é reduzida mês a mês, mas também os salários e as aposentadorias são reduzidas, só os impostos aumentam. “O resultado é que o doentes com frequência deixam de lado parte dos medicamentos que deveriam tomar. Isso significa não seguir uma terapia adequada. A qualidade de vida diminui. Mas, se isto é uma ‘economia’ hoje, no futuro o custo social será enorme”, afirma.



No futuro, dentro de alguns anos, patologias que poderiam ser prevenidas com uma terapia farmacológica vão se transformar em graves casos de hospitalização. Além disso, na última mudança de governo foi nomeado um ministro que militou na extrema-direita e sua primeira declaração foi: “Vamos fechar tudo o que necessite ser fechado”.

O fato é contado com apreensão pelos médicos dos ambulatórios voluntários, que estão sendo abertos no último ano graças ao esforço de médicos e associações. São unidades de saúde de bairro que dão assistência gratuita aos excluídos da cobertura médica pública, ou desempregados e imigrantes. Estes ambulatórios, além de oferecer consultas e diagnósticos gratuitos, estão criando também farmácias sociais graças à doação de medicamentos de alguns farmacêuticos e das famílias dos doentes crônicos que, quando morrem, doam os medicamentos que lhes sobram. Uma atividade de solidariedade que despertou a suspeita da polícia que, no começou, levantou a hipótese de contrabando de medicamentos: por isso, agora, tudo o que é doado e reutilizado é registrado e certificado por um médico.

Na visita ao hospital dos Médicos do Mundo o cicerone é Ahmad Zea, um jovem afegão que fala bem grego e trabalha como mediador cultural, servindo de intérprete para seus compatriotas. No ambulatório está Massume, uma jovem de 30 anos que tem dois filhos e está sozinha. Em seu segundo casamento, depois da morte de seu primeiro marido, ela não consegue encontrar o segundo marido, que está na Alemanha.

Outra família se encontra no andar de cima, ao lado de algumas camas. Há três meninos que brincam e fazem piada entre eles: vêm do Afeganistão, são refugiados e seus pais estão internados no hospital. Estão há dois anos na
 Gréciahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png, seis meses vivendo no hospital, e ainda não sabem para onde vão quando saírem daqui.

Bodes expiatórios

A condição dos imigrantes na
 Gréciahttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png está cada vez mais problemática: o trabalho diminuiu e, com o aumento da pobreza, também a coesão social vai sumindo. O primeiro bode expiatório são justamente os imigrantes. Nas últimas eleições, Chrysì Avgì (Aurora Dourada), um partido que se inspira abertamente no nazismo, obteve 7% dos votos. Foi um choque para muitos gregos, mas também um sinal da espiral de raiva que está se enredando no país.

Massume conta que seu filho, de 13 anos, estava sentado com ela em um ponto de ônibus quando foi atacado por um homem sem motivo, que gritou que ele tinha de se levantar e ir embora. Ahmad Zea também teve problemas com os militantes da Aurora Dourada. Uma noite, quando voltava para a sua casa de
 
carrohttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png, foi parado por dois carros. As pessoas o fizeram descer e o espancaram com bastões. Ele ainda tem marcas no pescoço, nos braços e nas orelhas. Para que sua mãe não preocupasse, se escondeu cerca de dez dias com um amigo, esperando que as feridas melhorassem. Hoje tem muito medo de andar sozinho.

O mesmo relata um jovem da Índia que trabalha no mercado popular de Atenas. Se considerarmos a retórica dos políticos e dos meios de comunicação, que dizem que as cidades já não são seguras por causa dos imigrantes, o que diz esse trabalhador indiano pode soar ao mesmo tempo amargo e ridículo: “Eu não saio à noite, e, de toda forma, nunca saio sozinho: tenho muito medo. Está cidade é perigosa para estrangeiros como eu.”

Opera Mundi em Atenas

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