sábado, 19 de outubro de 2013

Imigração ilegal ao Brasil movimenta economia haitiana pós terremoto

Os haitianos que moram fora do país enviaram remessas que, em 2012, corresponderam a 22% do Produto Interno Bruto (PIB) anual do Haiti, segundo dados da Agência de Inteligência dos Estados Unidos (CIA). Antes do terremoto de 2010, que destruiu a infraestrutura do país e provocou a onda de imigração para o Brasil, o impacto das remessas no PIB não chegava a 16%.




Segundo o Banco Mundial, o valor das remessas internacionais ao Haiti alcançou US$ 1,82 bilhões no ano passado. Antes do tremor, não chegava a US$ 1,3 bilhão. O Banco Central do Brasil diz não ter o valor remetido por pessoas físicas ou jurídicas para lá desde 2010, mas os haitianos que trabalham no Brasil afirmaram ao G1 que mandam, em média, R$ 500 por mês para os familiares.
Pierre Laricy e Josepho Enzo Dervius, ambos de 31 anos, vieram ao Brasil em 2013 de maneiras diferentes. Trabalhando em São Paulo, atualmente eles mandam até R$ 800 por mês para os parentes no Haiti.
Laricy escolheu o meio ilegal para seguir de Fonds-des-Nègres, uma pequena cidade no interior do país, onde seus pais e uma filha de 8 anos moram, para chegar à capital paulista. No caminho, sofreu achaques de policiais peruanos, viu amigos sofrerem sequestros-relâmpagos e terem de pagar propina para não serem mortos, ouviu casos de estupros, tortura, mas chegou ao destino final: São Paulo, onde hoje trabalha como azulejista em uma obra na Zona Leste.
Já Dervius optou pelo caminho legal: professor universitário e nascido em família de classe média, esperou durante 8 meses a emissão do visto pelo consulado brasileiro em Porto Príncipe e, ao invés de enfrentar dificuldades, desembarcou em São Paulo pela porta da frente, o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Atualmente, ele trabalha no restaurante de um supermercado e diz encarar o Brasil como uma experiência semelhante a um intercâmbio.

"Vou ficar alguns anos para conseguir dinheiro e voltar para minha família e minha namorada", diz Dervius.

"Os haitianos sabem que Deus ajuda a pessoa a encontrar o seu destino. Vamos perguntando no caminho: como eu posso chegar no Brasil?", afirma Laricy, argumentando que é da cultura do haitiano imigrar para fora do país em busca de trabalho.
Com cerca de 9,8 milhões de habitantes, o Haiti possui cerca de 3 milhões dos seus cidadãos morando em outros países, como Estados Unidos, Cuba, Canadá e República Dominicana, uma população chamada de "diáspora haitiana".

Nas ruas de Porto Príncipe, a capital haitiana, as casas de transferência internacional de dinheiro multiplicam-se na mesma proporção que as casas lotéricas, tanto nas regiões mais simples, como Cité Militarire, como em bairros nobres e com hotéis cinco estrelas, como Pétion Ville.

"Aqui não tem emprego, não tem o que fazer. Não tem indústrias, não tem lojas, eu fico o dia inteiro na rua, vendo as coisas acontecerem. Por isso quero ir para o Brasil. Lá tem a Copa do Mundo, tem muito trabalho e vamos poder ganhar dinheiro”, diz o agrônomo e pedreiro Jolvin Celestin, de 30 anos, que mora em Porto Príncipe.
"Do Brasil eu posso mandar dinheiro para minha mulher e meus dois filhos. Depois, levo eles para ficarem comigo lá", afirma Celestin. No celular, ele tinha o contato de dois amigos que moram em Manaus e que imigraram ilegalmente em 2012.
O caminho ilegal, segundo Laricy, é árduo. "Os haitianos têm consciência de que é difícil chegar aqui. Eu fui para a República Dominicana de ônibus e lá peguei um avião para o Panamá e segui para o Equador. A partir de Quito eu sabia que estava ilegal, que precisava de visto. No aeroporto, motoristas de táxi já nos mostram o caminho para pegar um ônibus e ir até Huaquilla, na fronteira com o Peru, onde você paga US$ 100 (R$ 218) para algum coiote te atravessar no meio de uma feira livre (que separa os dois países)", relembra ele.

Horas de viagem por terra para atravessar o Peru e mais entre US$ 200 e US$ 500 (R$ 436 a R$ 1.090) perdidos nas mãos de coiotes, policiais e aliciadores até chegar a Assis Brasil, no Acre.

"Quando você está no caminho, você vai pagando para não ficar preso e chegar no destino. Eu mando dinheiro para minha mulher, que agora está na República Dominicana, e minha filha, que está com parentes no Haiti. Quero trazer ambas ao Brasil para ficarem comigo", diz Laricy. O processo todo, ilegalmente, não sai por menos de US$ 3 mil (R$ 6.540), afirma.

"Eu pergunto para os haitianos o que eles querem fazer no Brasil. Eles precisam ter um plano de vida. Argumento que é perigoso e arriscado entrar ilegalmente pela fronteira do Acre. Uso sempre a expressão 'dépouillé', argumentando que, no percurso, eles serão despojados de todo o dinheiro que possuem e vão chegar em nada", diz o cônsul Vitor Hugo Irigaray, que avalia os pedidos de vistos de haitianos em Porto Príncipe.
Neste meu país não tem emprego, está tudo quebrado, não tem o que fazer. Precisamos buscar outra forma de sobreviver"
Jolvin Celestin, de 30 anos, agrônomo e pedreiro
Haitianos ouvidos pelo G1 em Porto Príncipe explicam que agentes de viagens e despachantes oferecem serviços para ajuda-los a conseguir os documentos e chegar ao Brasil.

"Tenho 5 amigos que estão em Manaus, São Paulo e Paraná e querem me levar pelo meio ilegal. Mas eles só vão me passar o telefone do coiote quando eu tiver US$ 3 mil na mão e eu não tenho este dinheiro. O que sei é que, ao chegar em Quito, um religioso me acolherá e dará os documentos para continuar o caminho. Sei que é complicado e difícil, por isso vou tentar o meio legal, com visto", diz o desempregado Louis Hubert, de 29 anos, que estava na fila da embaixada do Brasil no Haiti no último dia 3.

"Neste meu país não tem emprego, está tudo quebrado, não tem o que fazer. Precisamos buscar outra forma de sobreviver", diz Celestin.

Nas ruas de Porto Príncipe vê-se muitos homens parados durante o dia, sentados e conversando. Já as mulheres apostam no comércio informal e atuam como vendedoras ambulantes de pães, remédios e doces. A taxa de desemprego, segundo o governo, é de 42% da população, sendo 80% está abaixo da linha da pobreza.
Histórico de imigração
Dados da missão de paz da ONU apontam que três em cada dez haitianos conhece alguém que está morando no Brasil ou nos EUA. No início de setembro, uma comitiva do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) esteve em Porto Príncipe conversando com as autoridades haitianas para entender o motivo da imigração ilegal.
"Já há uma cultura de emigrar no Haiti. As dificuldades diárias, como falta de água, saneamento básico e de saúde, fazem eles buscarem melhores condições de vida no exterior. O terremoto de 2010 só piorou e a população busca sair do país. A demanda de imigração para o Brasil ainda é enorme e não temos capacidade de acolher tudo isso", diz o presidente do Conselho, Paulo Sérgio de Almeida.
"Apesar da perda de população ser um problema, o que ouvimos em Porto Príncipe do governo haitiano é que isso é benéfico ao país devido ao envio de remessas para familiares que ficam lá", acrescenta ele.

Dados da CIA apontam que 41% da população não tem acesso à água potável e 83% não possui acesso ao sistema sanitário. A expectativa de vida é de 62 anos e 53% da população é analfabeta.
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Perguntar aqui quem quer se mudar para o Brasil é como perguntar para quem está passando fome se quer comida. Todo mundo quer ir para o Brasil, isso é certo"
A alternativa para o Brasil, diz ele, é "desestimular o ingresso por via terrestre pela travessia de fronteiras", mas a capacidade de emissão de visto em Porto Príncipe não é suficiente para absorver a demanda.

"As pessoas desconhecem o processo para o visto ou não acessam a internet e ficam nas filas da embaixada tentando obter alguma informação. É neste momento que acabam sendo alvo de aliciadores ou pessoas mal intencionadas que conseguem tirar algum dinheiro deles oferecendo benefícios ou documentos que facilitariam a viagem", explica Almeida. "A imigração ilegal virou um grande negócio".
"Perguntar aqui quem quer se mudar para o Brasil é como perguntar para quem está passando fome se quer comida. Todo mundo quer ir para o Brasil, isso é certo", diz François Gerard, de 51 anos, que mora em Cité Soleil, a região mais pobre e violenta do Haiti.
"Há uma debilidade institucional e as necessidades básicas da população são tantas e urgentes que é difícil para o governo atuar (na imigração ilegal)", afirma o presidente do CNIg.

O mesmo diz o embaixador brasileiro no Haiti, José Luiz Machado e Costa. "Não existe polícia de investigação no Haiti que possa fazer este trabalho de repressão. O governo haitiano não tem condições nem recursos de acompanhar e entender este processo. O que vamos fazer é trabalhar conjuntamente em campanhas publicitárias de esclarecimento sobre as informações de como ir ao Brasil com visto".

De janeiro de 2010 a junho de 2013 o CNIg autorizou a permanência de 9.938 haitianos no Brasil, sendo 82% deles, homens. "Não é política do Brasil expulsar ou deportar seus imigrantes, pelo contrário. Mas estamos preocupados com o tráfico de imigrantes e a exploração", explica

 G1

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