Alguns
artigos do novo Código Penal brasileiro, em discussão no Congresso Nacional,
criminalizam os movimentos migratórios e poderão afetar solicitantes de refúgio
e migrantes que chegam ao país de forma irregular, assim como as organizações e
indivíduos solidários com essas populações. Assim, devem ser suprimidos para
que o novo documento reflita os compromissos internacionais do Brasil com o
Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos e mantenha as garantias
já previstas na legislação brasileira aos solicitantes de refúgio que buscam
proteção internacional no Brasil.
O alerta foi feito ontem pelo representante do Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no Brasil, Andrés Ramirez, durante a
abertura do seminário “Grandes Juristas e a Reforma do Código Penal”, promovido
em São Paulo
pelo Complexo Educacional FMU.
A cerimônia de abertura reuniu personalidades nacionais e
internacionais do mundo jurídico, como o ministro do Supremo Tribunal Federal
Marco Aurélio Melo, o ex-ministro da Justiça Márcio Tomaz Bastos e ministros do
Superior Tribunal de Justiça – além de representantes do Ministério Público e
da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
O representante do ACNUR se referiu ao Título XV do projeto de
lei 236/2012 (novo Código Penal), que trata especificamente dos “Crimes
Relativos a Estrangeiros” e tipifica condutas relacionadas à imigração e
entrada irregular no território brasileiro, bem como delitos relativos ao
acesso ao mecanismo do refúgio e aos procedimentos de reconhecimento da
condição de refugiado.
Para ele, o texto amplia a criminalização da irregularidade
migratória, prevendo a criação de novos tipos penais que desconsideram
totalmente as circunstâncias extremas em que muitos estrangeiros têm ao deixar
seus países de origem para fugir de perseguições baseadas em questões de
nacionalidade, raça, religião, opinião política ou no fato de pertencerem a
determinado grupo social – questões que são a base para pedidos de refúgio,
segundo a lei brasileira e as convenções internacionais sobre o tema.
Ramirez lembrou que o Brasil é signatário da Convenção de 1951
da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados e que possui uma lei nacional sobre o
tema (9.474/97), considerada avançada em relação à proteção de estrangeiros
refugiados. “As pessoas que necessitam de proteção muitas vezes não têm como
obter todos os documentos necessários para viajar regularmente a um país
estrangeiro e solicitar refúgio. O exemplo da Síria, atualmente, mostra bem
este fato”, completou.
Os artigos 452, 453 e 454 contidos no Título XV do anteprojeto
do novo Código Penal brasileiro criminalizam o estrangeiro que usar documentos
falsos ou fizer declarações inverídicas para entrar no país e solicitar
refúgio. Sobre os indivíduos e organizações que apoiam estas populações, será
considerado crime atribuir informações ou qualificações inverídicas aos
estrangeiros para promover sua entrada ou permanência no território nacional
(inclusive para assegurar-lhes a condição de refugiado), assim como promover
sua entrada e abrigo de forma clandestina. Em todos esses casos, a pena
prevista é de dois a cinco anos de prisão (tanto para estrangeiros como para
nacionais brasileiros).
“Esses artigos revelam-se preocupantes porque não levam em
consideração as peculiaridades inerentes ao deslocamento e à proteção dos
solicitantes de refúgio e refugiados no mundo. A perseguição sofrida no país de
origem impõe uma grave ameaça à vida, liberdade ou integridade física dos
refugiados. E a fuga caracteriza-se pela urgência, o que inviabiliza a espera
pela documentação adequada que permita o acesso regular ao país onde podem
buscar asilo. Assim, não raro o refugiado é obrigado a valer-se de documentação
adulterada justamente para conseguir sair do país onde a perseguição é
perpetrada”, afirmou o representante do ACNUR.
Para Ramirez, que já atuou em diversas operações do ACNUR ao
redor do mundo, é comum que os refugiados viajem sem qualquer documento de
identidade, o que exige dos países de acolhida a sensibilidade e capacidade
técnica adequada à identificação dos estrangeiros que possuem um fundado temor
de perseguição e que não podem ser criminalizados em decorrência dos meios
utilizados para salvar sua própria vida.
O representante do ACNUR destacou ainda a longa tradição do
Brasil de sensibilidade às questões migratórias e a posição crescente do país
no cenário internacional a favor de que estes temas sejam tratados somente na
esfera administrativa (e não na penal), por meio de um sistema eficiente de
identificação das circunstâncias e dos motivos de ingresso dos estrangeiros no
território nacional.
A intervenção do representante do ACNUR foi bem recebida pela
plateia e pelas autoridades presentes. “Trouxemos à tona as consequências reais
da reforma do Código Penal para os solicitantes de refúgio. Se for mantido o
texto atual, o processo de reconhecimento de refúgio será prejudicado, e as
instituições que prestam serviços a pessoas indocumentadas serão
criminalizadas”, disse o Diretor do Curso de Relações Internacionais da FMU,
Professor Manuel Nabais da Furriela.
Na condição de Presidente da Comissão para os Direitos dos
Refugiados da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP),
Furriela entregou às autoridades presentes na cerimônia de abertura do
seminário um documento pedindo a retirada dos artigos 452, 453 e 454 contidos
no Título XV do anteprojeto do novo Código Penal brasileiro. “É importante
chamar a atenção destas autoridades para os problemas da reforma, sob a ótica
dos solicitantes de refúgio”.
Por Larissa Leite e Luiz Fernando Godinho.
Por: ACNUR
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