O naufrágio em Lampedusa renovou os pedidos para que a União Europeia
crie uma resposta comum ao fluxo de imigrantes
A ponta sul da Espanha fica a
apenas 14,5 quilômetros da costa de Marrocos, uma distância tão tentadoramente
próxima que os imigrantes africanos tentando chegar à Europa podem ver o
continente da costa marroquina.
Chegar à Europa não é tão
simples, mas eles vêm mesmo assim.
Há meses ocorre um acréscimo no
número de imigrantes se arriscando nas águas do Mediterrâneo. E a polícia
espanhola e os capitães de barco dizem que muitos interessados em asilo ficaram
tão desesperados que estão tentando atingir chegar à Europa em barquinhos
frágeis de borracha. Tantos imigrantes estão viajando em pequenos botes que o
preço de um modelo modesto pode chegar a US$ 680 no Marrocos, contra apenas US$
109 na Espanha.
— Algumas pessoas claramente
arriscam a vida para botar os pés na Europa. Tem sido um verão muito
movimentado porque agora estamos resgatando aqueles que não apenas atravessam
em um barco de brinquedo como também não têm dinheiro nem sequer para comprar remos
adequados — afirmou Israel Díaz Aragón, capitão de um dos barcos dos serviços
de resgate marinho da Espanha.
O perigo da imigração no
Mediterrâneo se tornou evidente outra vez em três de outubro quando um barco
com imigrantes africanos virou perto da ilha italiana de Lampedusa. Pelo menos
300 pessoas morreram.
O naufrágio renovou os pedidos
para que a União Europeia crie uma resposta comum, humana ao fluxo de
imigrantes, e também aprimore a cooperação com os países de onde os imigrantes
se originam na África e no Oriente Médio. Contudo, a dificuldade de brecar
completamente o êxodo humano é evidente na Espanha, que nos anos recentes
trabalhou em proximidade com o Marrocos para deter a imigração legal.
Os barquinhos ilustram os riscos
que os imigrantes estão dispostos a correr. Durante muitos anos, o principal
ponto de desembarque na Espanha se situava nas Ilhas Canárias, no Oceano
Atlântico, ao largo da costa sudoeste do Marrocos. Redes criminosas usavam
lanchas potentes para transportar pessoas ilegalmente.
Porém, então, a Espanha aumentou
acentuadamente as patrulhas nas águas ao largo da costa da África Ocidental,
cortando a rota para as ilhas, ao mesmo tempo em que instalou uma rede de
câmeras infravermelhas ao longo de costa inteira, tornando praticamente
impossível para embarcações maiores passarem sem ser notadas.
O impacto foi imediato. Em 2006,
um número recorde de 39,1 mil pessoas entrou ilegalmente na Espanha de barco.
No ano passado, o total foi de 3,8 mil.
Agora, no entanto, o tráfego está
aumentando pelo Estreito de Gibraltar, embora a viagem tenha se tornado mais
perigosa enquanto muitos imigrantes usam barquinhos para fugir das câmeras. As
autoridades espanholas estimam que 80% dos imigrantes ilegais que cruzaram o
estreito neste ano usaram pequenos botes, em vez de grandes traineiras.
A Itália testemunhou um aumento
especialmente grande de imigrantes neste ano, mais de 24 mil até agora,
incluindo milhares viajando da Síria, devastada pela guerra. A Itália
reconheceu a tragédia de Lampedusa com um dia nacional de luto na manhã de 4 de
outubro. E as autoridades italianas repetiram as demandas para que a Europa
assuma uma responsabilidade maior em relação às ondas de imigrantes atingindo
as praias italianas.
— Hoje em dia temos um novo ponto
de controle Charlie. Seu nome é Lampedusa — afirmou o ministro do interior
italiano, Angelino Alfano, em declaração recente no Parlamento, em referência à
travessia da Berlim Oriental à Ocidental durante a Guerra Fria.
Os números na Espanha são muito
mais baixos, mas crescentes após vários anos de redução. A polícia militar
espanhola diz que mais de 900 pessoas foram interceptadas no estreito neste
ano.
Em Marrocos, onde a monarquia
governante escapou relativamente incólume da Primavera Árabe, as autoridades
aumentaram a cooperação com a Espanha e estão interceptando muitos barcos antes
que estes cheguem às águas espanholas.
Agir assim, no entanto, também
envolveu a repressão da polícia marroquina contra imigrantes subsaarianos que
se agruparam nas cidades do norte do país mais próximas da Espanha, segundo
defensores dos direitos humanos.
— Desde julho passado, as
autoridades marroquinas vêm basicamente limpando imigrantes ilegais do norte. A
repressão os deixou desesperados para sair, chegando ao ponto de estarem
dispostos a pular na água sem um barco adequado — disse Helena Maleno, da
Caminando Fronteras, associação que ajuda os imigrantes.
Recentemente, a polícia espanhola
em Ceuta e Melilha – dois enclaves espanhóis no norte marroquino – também vem
lutando para conter os imigrantes que tentam invadir pelas cercas da fronteira.
Em setembro, cerca de cem pessoas entraram em Melilha depois de derrubar a
cerca e passarem por cima da polícia, deixando seis oficiais feridos.
No acidente nos arredores de
Lampedusa, a maioria dos imigrantes vinha da Eritreia e da Somália, segundo
autoridades italianas e das Nações Unidas. Quem viaja de barco para a Espanha,
no entanto, costuma provir da África ocidental.
— Quase todo mundo agora afirma
vir do Mali porque houve guerra por lá, o que os deixa confiantes de que
ninguém pode mandá-los de volta — afirmou Manuel Ovidio, capitão da política
militar espanhola.
Entrevistado em uma cela da
polícia espanhola após ser resgatado no mar, Amadou Makalou, 34 anos, mostrou
as bolhas nas mãos depois de horas remando. Ele contou ter deixado Bamako,
capital do Mali, depois atravessou a Mauritânia antes de passar um mês em
Tânger, Marrocos. Lá, ele fez uma vaquinha com seis outros malineses para
comprar um barquinho.
Eles se esconderam em uma floresta
durante horas antes de lançarem-se ao mar de uma praia vizinha, ao redor da 1h.
Makalou contou que a família permaneceu em Bamako. Indagado se conhecia a taxa
de desemprego espanhola, ele riu.
— Não pode ser pior do que no
Mali. Os europeus querem nos assustar, mas não fazem a menor ideia do tipo de
problema que deixamos para trás. —
THE NEW YORK TIMES NEWS
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