quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Desespero aumenta e mais imigrantes arriscam a sorte no Mediterrâneo

O naufrágio em Lampedusa renovou os pedidos para que a União Europeia crie uma resposta comum ao fluxo de imigrantes
A ponta sul da Espanha fica a apenas 14,5 quilômetros da costa de Marrocos, uma distância tão tentadoramente próxima que os imigrantes africanos tentando chegar à Europa podem ver o continente da costa marroquina.
Chegar à Europa não é tão simples, mas eles vêm mesmo assim.
Há meses ocorre um acréscimo no número de imigrantes se arriscando nas águas do Mediterrâneo. E a polícia espanhola e os capitães de barco dizem que muitos interessados em asilo ficaram tão desesperados que estão tentando atingir chegar à Europa em barquinhos frágeis de borracha. Tantos imigrantes estão viajando em pequenos botes que o preço de um modelo modesto pode chegar a US$ 680 no Marrocos, contra apenas US$ 109 na Espanha.
— Algumas pessoas claramente arriscam a vida para botar os pés na Europa. Tem sido um verão muito movimentado porque agora estamos resgatando aqueles que não apenas atravessam em um barco de brinquedo como também não têm dinheiro nem sequer para comprar remos adequados — afirmou Israel Díaz Aragón, capitão de um dos barcos dos serviços de resgate marinho da Espanha.
O perigo da imigração no Mediterrâneo se tornou evidente outra vez em três de outubro quando um barco com imigrantes africanos virou perto da ilha italiana de Lampedusa. Pelo menos 300 pessoas morreram.
O naufrágio renovou os pedidos para que a União Europeia crie uma resposta comum, humana ao fluxo de imigrantes, e também aprimore a cooperação com os países de onde os imigrantes se originam na África e no Oriente Médio. Contudo, a dificuldade de brecar completamente o êxodo humano é evidente na Espanha, que nos anos recentes trabalhou em proximidade com o Marrocos para deter a imigração legal.
Os barquinhos ilustram os riscos que os imigrantes estão dispostos a correr. Durante muitos anos, o principal ponto de desembarque na Espanha se situava nas Ilhas Canárias, no Oceano Atlântico, ao largo da costa sudoeste do Marrocos. Redes criminosas usavam lanchas potentes para transportar pessoas ilegalmente.
Porém, então, a Espanha aumentou acentuadamente as patrulhas nas águas ao largo da costa da África Ocidental, cortando a rota para as ilhas, ao mesmo tempo em que instalou uma rede de câmeras infravermelhas ao longo de costa inteira, tornando praticamente impossível para embarcações maiores passarem sem ser notadas.
O impacto foi imediato. Em 2006, um número recorde de 39,1 mil pessoas entrou ilegalmente na Espanha de barco. No ano passado, o total foi de 3,8 mil.
Agora, no entanto, o tráfego está aumentando pelo Estreito de Gibraltar, embora a viagem tenha se tornado mais perigosa enquanto muitos imigrantes usam barquinhos para fugir das câmeras. As autoridades espanholas estimam que 80% dos imigrantes ilegais que cruzaram o estreito neste ano usaram pequenos botes, em vez de grandes traineiras.
A Itália testemunhou um aumento especialmente grande de imigrantes neste ano, mais de 24 mil até agora, incluindo milhares viajando da Síria, devastada pela guerra. A Itália reconheceu a tragédia de Lampedusa com um dia nacional de luto na manhã de 4 de outubro. E as autoridades italianas repetiram as demandas para que a Europa assuma uma responsabilidade maior em relação às ondas de imigrantes atingindo as praias italianas.
— Hoje em dia temos um novo ponto de controle Charlie. Seu nome é Lampedusa — afirmou o ministro do interior italiano, Angelino Alfano, em declaração recente no Parlamento, em referência à travessia da Berlim Oriental à Ocidental durante a Guerra Fria.
Os números na Espanha são muito mais baixos, mas crescentes após vários anos de redução. A polícia militar espanhola diz que mais de 900 pessoas foram interceptadas no estreito neste ano.
Em Marrocos, onde a monarquia governante escapou relativamente incólume da Primavera Árabe, as autoridades aumentaram a cooperação com a Espanha e estão interceptando muitos barcos antes que estes cheguem às águas espanholas.
Agir assim, no entanto, também envolveu a repressão da polícia marroquina contra imigrantes subsaarianos que se agruparam nas cidades do norte do país mais próximas da Espanha, segundo defensores dos direitos humanos.
— Desde julho passado, as autoridades marroquinas vêm basicamente limpando imigrantes ilegais do norte. A repressão os deixou desesperados para sair, chegando ao ponto de estarem dispostos a pular na água sem um barco adequado — disse Helena Maleno, da Caminando Fronteras, associação que ajuda os imigrantes.
Recentemente, a polícia espanhola em Ceuta e Melilha – dois enclaves espanhóis no norte marroquino – também vem lutando para conter os imigrantes que tentam invadir pelas cercas da fronteira. Em setembro, cerca de cem pessoas entraram em Melilha depois de derrubar a cerca e passarem por cima da polícia, deixando seis oficiais feridos.
No acidente nos arredores de Lampedusa, a maioria dos imigrantes vinha da Eritreia e da Somália, segundo autoridades italianas e das Nações Unidas. Quem viaja de barco para a Espanha, no entanto, costuma provir da África ocidental.
— Quase todo mundo agora afirma vir do Mali porque houve guerra por lá, o que os deixa confiantes de que ninguém pode mandá-los de volta — afirmou Manuel Ovidio, capitão da política militar espanhola.
Entrevistado em uma cela da polícia espanhola após ser resgatado no mar, Amadou Makalou, 34 anos, mostrou as bolhas nas mãos depois de horas remando. Ele contou ter deixado Bamako, capital do Mali, depois atravessou a Mauritânia antes de passar um mês em Tânger, Marrocos. Lá, ele fez uma vaquinha com seis outros malineses para comprar um barquinho.
Eles se esconderam em uma floresta durante horas antes de lançarem-se ao mar de uma praia vizinha, ao redor da 1h. Makalou contou que a família permaneceu em Bamako. Indagado se conhecia a taxa de desemprego espanhola, ele riu.
— Não pode ser pior do que no Mali. Os europeus querem nos assustar, mas não fazem a menor ideia do tipo de problema que deixamos para trás. —
THE NEW YORK TIMES NEWS SERVICE
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