Após o naufrágio de Lampedusa, em que morreram mais
de 300 imigrantes ilegais, olhamos a influência crescente da extrema-direita na
agenda política europeia
Na vila de Brignoles, no Su-deste de França,
joga-se este domingo uma parte do futuro da extrema-direita europeia. É bem
provável que seja eleito à segunda volta um candidato da Frente Nacional (FN)
de Marine Le Pen, num momento em que um quarto dos franceses se diz disposto a
votar neste partido para as eleições europeias de Maio de 2014. A força
política que rejeita a imigração muçulmana e a União Europeia tem cada vez mais
aceitação entre os franceses. Não é apenas bizarria gaulesa: há partidos
semelhantes noutros países europeus, que obtêm votações na casa dos 20% e que,
em maior ou menor grau, juntam a hostilidade à imigração ao discurso
anti-europeu.
O resultado de Brignoles será lido como uma
previsão de como a FN poderá dar-se nas eleições locais de Março - um passo
mais para a verdadeira ambição de Le Pen, que é dirigir o maior partido de
França e ser Presidente da República. Mas se o partido de extrema-direita
francês é o mais conhecido, no Reino Unido, Áustria e Holanda outros partidos
de extrema-direita que chegaram ao poder ou obtiveram votações que ameaçam os
partidos tradicionais têm posto na agenda política a restrição da imigração e a
retracção da integração europeia.
Veja-se a Áustria: Heinz Christian Strache, líder
do Partido da Liberdade Austríaco (FPÖ), fala do "poder desmesurado de
Bruxelas" e de uma "elite política que perdeu o contacto com a
população". Na campanha para as legislativas de 29 de Setembro, a palavra
de ordem foi "amor ao próximo" - desde que seja austríaco. Ficou em
terceiro lugar, com 21,4%, bastante perto do resultado dos dois partidos que
tradicionalmente dividem o poder na Áustria.
Strache, que também joga na
"desdiabolização", tal como Marine Le Pen, desenvolveu o tema
do heimat, sentimento de pertença à sua pátria e ao seu país, com
um rap cantado por ele próprio e uma banda desenhada em que
ele é o herói e os imigrantes turcos são o bombo da festa.
Em Itália, o partido que normalmente se associa ao
discurso anti-imigração é a Liga Norte. Mas quando há uma vaga de indignação
nacional com o naufrágio de Lampedusa e está a correr uma petição do
jornal La Repubblica com dezenas de milhares de assinaturas para
mudar a lei Bossi-Fini - que criou o delito de "clandestinidade" para
os imigrantes ilegais e tornou crime socorrer barcos com imigrantes em alto-mar
- quem produziu a nota dissonante mais forte foram Beppe Grillo e Roberto
Casaleggio, os gurus do Movimento 5 Estrelas (M5S).
Reagiram no seu blogue contra uma emenda
apresentada no Senado por dois senadores eleitos pelo próprio M5S,
chamando-lhes "Doutores Estranhoamor sem controlo". A emenda "é
um convite lançado aos migrantes de África e do Médio Oriente a embarcar para
Itália", afirmam. "Lampedusa está à beira da ruptura, a Itália não
está bem. Quantos imigrantes podemos acolher se um italiano em cada oito não
tem meios para comer?"
Este tipo de argumentação não seria mal vista no
Reino Unido, onde a imigração se tornou um dos temas mais importantes em 2007.
Uma sondagem IPSOS-Mori diz que 39% dos britânicos concordam com a afirmação de
que "os imigrantes prejudicam a recuperação económica ao ficarem com os
empregos". Além disso, 56% dos inquiridos consideram que o Reino Unido tem
"uma proporção mais elevada" de imigrantes do que outros países
europeus.
Quem tem lucrado com este descontentamento é o UKIP
(Partido da Independência do Reino Unido), cujos resultados têm disparado nas
eleições locais intercalares e nas sondagens. Mesmo sem deputados na Câmara dos
Comuns, este partido eurocéptico e contrário à imigração, liderado por um
astuto populista chamado Nigel Farage, tornou-se numa dor de cabeça para o
primeiro-ministro David Cameron.
Farage prometeu que provocará "um terramoto
político" nas eleições europeias de Maio de 2014 e o presidente da
Comissão Europeia, Durão Barroso, levou-o a sério: afirmou que o UKIP pode bem
ganhar as eleições, acusando os conservadores de Cameron de se estarem a tornar
"eurocépticos para tentarem obter vantagem eleitoral".
Crime romeno
No caso britânico, o papão é o imigrante de Leste.
Daí que no congresso do UKIP, em Setembro, Farage tenha alertado para a
"onda de crime romena" que garante estar a atingir o Reino Unido, e que
prevê que piore a partir de 2014 se Roménia e Bulgária entrarem plenamente no
espaço Schengen. Desde 2007 que estão em vigor na UE restrições temporárias à
movimentação de cidadãos destes países - só o podem fazer com passaporte.
Deviam terminar em Janeiro, mas cada país tem o direito de vetar a adesão de
outro à zona Schengen. Há Estados-membros, como a França, que querem manter
este controlo.
A ministra da Administração Interna de David
Cameron, Theresa May, desmentiu a "onda de crime romeno", chamando-lhe
"retórica do medo".
"Um terço dos crimes de Londres é cometido por
estrangeiros e cerca de um terço dos habitantes é estrangeiro", afirmou na
BBC. A Europol também desmentiu esta ideia, num comunicado em que disse ter
identificado 240 grupos de crime organizado romeno a actuar no espaço europeu -
cerca de 6,7% do total.
Mas, tal como Cameron acedeu a promover um
referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE a partir de 2017 - se ganhar
as próximas eleições -, May anunciou um pacote legislativo com o objectivo de
criar "um ambiente hostil" para imigrantes ilegais.
Está em estudo a saída de Londres da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos - para evitar que, nos cerca de 70 mil pedidos
anuais de asilo recebidos por Londres, sejam invocadas estas disposições. Ou,
nas palavras da ministra, que haja "abusos".
Apresentado na quinta-feira, o novo pacote
legislativo inclui a exigência de que imigrantes temporários, como estudantes
estrangeiros, paguem uma "contribuição" para o Sistema Nacional de
Saúde no valor de 200 libras (cerca de 235 euros), para desencorajar aquilo a
que a governante chama "turismo de saúde" - estrangeiros que
beneficiam do sistema britânico de cuidados médicos.
Aos senhorios, passará a ser exigido que comprovem
se os seus inquilinos estão legalizados - se não o fizerem, podem incorrer em
3000 libras de multa (3500 euros). A proposta está a ser criticada, porque pode
aumentar o risco de os imigrantes não arranjarem alojamento, e por promover a
discriminação.
Medos franceses
Em França, os cerca de 20 mil ciganos imigrantes da
Roménia e da Bulgária tornaram-se um bode expiatório. Se com o Governo de
direita de Nicolas Sarkozy eram escorraçados dos acampamentos e conduzidos à
fronteira, acusados de furtos e outros crimes, com o Governo socialista de
François Hollande passa-se a mesma coisa, ainda que a Comissão Europeia tenha
avisado Paris de que a situação não pode continuar.
O ministro do Interior francês, Manuel Valls,
afirmou que só uma minoria de famílias ciganas deseja de facto integrar-se. As
suas palavras geraram grande polémica, mas encontraram eco em 93% dos
franceses.
"O ministro refere-se aos projectos de
inserção, que dizem respeito, de facto, a poucas famílias. Mas esquece-se de
uma coisa: muitas vezes, enquanto são feitos os diagnósticos sociais para
identificar as famílias que desejam integrar-se o campo onde estão é evacuado e
as famílias são dispersas. Mas não porque recusem integrar-se", comentou
ao Libération Michael Ghet, especialista que trabalha no
gabinete do representante especial para as questões dos ciganos no Conselho da
Europa. "Ao procedermos à sua expulsão sistemática, fabricamos "os
ciganos" como exemplo de sub-humanidade", escreve o filósofo André
Glucksmann no mesmo jornal, revoltando-se contra "esta crise de loucura
geral."
Quem tem beneficiado de todo este mal-estar, a que
se juntam a crise económica, o desemprego e os cortes para tentar equilibrar as
contas francesa, tem sido a Frente Nacional de Marine Le Pen, que segue uma
estratégia de crescimento sustentada para ser mais do que um simples partido de
protesto.
É uma força política contra o sistema, contra o PS
e contra a UMP, o grande partido do centro-direita francês. "Apresenta um
espelho no qual [as classes mais baixas e média] reconhecem a sua experiência
social: a fragilidade dos laços sociais, o aumento da vulnerabilidade, a
imprevisibilidade do amanhã. A crítica que fazem à UMP e ao PS de serem surdos
a esta destruição da sua vida quotidiana", notou em entrevista ao Le
Monde o sociólogo Alain Mergier.
·
Nenhum comentário:
Postar um comentário