O Brasil é um país
que, desde a época da escravidão, atrai estrangeiros para trabalhar em suas
terras. É o caso das comunidades de italianos e alemães que foram trazidos para
“embranquecer” e, por isso, melhorar, qualitativamente, o trabalho nos cafezais
e lavouras. As migrações entre Estados também são comuns, como no caso de
nordestinos que vão para o eixo Rio de Janeiro/São Paulo ou maranhenses que vêm
para o Pará, em ambos os casos, buscando melhores padrões de vida.
A migração também
acontece do Brasil em direção a outros países e foi sobre esse tipo de
deslocamento que a doutoranda em Ciências Sociais da Universidade Federal do
Pará, Rosiane Martins, escolheu pesquisar em sua tese. O trabalho de Rosiane é
mais especificamente voltado para as migrações de brasileiros em direção à
Guiana Francesa, departamento ultramarino da França, localizado no extremo
norte do Brasil.
“Esse projeto de
doutorado tenta entender como funciona o fluxo de pessoas e de mercadorias para
a Guiana Francesa - que acontece principalmente de forma clandestina - pois ele
contribui para fomentar a economia no Estado do Amapá e alimenta a economia de
vários Estados do mundo inteiro, porque a Guiana atrai imigrantes de vários lugares:
asiáticos, africanos, sul-americanos e europeus”, explica Rosiane.
As pesquisas são
feitas em diferentes lugares do Departamento, desde as áreas de fronteira até o
Mercado Central e a Feira Central de Caiena, capital da Guiana, e estendem-se
já desde 2005, quando Rosiane defendeu o seu Trabalho de Conclusão de Curso
sobre o tema e, posteriormente, a sua Dissertação. Na metodologia, a estudante
faz pesquisas documentais, teóricas e entrevistas com migrantes que estão na
Guiana, alguns, há mais de 30 anos.
Rosiane estima ter
entrevistado mais de 50 pessoas tanto nas fronteiras quanto em locais como
boates e praças. “Os entrevistados fixos ficaram em torno de 50, em seis casas
diferentes, cada uma com média de 8 a 15 moradores, divididos entre crianças e
adultos. Houve outros migrantes entrevistados uma ou mais vezes em boates,
praias, festas, praças e em trânsito nas áreas de fronteiras, entretanto esses
não são possíveis contabilizar.”
A naturalidade dos
migrantes é variada. Podem ser amapaenses, paraenses, maranhenses, mas a
principal fronteira de entrada na Guiana é pelo Oiapoque, ponto mais alto do
Brasil. Segundo Rosiane, o motivo mais alegado para a viagem ao outro país é a
tentativa de aumentar a renda para sustentar a família remanescente no Brasil.
Migrantes do Brasil
assumem postos na construção civil
Quanto à ideia da
migração, Rosiane diz surgir de outras pessoas que já estão no país. “Quem vive
nessas fronteiras e segue para a Guiana leva seus produtos justamente porque
pessoas do seu país, que vivem ali, precisam disso. Existem brasileiros que vão
de Belém e de Macapá, levam comida, sandálias, roupas e entram clandestinamente
no departamento, ou pelo mar, ou pela estrada”.
Juntamente com os
produtos, também vão as culturas de cada um dos migrantes, o que faz com que a
feira seja mais um espaço multicultural. Entretanto os grupos de migrantes se
classificam e assumem territorialidades: os brasileiros são identificados como
trabalhadores da construção civil; os migrantes do Haiti são varredores de rua
e os próprios franceses “brancos metropolitanos”, trabalhadores do governo,
“[...], mas todos trabalham no mesmo ponto e aí você encontra uma diversidade
imensa. Ao mesmo tempo em que essa diversidade é designada pelo governo francês
como um mosaico de populações, um espaço onde realmente se vê o lema da
bandeira francesa [Igualdade, Liberdade e Fraternidade], podemos perceber que é
um espaço territorializado, um espaço de conflito que não é um mercado apenas
de comercialização, mas sim um lugar de alteridade”, analisa Rosiane.
Os conflitos são
grandes e um dos principais é com a ilegalidade. A maior parte dos migrantes
brasileiros na Guiana entrou de forma clandestina. Quando já estão no país,
eles encontram maneiras de contornar essa clandestinidade: alguns se casam com
cidadãos franceses ou assumem filhos de franceses para conseguir os documentos
de moradia.
Esses documentos
provisórios também podem ser conseguidos para trabalho. Nestes casos, os
migrantes devem apresentar, periodicamente, para as autoridades francesas
provas de que ainda estão trabalhando no país, já aprenderam ou estão estudando
a língua local. Caso não preencham essas e outras exigências, o documento de
residência no país não é renovado e a pessoa volta a ser clandestina.
De acordo com
Rosiane, o monitoramento é bastante forte e é frequente ver, nas ruas de Caiena
carros de polícia levando imigrantes ilegais para deportação. “Ainda assim a
população de migrantes é grande e eles dizem que, se, hoje, forem presos e
deportados, amanhã, dão um jeito de voltar a entrar clandestinamente no país,
porque precisam recuperar o dinheiro perdido, o que eles deixaram, então,
existe a necessidade de voltar”.
Travessia ajuda os
familiares que residem na fronteira
As relações dos
imigrantes com os seus familiares que ficaram no Brasil também mudam, conta
Rosiane Martins. Segundo ela, essas pessoas passam a ser visitas dentro de
casa, pois a distância e o tempo longe fazem com que elas se tornem quase
estranhas para seus familiares. Alguns migrantes, mesmo continuando a mandar o
dinheiro, constroem outras famílias na Guiana. “Muitos deles dizem que não
conhecem mais a sua família. Então, o dinheiro deles é necessário, mas a
presença constante já não é mais tão agradável. Outros acabam se envolvendo com
drogas - o crack é uma das drogas mais comuns lá - e esquecem
a família aqui, no Brasil. São poucos que mantêm esse vínculo e conseguem
voltar para o espaço da casa como um lugar agradável”, explica.
Ao longo de todo esse
processo migratório, novas identidades e novos agrupamentos de pessoas acabam
surgindo. Os clandestinos, por exemplo, autointitulam-se "clandecos".
Segundo Rosiane, um "clandeco" não é apenas um brasileiro, mas é o
brasileiro clandestino, que se diferencia do legal, pois pode ser deportado a
qualquer momento. “Ele está num outro espaço, ele está num outro lugar. Eles se
dizem clandecos no trecho, que é esse lugar transitório onde eles vivem. São
várias identidades acionadas de acordo com a situação e o momento pelo qual
eles estão passando”.
A identidade nacional
também é alterada por causa desses fluxos migratórios. Os brasileiros não são
vistos na Guiana como dançarinos de samba, o Brasil não é o país do carnaval,
da bossa nova e das mulatas. Lá, a música de brasileiro é o techno brega, a banda
brasileira é o Calypso, as mulheres daqui se vestem de maneira mais sensual, o
biótipo do brasileiro é aquele das pessoas que vêm do Norte. “Existem esses
estereótipos do que é ser brasileiro. Tem também a identidade do latino, quando
em oposição a um africano ou a um asiático, por exemplo,” acrescenta Rosiane.
Em suma, de acordo
com Rosiane, apenas 25% dos imigrantes entrevistados por ela conseguiram, de
fato, uma vida melhor na Guiana Francesa. Entretanto a migração não subsidia
apenas aqueles que viajam, mas também aqueles que moram às margens da rota de
migração e, a partir dela, tiram seu sustento abrindo lojas, hotéis,
supermercado, mercearias, “todos à beira da estrada e só existem por causa da
migração”, finaliza.
Conheça a rota da
imigração para a Guiana Francesa
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Para conseguir imigrar clandestinamente à Guiana Francesa, os
brasileiros precisam enfrentar uma verdadeira aventura na selva. Em primeiro
lugar, é preciso chegar ao Oiapoque, o que, por si só, já é uma aventura, como
conta Rosiane Martins, que realizou a travessia em uma de suas pesquisas de
campo.
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A cidade fica a 566 quilômetros de Macapá, capital do Amapá. Aqueles que
procuram a imigração precisam chegar à capital do Estado e, de lá, pegar um
ônibus para o extremo norte do Brasil. De acordo com Rosiane, a estrada que
leva ao Oiapoque tem um trecho de aproximadamente 160 km de estrada de terra e
bastante acidentada, o que faz com que a viagem chegue a durar mais de 10
horas.
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Nem todas as pessoas que fazem o percurso têm o objetivo de chegar à
Caiena. Homens e mulheres vão para trabalhar em garimpos que existem em outras
cidades do Departamento, as mulheres, muitas vezes, vão trabalhar como
cozinheiras, comerciantes ou prostitutas nestes garimpos.
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Após chegarem à cidade do Oiapoque, o destino é incerto, pois embora as
pessoas estejam cercadas pelo suporte dado por suas redes sociais e
migratórias, elas não têm a travessia programada. Lá, elas são auxiliadas por
algum “atravessador” por meio de breves acertos geralmente feitos às margens do
rio que separa o Brasil do departamento francês.
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A travessia acontece de barco para Saint-Georges do Oyapoque, primeira
cidade da Guiana Francesa. Desta cidade até Caiena, que fica no litoral norte
da Guiana, o caminho é feito a pé, atravessando floresta densa. “São horas de
caminhada. Existem pessoas que se perdem pelo caminho e é comum ouvir histórias
sobre alguns que morreram atravessando a mata ou o oceano, em um processo de
travessia que se assemelha a outros ocorridos na fronteira com os EUA, e países
europeus”, explica Rosiane.
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Esse caminho não é feito apenas uma vez por muitos dos imigrantes.
Rosiane diz conhecer um senhor que, no espaço de um ano, chegou a ser deportado
da Guiana Francesa 10 vezes.
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“Assim, o movimento de travessia é repleto de histórias de vida e morte
encontradas ao longo da fronteira. O migrante antevê um quadro de dificuldades
que, possivelmente, serão encontradas durante a vida ou até que ele consiga
estabelecer-se”, analisa a doutoranda Rosiane Martins.
por Dilermando Gadelha
É lamentável! o nosso país tão rico e de extensão territorial continental ver alguns brasileiros oriun-
ResponderExcluirdos de uma Amazônia cheia de riquezas imigrarem para uma região estrangeira tão insignificante.
Pode ser,talvez,fruto da miséria dos locais onde vivem,ou seja,carentes de infraestrutura,educação,
saúde,saneamento etc.O garimpo é lugar,normalmente,dos excluídos da sociedade.
Não podemos comparar a Guiana Francesa com o Estado do Amapá,por sua vez,estado brasileiro
rico em minerais,possuidor de um próspero porto , tendo uma capital Macapá bastante superior como
cidade,ou seja,no tocante ao comércio,grandes shoppings centers,indústrias,rede bancária,empregos
etc.Cayena gira em torno da base espacial e está perdida no tempo há muitas décadas.