segunda-feira, 25 de março de 2013

Processos migratórios de brasileiros para a Guiana Francesa instigam pesquisa



O Brasil é um país que, desde a época da escravidão, atrai estrangeiros para trabalhar em suas terras. É o caso das comunidades de italianos e alemães que foram trazidos para “embranquecer” e, por isso, melhorar, qualitativamente, o trabalho nos cafezais e lavouras. As migrações entre Estados também são comuns, como no caso de nordestinos que vão para o eixo Rio de Janeiro/São Paulo ou maranhenses que vêm para o Pará, em ambos os casos, buscando melhores padrões de vida.
A migração também acontece do Brasil em direção a outros países e foi sobre esse tipo de deslocamento que a doutoranda em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará, Rosiane Martins, escolheu pesquisar em sua tese. O trabalho de Rosiane é mais especificamente voltado para as migrações de brasileiros em direção à Guiana Francesa, departamento ultramarino da França, localizado no extremo norte do Brasil.
“Esse projeto de doutorado tenta entender como funciona o fluxo de pessoas e de mercadorias para a Guiana Francesa - que acontece principalmente de forma clandestina - pois ele contribui para fomentar a economia no Estado do Amapá e alimenta a economia de vários Estados do mundo inteiro, porque a Guiana atrai imigrantes de vários lugares: asiáticos, africanos, sul-americanos e europeus”, explica Rosiane.
As pesquisas são feitas em diferentes lugares do Departamento, desde as áreas de fronteira até o Mercado Central e a Feira Central de Caiena, capital da Guiana, e estendem-se já desde 2005, quando Rosiane defendeu o seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre o tema e, posteriormente, a sua Dissertação. Na metodologia, a estudante faz pesquisas documentais, teóricas e entrevistas com migrantes que estão na Guiana, alguns, há mais de 30 anos.
Rosiane estima ter entrevistado mais de 50 pessoas tanto nas fronteiras quanto em locais como boates e praças. “Os entrevistados fixos ficaram em torno de 50, em seis casas diferentes, cada uma com média de 8 a 15 moradores, divididos entre crianças e adultos. Houve outros migrantes entrevistados uma ou mais vezes em boates, praias, festas, praças e em trânsito nas áreas de fronteiras, entretanto esses não são possíveis contabilizar.”
A naturalidade dos migrantes é variada. Podem ser amapaenses, paraenses, maranhenses, mas a principal fronteira de entrada na Guiana é pelo Oiapoque, ponto mais alto do Brasil. Segundo Rosiane, o motivo mais alegado para a viagem ao outro país é a tentativa de aumentar a renda para sustentar a família remanescente no Brasil.
Migrantes do Brasil assumem postos na construção civil
Quanto à ideia da migração, Rosiane diz surgir de outras pessoas que já estão no país. “Quem vive nessas fronteiras e segue para a Guiana leva seus produtos justamente porque pessoas do seu país, que vivem ali, precisam disso. Existem brasileiros que vão de Belém e de Macapá, levam comida, sandálias, roupas e entram clandestinamente no departamento, ou pelo mar, ou pela estrada”.
Juntamente com os produtos, também vão as culturas de cada um dos migrantes, o que faz com que a feira seja mais um espaço multicultural. Entretanto os grupos de migrantes se classificam e assumem territorialidades: os brasileiros são identificados como trabalhadores da construção civil; os migrantes do Haiti são varredores de rua e os próprios franceses “brancos metropolitanos”, trabalhadores do governo, “[...], mas todos trabalham no mesmo ponto e aí você encontra uma diversidade imensa. Ao mesmo tempo em que essa diversidade é designada pelo governo francês como um mosaico de populações, um espaço onde realmente se vê o lema da bandeira francesa [Igualdade, Liberdade e Fraternidade], podemos perceber que é um espaço territorializado, um espaço de conflito que não é um mercado apenas de comercialização, mas sim um lugar de alteridade”, analisa Rosiane.
Os conflitos são grandes e um dos principais é com a ilegalidade. A maior parte dos migrantes brasileiros na Guiana entrou de forma clandestina. Quando já estão no país, eles encontram maneiras de contornar essa clandestinidade: alguns se casam com cidadãos franceses ou assumem filhos de franceses para conseguir os documentos de moradia.
Esses documentos provisórios também podem ser conseguidos para trabalho. Nestes casos, os migrantes devem apresentar, periodicamente, para as autoridades francesas provas de que ainda estão trabalhando no país, já aprenderam ou estão estudando a língua local. Caso não preencham essas e outras exigências, o documento de residência no país não é renovado e a pessoa volta a ser clandestina.
De acordo com Rosiane, o monitoramento é bastante forte e é frequente ver, nas ruas de Caiena carros de polícia levando imigrantes ilegais para deportação. “Ainda assim a população de migrantes é grande e eles dizem que, se, hoje, forem presos e deportados, amanhã, dão um jeito de voltar a entrar clandestinamente no país, porque precisam recuperar o dinheiro perdido, o que eles deixaram, então, existe a necessidade de voltar”.
Travessia ajuda os familiares que residem na fronteira
As relações dos imigrantes com os seus familiares que ficaram no Brasil também mudam, conta Rosiane Martins. Segundo ela, essas pessoas passam a ser visitas dentro de casa, pois a distância e o tempo longe fazem com que elas se tornem quase estranhas para seus familiares. Alguns migrantes, mesmo continuando a mandar o dinheiro, constroem outras famílias na Guiana. “Muitos deles dizem que não conhecem mais a sua família. Então, o dinheiro deles é necessário, mas a presença constante já não é mais tão agradável. Outros acabam se envolvendo com drogas - o crack é uma das drogas mais comuns lá - e esquecem a família aqui, no Brasil. São poucos que mantêm esse vínculo e conseguem voltar para o espaço da casa como um lugar agradável”, explica.
Ao longo de todo esse processo migratório, novas identidades e novos agrupamentos de pessoas acabam surgindo. Os clandestinos, por exemplo, autointitulam-se "clandecos". Segundo Rosiane, um "clandeco" não é apenas um brasileiro, mas é o brasileiro clandestino, que se diferencia do legal, pois pode ser deportado a qualquer momento. “Ele está num outro espaço, ele está num outro lugar. Eles se dizem clandecos no trecho, que é esse lugar transitório onde eles vivem. São várias identidades acionadas de acordo com a situação e o momento pelo qual eles estão passando”.
A identidade nacional também é alterada por causa desses fluxos migratórios. Os brasileiros não são vistos na Guiana como dançarinos de samba, o Brasil não é o país do carnaval, da bossa nova e das mulatas. Lá, a música de brasileiro é o techno brega, a banda brasileira é o Calypso, as mulheres daqui se vestem de maneira mais sensual, o biótipo do brasileiro é aquele das pessoas que vêm do Norte. “Existem esses estereótipos do que é ser brasileiro. Tem também a identidade do latino, quando em oposição a um africano ou a um asiático, por exemplo,” acrescenta Rosiane.
Em suma, de acordo com Rosiane, apenas 25% dos imigrantes entrevistados por ela conseguiram, de fato, uma vida melhor na Guiana Francesa. Entretanto a migração não subsidia apenas aqueles que viajam, mas também aqueles que moram às margens da rota de migração e, a partir dela, tiram seu sustento abrindo lojas, hotéis, supermercado, mercearias, “todos à beira da estrada e só existem por causa da migração”, finaliza.
Conheça a rota da imigração para a Guiana Francesa
·         Para conseguir imigrar clandestinamente à Guiana Francesa, os brasileiros precisam enfrentar uma verdadeira aventura na selva. Em primeiro lugar, é preciso chegar ao Oiapoque, o que, por si só, já é uma aventura, como conta Rosiane Martins, que realizou a travessia em uma de suas pesquisas de campo.
·         A cidade fica a 566 quilômetros de Macapá, capital do Amapá. Aqueles que procuram a imigração precisam chegar à capital do Estado e, de lá, pegar um ônibus para o extremo norte do Brasil. De acordo com Rosiane, a estrada que leva ao Oiapoque tem um trecho de aproximadamente 160 km de estrada de terra e bastante acidentada, o que faz com que a viagem chegue a durar mais de 10 horas.
·         Nem todas as pessoas que fazem o percurso têm o objetivo de chegar à Caiena. Homens e mulheres vão para trabalhar em garimpos que existem em outras cidades do Departamento, as mulheres, muitas vezes, vão trabalhar como cozinheiras, comerciantes ou prostitutas nestes garimpos.
·         Após chegarem à cidade do Oiapoque, o destino é incerto, pois embora as pessoas estejam cercadas pelo suporte dado por suas redes sociais e migratórias, elas não têm a travessia programada. Lá, elas são auxiliadas por algum “atravessador” por meio de breves acertos geralmente feitos às margens do rio que separa o Brasil do departamento francês.
·         A travessia acontece de barco para Saint-Georges do Oyapoque, primeira cidade da Guiana Francesa. Desta cidade até Caiena, que fica no litoral norte da Guiana, o caminho é feito a pé, atravessando floresta densa. “São horas de caminhada. Existem pessoas que se perdem pelo caminho e é comum ouvir histórias sobre alguns que morreram atravessando a mata ou o oceano, em um processo de travessia que se assemelha a outros ocorridos na fronteira com os EUA, e países europeus”, explica Rosiane.
·         Esse caminho não é feito apenas uma vez por muitos dos imigrantes. Rosiane diz conhecer um senhor que, no espaço de um ano, chegou a ser deportado da Guiana Francesa 10 vezes.
·         “Assim, o movimento de travessia é repleto de histórias de vida e morte encontradas ao longo da fronteira. O migrante antevê um quadro de dificuldades que, possivelmente, serão encontradas durante a vida ou até que ele consiga estabelecer-se”, analisa a doutoranda Rosiane Martins.

por Dilermando Gadelha

Um comentário:

  1. É lamentável! o nosso país tão rico e de extensão territorial continental ver alguns brasileiros oriun-
    dos de uma Amazônia cheia de riquezas imigrarem para uma região estrangeira tão insignificante.
    Pode ser,talvez,fruto da miséria dos locais onde vivem,ou seja,carentes de infraestrutura,educação,
    saúde,saneamento etc.O garimpo é lugar,normalmente,dos excluídos da sociedade.
    Não podemos comparar a Guiana Francesa com o Estado do Amapá,por sua vez,estado brasileiro
    rico em minerais,possuidor de um próspero porto , tendo uma capital Macapá bastante superior como
    cidade,ou seja,no tocante ao comércio,grandes shoppings centers,indústrias,rede bancária,empregos
    etc.Cayena gira em torno da base espacial e está perdida no tempo há muitas décadas.

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