terça-feira, 19 de março de 2013

Trabalhadores Imigrantes: um fluxo difícil de interromper


Reforma do governo americano pretende reduzir o atual número de 11 milhões de imigrantes ilegais
A reforma da imigração proposta pelos Estados Unidos consiste em colocar em prática políticas que forneçam estímulos e punições para diminuir significativamente, ou até mesmo eliminar novas ondas de imigrantes ilegais extremamente mal qualificados, com o objetivo de reduzir o atual número de 11 milhões de trabalhadores ilegais.
Existem sérias razões para se duvidar de que uma anistia possa trazer melhores resultados que a de 1986, no contexto da Lei de Controle e Reforma da Imigração, quando apenas metade dos 6 milhões de trabalhadores sem documentos tirou proveito da situação.
Propostas que surgiram separadamente de um grupo bipartidário de oito senadores e do presidente Barack Obama sugerem que um programa de trabalhadores estrangeiros convidados seja criado como forma de eliminar novos fluxos de imigrantes ilegais, mas há poucas chances de que isso se concretize.
Os defensores da medida afirmam que o programa de trabalhadores convidados teria duas consequências positivas em relação à imigração ilegal: em primeiro lugar, os estrangeiros seriam apenas "temporários", partindo-se do princípio de que o programa poderia ser interrompido e de que os trabalhadores poderiam até mesmo ser reenviados para seus países natais. Ainda assim, trabalhadores, empregadores, colegas de trabalho e comunidades acreditam que esse tipo de sistema ajude a fomentar relacionamentos que farão com que os trabalhadores temporários se tornem permanentes. Em segundo lugar, líderes políticos partem do princípio de que os trabalhadores convidados irão reduzir e até mesmo eliminar o fluxo de ilegais.
Ambas as possibilidades são inverossímeis e têm boas chances de fracassar.
A noção de que um país do tamanho dos Estados Unidos, com histórico de adoção de imigrantes, possa manter imigrantes em caráter temporário e então mandá-los de volta para casa ao final de seus contratos é uma afronta às experiências concretas de qualquer programa envolvendo trabalhadores convidados. No programa alemão de "gastarbeiter", os contratos eram bem específicos em relação ao fato de que os trabalhadores precisariam deixar o país assim que fossem demitidos. Contudo, após uma profunda recessão, até mesmo as autoridades alemãs – que seguem as regras radicalmente à risca – não se sentiram à vontade em mandar os trabalhadores de volta para casa. Os Estados Unidos, com sua liderança histórica no que diz respeito aos direitos humanos de imigrantes, têm ainda mais chances de fazerem o mesmo.
Além disso, os políticos priorizariam essa tendência. Afinal, é pouco provável que mexicanos temporários e outros trabalhadores da América Latina fossem mandados para fora do país sem que ocorressem protestos da influente comunidade hispânica, nem sem agitar o número cada vez maior de ONGs que se opõem às deportações. O sucesso da comunidade hispânica na prevenção das deportações ou da dispensa de trabalhadores estrangeiros temporários também geraria pressão e ativismo político em outras comunidades.
Algumas pessoas, entre as quais o sociólogo Alejandro Portes, de Princeton, sugerem que a "saída voluntária" de imigrantes temporários poderia ser induzida por meio do uso de parte do valor deduzido em folha para contribuir com a Previdência Social – ou cerca de 1.000 dólares ao ano para trabalhadores com salário mínimo na Califórnia – para a criação de uma poupança que seria liberada aos trabalhadores apenas depois que retornassem a seus países de origem. Isso seria uma verdadeira política de deportação com benefícios.
Independentemente do fato de que trabalhadores temporários possam ter acesso ao visto de permanência, a ideia de que aumentar o número de migrantes legais possa reduzir o número de migrantes ilegais que tentam entrar no país é muito problemática.
Em primeiro lugar, especialistas em imigração compreendem que mais imigrantes legais levam, paradoxalmente, a um aumento no número de imigrantes ilegais. Afinal, imigrantes legais garantem a existência de comunidades, empregos e abrigo para imigrantes ilegais, o que reduz o risco da migração.
Em segundo lugar, a despeito de seu número cada vez menor, os sindicatos não aprovam a chegada de grandes contingentes de trabalhadores convidados. Recentemente, a Câmara de Comércio e a AFL-CIO adotaram a ideia de que o número de trabalhadores convidados deveria ser determinado por um comitê do qual os sindicatos possam participar. Será que alguém pode ser tão ingênuo a ponto de duvidar que o efeito seria o de dar poder de veto aos sindicados, com o objetivo de manter baixo o número de imigrantes convidados?
Se o número de imigrantes legalizados não puder aumentar, de que forma isso ajudaria a reduzir o influxo de imigrantes ilegais? O problema é que os Estados Unidos atraem tantos imigrantes de todo o planeta que sempre haverá um fluxo contínuo de trabalhadores sem documentos, a menos que as restrições migratórias desapareçam. Os observadores não devem se enganar pela atual calmaria na fronteira do Rio Grande. O baixo fluxo de migrantes ilegais reflete mais a recessão do que qualquer política que esteja sendo colocada em prática. Seja como for, 45 por cento do fluxo de trabalhadores ilegais consiste de pessoas que entraram por vias legais e permaneceram ilegalmente.
Enquanto os Estados Unidos impuserem restrições e o país continuar a ser um dos principais destinos migratórios do planeta, é impossível reduzir o influxo de trabalhadores ilegais por meio do acréscimo insignificante no número de trabalhadores que entram legalmente com a ajuda de programas de trabalho temporário.
Ao invés de fingir que é possível reduzir o número de imigrantes ilegais, ou muito menos acabar com essa tendência por meio de programas insignificantes que trazem mais imigrantes desqualificados, os reformistas deveriam melhorar a forma como esses programas são projetados. Na prática, ligar a presença dos trabalhadores convidados a empregos específicos os transforma em escravos, incapazes de conquistar direitos ou de fazer reclamações pelas vias legais, o que é muito perigoso, já que podem ser ameaçados com a dispensa e, portanto, com a deportação.
O relatório "Close to Slavery: Guestworker Programs in the United States", publicado em fevereiro pelo Southern Poverty Law Center, detalha as violações de direitos humanos que afligem trabalhadores estrangeiros temporários nos Estados Unidos. A mobilidade é fundamental, ao menos dentro de setores mais amplos.
Os programas deveriam estar abertos à competição justa entre cidadãos de países estrangeiros, conforme pedido pelo presidente John F. Kennedy em junho de 1963, quando afirmou que a cota existente era "intolerável". A Lei de Migração e Naturalização, de 1965, foi aprovada após sua morte por ampla maioria na Câmara e no Senado, abolindo o sistema de cotas e substituindo-o por limites por país, com ênfase para familiares, habilidades desejadas e refugiados. As mudanças trouxeram uma nova onda de migrantes vindos da Ásia.
Por enquanto, os políticos estão se concentrando nos hispânicos por conta de seu poder eleitoral, mas esquecer as outras comunidades étnicas é o mesmo que deixar de lado os valores não discriminatórios dos Estados Unidos.
(Jagdish Bhagwati é professor de economia, direito e relações internacionais na Universidade de Columbia, em Nova York, além de pesquisador sênior de economia internacional no Conselho de Relações Internacionais, com sede em Washington.)


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