Reforma
do governo americano pretende reduzir o atual número de 11
milhões de imigrantes ilegais
A reforma da imigração proposta pelos
Estados Unidos consiste em colocar em prática políticas que forneçam estímulos
e punições para diminuir significativamente, ou até mesmo eliminar novas ondas
de imigrantes ilegais extremamente mal qualificados, com o objetivo de reduzir
o atual número de 11 milhões de trabalhadores ilegais.
Existem sérias razões para se duvidar
de que uma anistia possa trazer melhores resultados que a de 1986, no contexto
da Lei de Controle e Reforma da Imigração, quando apenas metade dos 6 milhões
de trabalhadores sem documentos tirou proveito da situação.
Propostas que surgiram separadamente de
um grupo bipartidário de oito senadores e do presidente Barack Obama sugerem
que um programa de trabalhadores estrangeiros convidados seja criado como forma
de eliminar novos fluxos de imigrantes ilegais, mas há poucas chances de que
isso se concretize.
Os defensores da medida afirmam que o
programa de trabalhadores convidados teria duas consequências positivas em
relação à imigração ilegal: em primeiro lugar, os estrangeiros seriam apenas
"temporários", partindo-se do princípio de que o programa poderia ser
interrompido e de que os trabalhadores poderiam até mesmo ser reenviados para
seus países natais. Ainda assim, trabalhadores, empregadores, colegas de
trabalho e comunidades acreditam que esse tipo de sistema ajude a fomentar
relacionamentos que farão com que os trabalhadores temporários se tornem permanentes.
Em segundo lugar, líderes políticos partem do princípio de que os trabalhadores
convidados irão reduzir e até mesmo eliminar o fluxo de ilegais.
Ambas as possibilidades são
inverossímeis e têm boas chances de fracassar.
A noção de que um país do tamanho dos
Estados Unidos, com histórico de adoção de imigrantes, possa manter imigrantes
em caráter temporário e então mandá-los de volta para casa ao final de seus
contratos é uma afronta às experiências concretas de qualquer programa
envolvendo trabalhadores convidados. No programa alemão de
"gastarbeiter", os contratos eram bem específicos em relação ao fato
de que os trabalhadores precisariam deixar o país assim que fossem demitidos.
Contudo, após uma profunda recessão, até mesmo as autoridades alemãs – que
seguem as regras radicalmente à risca – não se sentiram à vontade em mandar os
trabalhadores de volta para casa. Os Estados Unidos, com sua liderança
histórica no que diz respeito aos direitos humanos de imigrantes, têm ainda
mais chances de fazerem o mesmo.
Além disso, os políticos priorizariam
essa tendência. Afinal, é pouco provável que mexicanos temporários e outros
trabalhadores da América Latina fossem mandados para fora do país sem que
ocorressem protestos da influente comunidade hispânica, nem sem agitar o número
cada vez maior de ONGs que se opõem às deportações. O sucesso da comunidade
hispânica na prevenção das deportações ou da dispensa de trabalhadores
estrangeiros temporários também geraria pressão e ativismo político em outras
comunidades.
Algumas pessoas, entre as quais o
sociólogo Alejandro Portes, de Princeton, sugerem que a "saída
voluntária" de imigrantes temporários poderia ser induzida por meio do uso
de parte do valor deduzido em folha para contribuir com a Previdência Social – ou
cerca de 1.000 dólares ao ano para trabalhadores com salário mínimo na
Califórnia – para a criação de uma poupança que seria liberada aos
trabalhadores apenas depois que retornassem a seus países de origem. Isso seria
uma verdadeira política de deportação com benefícios.
Independentemente do fato de que
trabalhadores temporários possam ter acesso ao visto de permanência, a ideia de
que aumentar o número de migrantes legais possa reduzir o número de migrantes
ilegais que tentam entrar no país é muito problemática.
Em primeiro lugar, especialistas
em imigração compreendem que mais imigrantes legais levam, paradoxalmente, a um
aumento no número de imigrantes ilegais. Afinal, imigrantes legais garantem a
existência de comunidades, empregos e abrigo para imigrantes ilegais, o que
reduz o risco da migração.
Em segundo lugar, a despeito de seu
número cada vez menor, os sindicatos não aprovam a chegada de grandes
contingentes de trabalhadores convidados. Recentemente, a Câmara de Comércio e
a AFL-CIO adotaram a ideia de que o número de trabalhadores convidados deveria
ser determinado por um comitê do qual os sindicatos possam participar. Será que
alguém pode ser tão ingênuo a ponto de duvidar que o efeito seria o de dar
poder de veto aos sindicados, com o objetivo de manter baixo o número de
imigrantes convidados?
Se o número de imigrantes legalizados
não puder aumentar, de que forma isso ajudaria a reduzir o influxo de
imigrantes ilegais? O problema é que os Estados Unidos atraem tantos imigrantes
de todo o planeta que sempre haverá um fluxo contínuo de trabalhadores sem
documentos, a menos que as restrições migratórias desapareçam. Os observadores
não devem se enganar pela atual calmaria na fronteira do Rio Grande. O baixo
fluxo de migrantes ilegais reflete mais a recessão do que qualquer política que
esteja sendo colocada em prática. Seja como for, 45 por cento do fluxo de
trabalhadores ilegais consiste de pessoas que entraram por vias legais e
permaneceram ilegalmente.
Enquanto os Estados Unidos impuserem
restrições e o país continuar a ser um dos principais destinos migratórios do
planeta, é impossível reduzir o influxo de trabalhadores ilegais por meio do
acréscimo insignificante no número de trabalhadores que entram legalmente com a
ajuda de programas de trabalho temporário.
Ao invés de fingir que é possível
reduzir o número de imigrantes ilegais, ou muito menos acabar com essa
tendência por meio de programas insignificantes que trazem mais imigrantes
desqualificados, os reformistas deveriam melhorar a forma como esses programas
são projetados. Na prática, ligar a presença dos trabalhadores convidados a
empregos específicos os transforma em escravos, incapazes de conquistar
direitos ou de fazer reclamações pelas vias legais, o que é muito perigoso, já
que podem ser ameaçados com a dispensa e, portanto, com a deportação.
O relatório "Close to Slavery:
Guestworker Programs in the United States", publicado em fevereiro pelo
Southern Poverty Law Center, detalha as violações de direitos humanos que
afligem trabalhadores estrangeiros temporários nos Estados Unidos. A mobilidade
é fundamental, ao menos dentro de setores mais amplos.
Os programas deveriam estar abertos à
competição justa entre cidadãos de países estrangeiros, conforme pedido pelo
presidente John F. Kennedy em junho de 1963, quando afirmou que a cota
existente era "intolerável". A Lei de Migração e Naturalização, de
1965, foi aprovada após sua morte por ampla maioria na Câmara e no Senado,
abolindo o sistema de cotas e substituindo-o por limites por país, com ênfase
para familiares, habilidades desejadas e refugiados. As mudanças trouxeram uma
nova onda de migrantes vindos da Ásia.
Por enquanto, os políticos estão se
concentrando nos hispânicos por conta de seu poder eleitoral, mas esquecer as
outras comunidades étnicas é o mesmo que deixar de lado os valores não
discriminatórios dos Estados Unidos.
(Jagdish Bhagwati é professor de
economia, direito e relações internacionais na Universidade de Columbia, em
Nova York, além de pesquisador sênior de economia internacional no Conselho de
Relações Internacionais, com sede em Washington.)
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