Não é só a Itália que carece de perspectivas. A mistura de sotaques estrangeiros que se escuta nas calçadas, bares e restaurantes de São Paulo revela um instigante fenômeno demográfico: um êxodo afinado com o século XXI. O número de autorizações de trabalho temporário expedidas para estrangeiros na cidade cresceu 60% nos últimos três anos, segundo o Ministério do Trabalho. Em 2008, foram atendidos 20 mil pedidos. No ano passado, 32 mil. É gente que veio para ficar. “Cheguei há cinco anos. De repente, começaram a aparecer amigos e conhecidos que eu nunca imaginei que pudessem deixar meu país”, diz a francesa Solene Leuret, de 27 anos, gerente de recursos humanos de uma multinacional têxtil. “Parecia uma coincidência atrás da outra.”
As “coincidências” chegam de diversos países, como Itália, França, Grécia, Espanha, Portugal, Alemanha e Inglaterra. “A crise de 2008 surgiu nos Estados Unidos, mas foi mais cruel para os europeus”, diz o engenheiro português Leonardo Peliz, de 35 anos, há três no Brasil e um ano e meio
Em pouco tempo, os novos imigrantes se adaptam à rotina paulistana. A“colônia” francesa costuma tomar café na Oscar Freire, pedalar aos domingos na Avenida Paulista e jantar em restaurantes japoneses da Liberdade. Italianos e espanhóis também frequentam a noite– ou trabalham nela. “Sou garçonete enquanto não arranjo emprego na minha área”, diz a espanhola Núria León, de 24 anos, aluna do mestrado em oceanografia da USP. O chef de seu restaurante também é espanhol. Após o expediente, a turma segue para algum boteco daVila Madalena. Quando um conterrâneo vem a São Paulo, o português Peliz o leva ao frenesi eclético do Baixo Augusta. “Aquilo, sim, é coisa de louco”, diz.
Por que tantos jovens deixam suas casas? A resposta está na depressão econômica que ronda a Europa há quase uma década. Dos novos imigrantes, mais da metade tem nível superior, muitos com pós-graduação. Entre eles, surge um perfil inédito para os brasileiros: jovens de 20 a 35 anos com ótima formação e péssimas perspectivas de futuro. Na Europa, eles formam a “geração mileuro”– ou geração dos mil euros, em referência à baixa remuneração de um trabalho temporário por lá. Hoje, ganham cerca de 1,3 mil euros (R$ 3 mil) em seus países – pouco quando se sabe que o salário mínimo na maior parte da União Europeia gira em torno de mil euros (quatro vezes mais do que os R$ 622 em vigor no Brasil). Aqui, lutam para espichar o orçamento e se livrar de um rótulo que arranha sua autoestima.
A expressão “mileuro” surgiu na Espanha e na Itália, em 2005. Desde então, a situação piorou. Hoje, o desemprego entre os jovens chega a 45% na Espanha e 29% na Itália. No resto do continente, a situação não é muito diferente: o pior cenário desde a crise de 1929. A juventude – conectada, bem informada e poliglota – encontra duas alternativas: a primeira é sair às ruas para protestar, como se viu em Londres, Atenas e Paris no ano passado. A outra é fazer as malas.
Em São Paulo, o salário desses imigrantes é quase sempre superior ao de um jovem paulistano com boa formação. Enquanto a renda média da população residente é de R$ 1,7 mil por mês, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estrangeiros radicados na metrópole ganham em média R$ 4 mil. Os 15 jovens europeus de 24 a 32 anos entrevistados para esta reportagem disseram receber mais, entre R$ 4 mil e R$ 12 mil. Em comum, todos se encaixam no orçamento das empresas que precisam de uma equipe poliglota – e sua remuneração não se compara à de executivos estrangeiros mais velhos, com grande experiência profissional. “Minha empresa tem um cliente francês, então fui buscar um funcionário francês”, diz Alfredo Souza, sócio de uma assessoria de comunicação no Brooklin. “Poderia contratar um brasileiro com fluência no idioma. Mas se posso ter um francês, melhor”.
Muitos brasileiros torcem o nariz para a concorrência. Pesquisa do Ibope obtida com exclusividade por Época SÃO PAULO mostra que, na faixa de 25 a 29 anos, 39% deles consideram a chegada de estrangeiros positiva para o país, enquanto 47% a desaprovam. Curiosamente, há paulistanos lucrando com os imigrantes e sua dificuldade em se adaptar à cultura local. Depois de uma temporada na Inglaterra, Marcela Nagy, de 26 anos, se acostumou a assessorar amigos europeus de passagem por São Paulo. Há um ano, montou a empresa Welcome Relocation e começou a cobrar pelas dicas. Ela dá sugestões de aluguel, compra mobília, abre conta em banco, resolve burocracias e ensina obê-á-bá da sobrevivência em São Paulo. Coisas como“a estação Paulista do metrô fica na Consolação e a estação Consolação fica na Paulista” ou “o Minhocão, apesar do nome, não fica debaixo da terra”.
No topo da pirâmide social formada pelos novos imigrantes estão aqueles que vieram para ser patrões. O franco-alemão Alexandre Salmon, de 25 anos, é um desses. Há seis meses, abriu sua empresa de tecnologia. Nas horas vagas, promove encontros entre os mileuros que vivem em São Paulo. “Minha casa virou Bruxelas”, diz, numa referência à multicultural capital da Bélgica, sede da União Europeia. Uma vez por mês, seu sobrado no Brooklin abriga uma miríade de nacionalidades. Num churrasco, é possível encontrar franceses, alemães, belgas, espanhóis e suíços, comendo picanha com ratatouille (prato francês à base de legumes) e conversando em diversos idiomas. “O Brasil é um país difícil, mas sabe abrigar as pessoas”, diz um dos convidados, o advogado espanhol Jaime Garcia-Neto, de 31 anos. Sua mulher é belga, pediu licença do trabalho para acompanhar o marido na vinda a São Paulo, e acaba dedescobrir que está grávida. O casal decidiu que o filho vai nascer aqui. Eles também vieram para ficar.
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