segunda-feira, 2 de maio de 2011

Os egoísmos nacionais estão de volta



A crise que estalou no seio da UE, depois de milhares de imigrantes vindos do Norte de África terem desembarcado em Itália, revela como é grande a vontade dos Estados-membros em recuperarem o controlo de questões que consideram como eleitoralmente cruciais. Mas tal coisa faz-se em detrimento da União, escreve a imprensa europeia.

“É um erro da parte dos Estados-membros considerarem os imigrantes que desembarcaram na ilha [italiana] de Lampedusa como um assunto italiano estritamente interno. E a reação de Itália, de os deixar circular pela Europa, permitindo-lhes especialmente que passem para França, teve o efeito de achas deitadas para a fogueira”,

escreve o NRC Handelsblad, sobre a falta de solidariedade demonstrada pelos Vinte e Sete sobre esta questão dos imigrantes vindos do Norte de África. Segundo o jornal holandês, “medidas populistas, tais como o controlo mais apertado das fronteiras são apenas simbólicas”. Seria mais eficaz “reconhecer por palavras e atos a responsabilidade comum das fronteiras exteriores da Europa e de ter uma política de asilo e de imigração comum. Era bem melhor do que voltar para trás 26 anos”, para o tempo anterior à convenção de Schengen.

Numa entrevista ao mesmo jornal, o investigador do Centre for European Reform, Hugo Brandy, explica que

“a crise em torno de Schengen é comparável à da moeda única”, porque “os acordos de Schengen e o euro se baseiam ambos numa confiança comum. Agora que alguns dos países traíram essa confiança, recorre-se às sanções. Nos dois casos, podemos perguntar se a crise é um passo atrás ou, pelo contrário, se acelera a integração”.

Le Monde defende, justamente, o que foi adquirido com Schengen, no momento em que o acordo está a ser posto em causa por uma crise provocada por um fluxo migratório “sem ‘proporções bíblicas’, como disse Paris, mas ainda assim importante”:

"concluída na década de 1980, essencialmente destinada aos movimentos migratórios entre europeus, a convenção de Schengen é, com o euro, uma das mais belas realizações da Europa: uma moeda comum e a inexistência de fronteiras, dois grandes símbolos! Mas há que adaptar Schengen aos fluxos migratórios de cada época. Isto quer dizer que é preciso ajudar os Estados – a Itália, a Grécia, a Espanha – que, nas fronteiras exteriores da UE, estão encarregues de regulamentar a imigração. E, sem dúvida, é também necessário que a UE tenha uma estratégia de investimento, de ajuda e de crédito a longo prazo, destinada aos seus vizinhos do Sul. Para que a “primavera árabe” não se traduza por um aumento de migrações. Isto tem um custo. E esse é problema numa UE onde a própria ideia de reforço da solidariedade orçamental é mais tabu do que nunca. Não basta uma carta franco-italiana enviada a Bruxelas."

Em La Stampa, o historiador Gian Enrico Rusconi escreve que a atual “crise mediterrâneo-líbia” marca o fim oficial da “triangulação Itália-França-Alemanha, que condicionou uma grande parte da história europeia”:

“A Alemanha está fechada sobre si própria. A França faz o seu jogo com uma desenvoltura soberana. A Comissão Europeia revela ser um executivo pouco seguro de si próprio, impotente, mesmo. A Itália sente-se vagamente como uma vítima, no fim, põe-se do lado dos mais fortes mas, no fundo, está à deriva.”

Evocando a “visão a longo prazo” e a “determinação” dos líderes alemães, franceses e italianos do pós-guerra, que estiveram na origem de uma “dinâmica entre as três nações que destruiu a velha Europa e construiu a nova”, Rusconi afirma que “esse ciclo está definitivamente fechado ou, pelo menos, está irremediavelmente alterado”.

“As três nações mantiveram-se juntas – com uma vintena de outros países – através de ligações institucionais verdadeiramente significativas e até mesmo irreversíveis. Mas são tudo menos eficazes para enfrentar problemas decisivos como a utilização de uma força militar, o controlo de fronteiras ou as esferas de influência. Sobre estes assuntos, a antiga soberania nacional parece ter recuperado terreno. As diferenças ou os interesses nacionais que pomposamente tinham sido declarados ultrapassados, reapareceram”.

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