sábado, 14 de maio de 2011

“Extra-regionais” mudam perfil do refúgio na Amazônia brasileira


Com mestrado em Geologia, Carlos (*) tinha uma vida tranqüila no Congo, trabalhando para o governo na área de mineração. Após receber a missão de mediar uma disputa tribal pelo uso de recursos naturais no interior do país, passou a ser perseguido por uma das tribos por ser considerado um colaborador do governo. Pouco tempo depois, descobriu que o próprio governo o considerava um traidor e que um eventual retorno à capital Brazzaville implicaria riscos à sua vida.

Orientado por um conhecido, decidiu vir ao Brasil para solicitar refúgio, mas acabou sendo vítima de um golpe. Após uma longa jornada envolvendo o Congo e a África do Sul, passou por São Paulo e foi abandonado em Roraima, próximo à fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Quando se deu conta de que estava na Amazônia brasileira, foi orientado a solicitar refúgio em Manaus – onde vive há cerca de um ano.

Carlos é um exemplo ilustrativo do novo perfil do refúgio na região amazônica brasileira, que tradicionalmente acolhe pessoas provenientes de países fronteiriços (especialmente a Colômbia). Entretanto, nos últimos anos, a região recebe um número cada vez maior de solicitantes de refúgio extra-regionais – aqueles que vêem de países de fora do continente americano.

Foram cerca de 30 solicitantes extra-regionais desde 2010, em sua maioria homens jovens provenientes de países distantes do Brasil, como Quênia, Sri Lanka, Zimbábue, Gana, Nigéria, Irã, Bangladesh, Guiné Bissau, Costa do Marfim, Serra Leoa e Congo. Este novo perfil, entretanto, não altera o fluxo de solicitantes de refúgio da região. Atualmente, a Amazônia abriga cerca de 140 refugiados (a maioria bolivianos) e quase 700 solicitantes de refúgio de diversas nacionalidades.

“A projeção internacional do Brasil aumentou sua fama como país acolhedor, ampliando sua inserção nas rotas migratórias internacionais. A posição geopolítica de Manaus e o peso simbólico da região amazônica, além de suas fronteiras amplas e porosas, aumentam a relevância e a intensidade destes fluxos”, afirma o Padre Isaías de Andrade, coordenador da Cáritas Arquidiocesana de Manaus – parceira da agência da ONU para refugiados na região.

De acordo com a assistente social da Pastoral dos Migrantes de Manaus, Rosa Zanchin, os solicitantes de refúgio extra-regionais que chegam à região amazônica alegam perseguições por questões políticas ou religiosas em seus países de origem. “Muitas entram por Tabatinga, na tríplice fronteira com Peru e Colômbia. Algumas passam por Manaus, mas já vêm com a intenção de seguir para São Paulo. Outras querem ficar na cidade e tentar reconstruir suas vidas”, afirma Zanchin.

Outro exemplo deste fluxo extra-regional é uma família iraniana chegou ao Brasil em 2010 pela fronteira com a Venezuela. Pai, esposa e dois filhos chegaram a Manaus de ônibus e da rodoviária seguiram diretamente para a Polícia Federal, onde solicitaram refúgio. Mesmo alegando perseguição religiosa devido à conversão da família ao cristianismo, não tiveram seu pedido de refúgio confirmado pelas autoridades nacionais.

Além das dificuldades de adaptação em um país com uma cultura muito diferente, alguns solicitantes de refúgio extra-regionais têm enfrentado um problema adicional: a incerteza sobre o tempo que deverão esperar para obter uma resposta sobre seu pedido de refúgio.

Embora já tenha facilidade com o idioma português, o congolês Carlos ainda não se sente integrado. “Tenho mestrado em geologia, mas estou dando aulas de francês com uma freqüência tão pequena que meu salário não me permite viver dignamente. Além disso, a solidão está me torturando. Faz dez anos que não vejo minha filha”.

Presente na região amazônica por meio de um escritório em Manaus, o ACNUR acompanha a situação e oferece assistência legal a todos os solicitantes de refúgio. Por meio de uma parceria com a Cáritas Arquidiocesana da cidade, oferece assistência humanitária emergencial – além de cursos de capacitação profissional e do idioma português. O objetivo é promover a integração sócio-econômica dessas pessoas.

De acordo com o representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez, “a proteção às pessoas que fogem de perseguição e violação massiva dos direitos humanos segue representando um desafio para os países, especialmente quando novos conflitos se desenvolvem na África e no Oriente Médio”. Para ele, o Brasil tem demonstrado “uma postura solidária e humanitária frente ao tema”, independente da origem dos solicitantes. “Não é uma casualidade o fato de o Brasil abrigar 75 nacionalidades de refugiados em seu território”, completa Ramirez.

Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), o Brasil tem hoje cerca de 4.500 refugiados. Desses, 64,5% provém da África, 22,4% de países da América e 10,6% da Ásia. Angola, Colômbia, República Democrática do Congo, Libéria e Iraque são os países com maior representatividade de refugiados.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados é uma agência da ONU criada em 1950 com o objetivo de proteger e assistir às vítimas de perseguição, intolerância e violência. Atualmente, mais de 35 milhões de pessoas estão sob o mandato do ACNUR, entre solicitantes de refúgio, refugiados, apátridas, deslocados internos e repatriados.

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