domingo, 19 de dezembro de 2010

Na fronteira entre Guatemala e México, imigrantes enfrentam a primeira etapa da busca pelo sonho americano

As águas do rio Suchiate, na fronteira da Guatemala com o México, registram um intenso vai e vem de balsas logo no amanhecer. As embarcações, feitas com pneus e largas tábuas de madeira, saem de Tecún Umán, do lado guatemalteco, em direção a Ciudad Hidalgo, no estado mexicano de Chiapas. Além de carregarem todo tipo de mercadorias, como verduras e frutas, trazem também dezenas de imigrantes em busca do sonho americano.

A odisséia envolve mais de 400 mil centro-americanos todos os anos, de acordo com o INM (Instituto Nacional de Imigração do México), sendo a maioria cidadãos de Honduras, El Salvador, Guatemala e Nicarágua - nessa ordem. Segundo a entidade governamental, somente 150 mil conseguem entrar ilegalmente nos EUA. Os outros recebem destinos distintos: ou são pegos pela polícia imigratória mexicana e enviados de volta a seus países, ou viram vítimas de sequestros, estupros e agressões ao longo dos três mil quilômetros de jornada.

“Os imigrantes saem de seus países por razões diferentes. Em Honduras, o golpe de Estado em junho de 2009 e a crise econômica e social provocaram uma imigração massiva. Desde o ano passado os hondurenhos estão em maior número”, explicou ao Opera Mundi Samuel Arredondo, chefe de comunicação social do INM.


“Os que vêm de El Salvador fogem da violência, agravada pela atuação das gangues, as ‘maras’, que matam muita gente e exigem o pagamento de taxas e impostos para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica. Já na Guatemala a pobreza e a falta de trabalho são os fatores que motivam a imigração. Além disso, a criminalidade aumentou no país”, esclareceu Arredondo.

Fronteira: observatório do mundo
“Quando estávamos cruzando o Suchiate a polícia imigratória nos surpreendeu”, contou ao Opera Mundi Hernán, um jovem de 34 anos, abraçado à esposa Laura, de 24 anos. Os dois nasceram em El Salvador. “Obrigaram-nos a pular na água, num trecho muito profundo. Não sabemos nadar e a água entrou pelos nossos narizes. Creio que Deus nos salvou, porque já estávamos perdendo os sentidos. E graças a Deus, que nos acompanha, vamos chegar salvos aos EUA.”

Hernán e Laura descansavam na Casa do Imigrante de Tapachula, coordenada pelo padre Flor Maria Rigoni, da congregação dos missionários Scalabrinianos. Lá, centenas de imigrantes encontram refúgio por até três dias, antes de tentar novamente a travessia para os EUA. De Tapachula percorrem ainda 250 quilômetros até Arriaga, em Chiapas, de onde sai o “trem da morte” (FOTO ABAIXO), com destino a Ixtepec, no estado mexicano de Oaxaca.



O padre cuida de imigrantes há 25 anos no México, com missões em Tijuana, Ciudad Juárez e Tapachula. “Passei a vida trabalhando com imigrantes, antes na África, depois na Alemanha dividida e desde 1985 no México. E tenho para mim, após essas experiências, que a fronteira é sempre o observatório do mundo. As fronteiras e os fluxos de imigração dizem muito sobre a nossa sociedade, sobre as consequências das decisões políticas, são o outro lado dos processos econômicos”. Para Rigoni, por meio das imigrações é possível medir “as mudanças, erros e dinâmicas humanas” de uma forma clara.

O fluxo imigratório mudou nos últimos anos no México, sobretudo a idade dos imigrantes, contou Rigoni. Há pouco tempo, a idade média media era de 29 anos e agora, é de 21, explicou. Outro dado importante é o aumento da imigração feminina. A porcentagem de mulheres que passa por Tapachula chega a ser 23% do total, e somente 7% delas alcançam a fronteira norte. Muitas são capturadas por grupos criminosos e obrigadas a se prostituir no México e em outros países.

“Hoje, mulheres e jovens imigram por causa do impacto da crise econômica em seus países”, justificou o padre, acrescentando que isso fez com que famílias inteiras tentassem a sorte na fronteira.

Economia da imigração
Há uma economia que se abastece da imigração. De policiais corruptos que, de acordo com os imigrantes, roubam dinheiro e exigem o pagamento de propina, a criminosos envolvidos com a prostituição, tráfico de órgão, sequestros e o comércio na fronteira.



“É um grande negócio”, afirmou Luis, hondurenho de Olancho. “Essa é a terceira vez que tento atravessar e me dei conta que somos tratados como carne. Nos machucam e tratam como bucha de canhão. Até quando morto um imigrante vale dinheiro, pois as funerárias se enfrentam entre si para enviar os cadáveres aos países de origem. Há ainda o cansaço, os perigos ao longo do caminho e a insegurança, para chegarmos aos EUA e vivermos como ilegais.”

“E tudo isso para quê?”, se perguntou Luis. “Para enviar dinheiro às nossas famílias, para que nossos filhos tenham dinheiro para viver, estudar. É preciso entender que enquanto existir tanta injustiça e pobreza, a imigração não acabará. Mesmo que ergam muros, nós vamos transpô-los. Que Deus nos ajude a superar esse caminho”.

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