Há um dado novo na jovem democracia portuguesa: a abstenção vai
aumentar (todos o sabemos) e nada fizemos para resolver este anunciado défice
democrático. Pior. Não há muitos políticos a quem este assunto roube o sono.
Como tem sido
demonstrado à saciedade Portugal vive, há vários anos, um processo migratório
que levou à saída do país de centenas de milhares de cidadão nacionais que
fixaram, de forma temporária ou permanente, a sua residência num país terceiro.
Exemplos de destinos migratórios significativos são o Reino Unido, a Suíça, o
Luxemburgo, França, Angola ou o Brasil mas os novos países de emigração são
muito mais diversos e as geografias da emigração contemporânea portuguesa são
variáveis e evolutivas. Muitos destes cidadãos portugueses são simultaneamente
eleitores (ou potenciais eleitores) e seriam potencialmente elegíveis se a isso
se dispusessem.
Não são nem elegíveis
(porque não querem) nem eleitores (porque não podem). Não podem porque, numa
boa maioria dos casos o seu recenseamento foi feito no local de residência em
Portugal mas, entretanto, a vida levou-os para destinos longínquos como
Londres, Luanda ou Guangdong e não procederam à alteração da sua morada
eleitoral. O recenseamento eleitoral português tem por base não a pessoa (onde
quer que esteja) mas a sua residência formal e este é um facto que causa uma
primeira incredibilidade. Pode, numa época de TIC e de mobilidades, decretar-se
que o eleitor seja uma entidade física num dado local geográfico? Não creio que
tal seja razoável e antevejo um grande potencial de alteração neste status
quo.
Um segundo dado para
esta equação advém dos círculos eleitorais existentes e da sua base
populacional ter por referência uma população que não existe e de este facto
perturbar a democracia representativa. Não quero aqui relevar os mortos que são
(ainda) eleitores mas os eleitores que já não moram aqui mas ainda (vivos)
moram agora ali. Dois exemplos: moram muito mais portugueses em Londres em 2015
do que moravam em 2011 (talvez mais umas largas dezenas de milhar) se somarmos
a estes os que residem agora na Suíça, no Luxemburgo ou em França não
compreendemos que o ciclo eleitoral da Europa não tenha sido alterado; o número
de deputados eleitos pela emigração não se alterou apesar do significativo
aumento desta. Como pode ser defensável que apesar da migração e mobilidade
geográfica os círculos eleitorais permaneçam imutáveis? Podemos, com seriedade,
afirmar que o parlamento representa os portugueses? Será que não temos
consciência de que as migrações humanas são um fenómeno de longo prazo e que um
país como Portugal se tem que adaptar e conviver com esta realidade? Não
teremos capacidade tecnológica e sistemas de informação para alterar o sistema
de voto possibilitando que o eleitor vote onde quer que esteja? Queremos uma
participação de todos ou apenas daqueles que são portugueses numa lógica de
proximidade?
Agora que nos
aproximamos de um novo ciclo político é tempo de repensarmos a relação entre os
portugueses que vivem aqui e os portugueses que vivem ali. Mudar a forma de os
escutar será um bom princípio, torná-los iguais nas suas capacidades de eleger
e ser eleito deve ser um objectivo prioritário. Entidades como o Conselho das
Comunidades ou a Secretaria de Estado das Comunidades têm que ser repensadas e
a nossa relação com os emigrantes portugueses tem que ser aprofundada e
contextualizada à luz da nova realidade migratória. O Alto Comissariado das
Migrações e a estrutura do SEAMADR no modo de funcionamento atual também não
constituem uma alternativa viável porque as migrações exigem não uma governação
multipolar mas uma governação integrada. Um país que possui milhões de cidadãos
dispersos numa diáspora global é um país com um potencial acrescido. Ativar as
relações com o mundo passa por fomentar laços com esta parte de nós que não
vive aqui e passa por fomentar a sua participação nas escolhas políticas do
país. Uma vez que não houve um grande aumento dos recenseados no exterior só
nos resta a esperança de que a TAP e as low cost percebam o potencial de
construir uma ponte aérea que traga de volta a casa, no dia 4 de outubro, os
eleitores que não podem votar nos países ou cidades onde vivem. No dia 5 de
Outubro já saberemos quanto aumentou a abstenção e quantos destes
abstencionistas se devem à emigração. Nesse dia a nossa democracia
representativa estará mais pobre e os portugueses residentes no exterior pior
representados. Ó Portugal de que é que tu estás à espera?
Professor da Universidade do Porto e Investigador do Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Nenhum comentário:
Postar um comentário