Há, atualmente, cerca de 60 milhões
de pessoas que foram forçadas a deixar suas casas e seu país natal por causa de
guerras ou perseguições. Foi perante esse cenário que o Acnur (Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) celebrou, no dia 20 de
junho, mais um Dia Mundial do Refugiado, lembrado também pelo Brasil?—?o
primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção relativa ao Estatuto dos
Refugiados de 1951 (que consolida meios legais internacionais relativos aos
refugiados). No Rio de Janeiro, por exemplo, dezenas de refugiados participaram
de uma cerimônia no Cristo Redentor, que ainda ficou iluminado com a cor azul,
a cor da ONU. Em São Paulo, também houve programação. (clique aqui e veja
outros eventos realizados no Rio e em São Paulo)
O Brasil detém uma legislação sobre
refúgio que é vista como uma das mais avançadas do mundo. Segundo Pitchou
Luambo, advogado refugiado no Brasil há quatro anos e coordenador do
Grists?—?Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo, ela facilita a
entrada do refugiado no país, algo que não acontece em outras nações. “Existe a
lei 9.474/47 que estabelece uma definição clara do refugiado. Aqui, mesmo quem
entra de forma ilegal ou sem documentos não pode ser deportado. É uma lei que
protege e regulamenta. Na Itália, por exemplo, não existe essa regulamentação”.
Ainda assim, a morosidade na emissão
de documentos continua sendo o principal obstáculo enfrentado por refugiados no
Brasil e a porta de entrada para situações de vulnerabilidade social. “Imagina
você chegando em uma imobiliária e apresentando um protocolo [como é conhecido
o documento expedido pela Policia Federal aos refugiados]”, diz Pitchou. “Quem
vai aceitar? Ninguém te aluga uma casa.”
Segundo Pitchou, a situação gera
problemas gravíssimos. “Então, de repente, aparece uma empresa interessada na
mão-de-obra do refugiado, sabendo da extrema fragilidade dele. Oferece-lhe um
trabalho em troca de alimentação e moradia em um alojamento… E depois falam que
é preciso resolver o problema do trabalho escravo”, afirma.
O Brasil criou um comitê nacional de
refugiados (Conare) para acompanhar os casos dos refugiados, mas nos últimos
cinco anos a estrutura do órgão não se expandiu para acompanhar a entrada
desses estrangeiros no país. “Antes eram cinco pessoas para atender cada dez
estrangeiros. Hoje estamos falando dos mesmos cinco para cada mil. O mesmo
ocorre com a equipe da Polícia Federal e com as casas de acolhida”.
Por tudo isso, foi realizado, em
maio, o 1º Fórum Morar no Refúgio. O espaço de debate reuniu imigrantes,
refugiados, movimento de moradia, organizações e entidades especializadas, para
levantar as dificuldades que os refugiados enfrentam e procurar soluções
conjuntas. O evento foi acompanhado pelos Jornalistas Livres, que reproduziu em
seu site uma matéria sobre o encontro.
Moradia em São Paulo
O incremento nos ingressos de refugiados no Brasil é real. De acordo com o Conare, em outubro de 2014, o Brasil possuía 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas?—?em sua maioria síria, colombiana, angolana e congolesa. O número total de pedidos de refúgio aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013 (de 566 para 5.882 pedidos). Até outubro de 2014, já foram contabilizadas outras 8.302 solicitações.
O incremento nos ingressos de refugiados no Brasil é real. De acordo com o Conare, em outubro de 2014, o Brasil possuía 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas?—?em sua maioria síria, colombiana, angolana e congolesa. O número total de pedidos de refúgio aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013 (de 566 para 5.882 pedidos). Até outubro de 2014, já foram contabilizadas outras 8.302 solicitações.
Em 2014, a maioria das solicitações
de refúgio no Brasil foi apresentada em São Paulo (26% do total de solicitações
no período), no Acre (22%), no Rio Grande do Sul (17%) e no Paraná (12%). Na
capital paulista é bem comum se deparar com um refugiado que passa por
dificuldades, como é o caso de Marie, que veio há 11 meses do Haiti, passou
pelo Equador e Peru antes de chegar ao Acre e, já em São Paulo, recorreu aos
movimentos de moradia para não ter de viver na rua.
“Os meus amigos foram para outros
estados. Até que, por intermédio de um amigo, comecei a comparecer aos
encontros de refugiados da FLM (Frente de Luta por Moradia), na ocupação do
antigo hotel Cambridge, no Centro. Ali fui informada que não estava em uma
imobiliária, mas em um lugar de lutas onde seria necessário batalhar pela minha
moradia. Hoje moro na Ocupação da Rua Rio Branco”.
Marie teve de deixar no Haiti dois
netos. O pai deles morreu. Atualmente, não está trabalhando e, por não ter
trazido o diploma da sua profissão (manicure), fica mais difícil conseguir um
emprego. Além disso, foi explorada no último trabalho que conseguiu, situação
comum quando não se fala a língua local. Emocionada, ela conta o seu sonho:
“Gosto muito deste país, mais do que o Haiti. Não tenho possibilidade de trazer
meus netos pra cá, mas quero muito isso. Em nome de Deus vou conseguir um dia”,
diz, entre lágrimas.
As ocupações têm sido um destino
muito procurado por refugiados que “desembarcam” em São Paulo. Na FLM, por
exemplo, são mais de 20 pessoas entre refugiados e imigrantes morando em
diferentes edifícios ocupados pelo Centro e outros 15 que participam
frequentemente das reuniões de base, exclusivas para este tipo de público,
realizadas aos domingos no Cambridge.
O grande problema é que a falta de
documentação dos refugiados, novamente, esbarra na possibilidade de lutar por um
lar. Isso porque, para ser inserido em programas habitacionais do governo, é
necessário ser cadastrado no NIS (Número de Inscrição Social). “Como eles tem
essa real burocracia para tirar a documentação, a situação fica difícil. Porque
se houver um atendimento que vai gerar cadastramento habitacional eles ficam de
fora. É uma ‘burrocracia’”, explica Carmen Silva, liderança da FLM e do MSTC
(Movimento dos Sem-Teto do Centro).
Além disso, existem ocupações na
cidade que não são de movimentos ligados a políticas públicas de moradia. “Tem
algumas por aí em que a maioria dos moradores são refugiados. Mas o objetivo
único é pegar dinheiro deles… Entre essas estão a do Marrocos (Cine Marrocos) e
da Praça da Sé. Trata-se de um grupo de exploradores que não visa políticas
públicas, mas que ocupa para poder negociar. Para eles não interessa a condição
do refugiado contanto que pague”, complementa.
Carmen sonha em construir uma
estrutura que tenha paridade com as necessidades dos refugiados, um projeto de
moradia provisória dedicado a eles. “São famílias, não vão se adequar a morar
em situação de rua ou abrigos de moradores de rua em que você entra à noite,
toma banho, janta e sai de manhã. Tem que ser uma moradia digna, até que ele se
estabeleça e tenha a capacidade de financiar a casa própria”, ressalta.
Mas, a líder dos sem-teto já antecipa
as dificuldades: “A ala mais reacionária da sociedade diria que estamos tomando
o lugar dos brasileiros.”
Obstáculos do preconceito
Outro desafio enfrentado por alguns refugiados no Brasil é o preconceito. Muitos que vêm ao país reclamam de racismo, de dificuldades em se relacionar ou conseguir um emprego. É o caso de Francin Francoeur, que também veio do Haiti em 2014.
Outro desafio enfrentado por alguns refugiados no Brasil é o preconceito. Muitos que vêm ao país reclamam de racismo, de dificuldades em se relacionar ou conseguir um emprego. É o caso de Francin Francoeur, que também veio do Haiti em 2014.
“A maior dificuldade que encontrei no Brasil foi a discriminação racial.
Sofri muito com isso e sofro até hoje. Em qualquer lugar, no Metrô, tem gente
que não senta do meu lado porque sou negro. Tenho amigos que não conseguem
emprego, quando dizem que são estrangeiros”, diz.
A situação é vista por órgãos que
defendem os direitos dos refugiados como fruto de pura falta de informação. Por
isso, alguns desses refugiados com o apoio da Cáritas Brasileira, organismo da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), participaram da criação do
projeto Refugees in Brazil (Refugiados no Brasil, em português), que visa
“esclarecer, sensibilizar e conscientizar sobre refúgio e refugiado, assuntos
ignorados ou mal compreendidos pela sociedade brasileira”.
O preconceito e a discriminação
oprimem estas pessoas que, longe de suas casas e imersos numa realidade
completamente confusa, têm dificuldades de sentirem-se tranquilos no dia a dia.
O Brasil que tenta
Mesmo enfrentando tantas adversidades, muitos dos que procuram o Brasil enxergam nele um oásis de receptividade, quando comparado ao que se verifica em outros países. Alguns números mostram que houve avanços na questão durante os últimos anos. Com base em dados do Conare referentes ao período entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, o Acnur elaborou uma análise que mostra o fortalecimento da proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. Foram 2.032 deferimentos em 2014 (até outubro) expedidos pelo Conare, 1.240% a mais do que os 150 registrados em 2010.
Mesmo enfrentando tantas adversidades, muitos dos que procuram o Brasil enxergam nele um oásis de receptividade, quando comparado ao que se verifica em outros países. Alguns números mostram que houve avanços na questão durante os últimos anos. Com base em dados do Conare referentes ao período entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, o Acnur elaborou uma análise que mostra o fortalecimento da proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. Foram 2.032 deferimentos em 2014 (até outubro) expedidos pelo Conare, 1.240% a mais do que os 150 registrados em 2010.
Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades
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