Apenas no último ano, foram mais de 3 mil mortes, sendo a
maior parte deles buscando sair de países em conflito, como os sírios, que
representaram 25% dos casos
Em 2013, uma tragédia na qual 366 imigrantes perderam a
vida durante o naufrágio de uma embarcação, próximo à ilha italiana de
Lampedusa, chamou a atenção internacional para uma questão grave, mas até então
fora dos holofotes: o crescente número de pessoas perdendo a vida no
Mediterrâneo ao tentar alcançar o continente europeu. Naquele ano, estima a IOM
(Organização Internacional para a Migração, em sua sigla em inglês), cerca de
700 pessoas morreram nesta rota.
Uma pessoa é capaz de morrer por uma vida digna, diz
imigrante que chegou à Espanha a nado
Apesar das promessas de que uma nova tragédia não se
repetiria, o ano de 2014 foi marcado por um naufrágio ainda maior – no qual
cerca de 500 imigrantes morreram nas proximidades da Ilha de Malta – e pela
consolidação do Mar Mediterrâneo como a rota de migração mais mortífera do
planeta, com aumento de quatro vezes no número de vítimas, comparado com 2013.
Em 2014, duas a cada três mortes em rotas de migração registradas pela IOM
ocorreram na região, totalizando 3.279 mortos. Comparativamente, a segunda rota
mais perigosa, o Golfo de Bengala, na Ásia, vitimou 540 migrantes.
“A principal razão para o que está acontecendo no
Mediterrâneo é sua proximidade geográfica com países em conflito, como a Síria,
a Eritreia e a Líbia”, explica Joel Millman, porta-voz da IOM.
Por trás do aumento
Em 2014, pela primeira vez, a maior parte dos resgatados
no Mediterrâneo estava em busca de asilo, fugindo de violentos conflitos em
seus países de origem. Dados divulgados no início de janeiro pelo governo
italiano, principal país europeu envolvido nos resgates, dão conta de que um
quarto dos resgatados em 2014 eram sírios. Coincidentemente, isso ocorre logo a
seguir ao fechamento pelos países europeus das rotas terrestres, opções mais
seguras usadas anteriormente pelos imigrantes para chegar ao continente. Atualmente, as rotas marítimas respondem por
oito de cada dez mortos e, cada vez mais, são as únicas opções que tem restado.
Até 2010, a travessia para a Europa era predominantemente
feita por meio da rota terrestre entre Turquia e Grécia. No ano seguinte,
porém, durante a chamada Operação Poseidon, foi iniciada a construção de uma
vala com 12 quilômetros entre a fronteira dos dois países, para reduzir o fluxo
migratório para o continente. A obra foi concluída em dezembro de 2012, pondo fim
a uma das últimas “brechas” para chegar ao continente por terra.
“Políticas de intimidação não funcionam quando as pessoas
estão tentando desesperadamente fugir para um local seguro, onde consigam
manter suas famílias longe de conflitos sangrentos”, observa o porta-voz da
Acnur (Agência da ONU para Refugiados), Francis Markus.
Emergência síria
Organizações internacionais têm reforçado que esta é a
maior emergência humanitária desde a Segunda Guerra Mundial. “Com a piora
progressiva das condições para os refugiados no Oriente Médio e sem que haja um
fim à vista para o conflito, cada vez mais sírios têm se arriscado pelas rotas
de migração mais perigosas”, explica Joelle Bassoul, porta-voz da Oxfam
Internacional em Beirute.
Dados do último relatório do Eurostat, gabinete de
estatísticas da União Europeia, confirmam a emergência. No terceiro trimestre
de 2014, a busca por asilo na Europa foi 50% maior que no mesmo período do ano
anterior. Assim como nos dados de resgatados pelo governo italiano, os sírios estão
no topo da lista, responsáveis por um a cada quatro pedidos de asilo.
Diante da situação, foi feito um apelo durante a última
conferência internacional do Acnur, em dezembro do ano passado, para que países
de fora do Oriente Médio se comprometam a garantir refúgio a pelo menos 5% da
população síria deslocada de suas casas por causa da guerra. “No vizinho
Líbano, atualmente um a cada quatro habitantes é sírio”, diz Bassoul. Programas
especiais para a concessão de vistos de estudos e de trabalho também têm sido
sugeridos como maneira de evitar que essas pessoas acabem em um bote no Mar
Mediterrâneo.
“Nosso esforço é pela criação de opções para que a
migração que hoje ocorre de forma ilegal, ocorra de forma legal”, enfatiza Joel
Millman, da IOM.
Em alto mar
Após a tragédia de Lampedusa e sua repercussão, uma das
primeiras respostas veio com a operação naval italiana Mare Nostrum, para a
busca e o resgate de imigrantes no Mar Mediterrâneo. Em novembro do último ano,
porém, uma nova operação, a Triton, encabeçada pela Frontex (agência
responsável pela manutenção das fronteiras da União Europeia), entrou em ação
com o intuito de substituir a iniciativa italiana.
Novos métodos
Além de menos dinheiro previsto para as operações de
resgate, o ano de 2015 pode ser marcado por uma mudança na forma de atuação dos
contrabandistas que organizam as travessias. As embarcações Blue Sky M.,
resgatada em 31 de dezembro com 736 sírios à bordo, e a The Ezadeen, encontrada
no dia 2 de janeiro com outros 359 sírios, são um indício de que grandes navios
cargueiros podem ser a nova solução encontrada pelos traficantes para ganhar
ainda mais dinheiro com a travessia ilegal. Em ambos os casos, as embarcações
foram abandonadas à deriva, sem tripulação.
Nesses navios, é possível transportar centenas, até mesmo
milhares de pessoas, e cada um desses passageiros paga entre U$$ 4 mil e US$6
mil pela viagem. “Esses dois navios fantasma trouxeram à tona a angustiante
jornada que milhares de sírios estão fazendo para escapar do conflito em seu
país de origem. Os que estão surgindo tentando entrar na Europa são apenas uma
parte deles, muitos outros estão morrendo no caminho”, diz Joelle Bassoul.
Opera
Mundi
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