O padre Paolo Parisi, da Missão Paz, falou sobre vítimas
de violência em situação de refúgio e migração em oficina do Cravi Segundo dados do Conare existem 1,4 milhão de migrantes e mais de sete mil
refugiados no Brasil
O Centro de Referência e Apoio à Vítima (Cravi), da
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, promoveu (30/01) a oficina
temática “O migrante e as políticas migratórias”, com a participação do padre
Paolo Parise, da Missão Paz, no Fórum Criminal da Barra Funda, onde está
localizada a unidade do programa. O encontro contou com a presença de parceiros
da rede de atendimento mantida pelo Cravi, que lidam com vítimas de violência.
O padre Paolo Parise está à frente da Paróquia Nossa
Senhora da Paz, no Glicério, desde 2010. Nascido no nordeste da Itália, o
sacerdote iniciou o trabalho com imigrantes e refugiados em situação de
vulnerabilidade em 1984, auxiliando africanos que viviam em seu país. Veio ao
Brasil em 1992 para atuar em missões. Em maio de 2014, Parise auxiliou centenas
de imigrantes haitianos, que, até hoje, chegam do Acre a São Paulo.
“O mundo da migração e do refúgio é muito parecido com a
realidade do Cravi”, comparou o padre. Ele começou sua palestra contando
situações que marcaram sua vida nos últimos quatro anos ao lado de vítimas de
violência em situação de refúgio ou migração, na Missão Paz:
“Imaginem um rapaz do Congo. Ele escuta tiros em sua
casa. Vai à cozinha e encontra seus pais mortos em meio a muito sangue. O grupo
armado da República Democrática do Congo o rapta e o violenta durante uma
semana. Em certo momento, consegue fugir do cativeiro, encontra um porto, entra
em um navio desconhecido sem saber o destino, o importante é fugir,”.
“O jovem chega ao Brasil, em Santos. É levado à uma
entidade religiosa e mandado para Missão Paz, em São Paulo. Aí me deparei com o
drama desse menino. Ele fala francês e tem nojo de si mesmo, porque foi
violentado, suas reações demonstram essa sensação. Ele tem outros dramas, como
a perda dos pais e não saber onde estão seus irmãozinhos de oito e dez anos.
São três situações complicadas”.
A primeira oficina temática do Cravi abordou a questão
"O migrante e as políticas migratórias" Padre Paolo Parisi apresentou o trabalho
realizado pela Missão Paz na oficina do Cravi
“Um dia, esse menino ‘entra em parafuso’. Levamos ao
Hospital das Clínicas, onde ele permanece internado por três semanas e meia,
ficamos com ele até seu reestabelecimento. Ele volta, aos poucos, com
acompanhamento psicológico, começa a se reerguer. Hoje, esse rapaz arrumou
emprego, está cursando faculdade e conseguiu trazer os irmãozinhos para o
Brasil”.
“O resultado de tudo isso não é só devido a Missão Paz, mas
a uma série de atores que ajudaram, como o pessoal do Hospital das Clínicas, os
psicólogos, a ONG internacional que procura familiares de vítimas espalhados
pelo mundo. Com tudo isso, conseguimos ajeitar a vida desse rapaz”.
Outros dramas foram apresentados pelo padre para
ressaltar a importância do atendimento integrado às vítimas de violência.
“Parecem fatos irreais, mas são bem reais. Temos várias fases de proteção a
essas pessoas para reconstruírem suas vidas”, ressaltou ao narrar outros casos
de vítimas de violência em situação de refúgio e migração, para aproximar essa
realidade com a das vítimas atendidas pelo Cravi.
“A Organização das Nações Unidas (ONU) calculou que
existem 232 milhões de migrantes internacionais no mundo, ou seja, 3,2% da população
mundial. No Brasil, há 1,4 milhão de migrantes, ou 1% da população”, explicou.
“Os refugiados são 15 milhões no mundo, sendo 7.662 reconhecidos no Brasil”.
O que diferencia migrantes e refugiados, entre outros
aspectos, é a motivação. O status de refugio é concedido em casos de
perseguição política, religiosa, situação de guerra e risco de morte. Desastres
naturais não caracterizam refúgio. Já a migração é motivada, sobretudo, por
questões econômicas e empregos.
“Não existe uma política de migração consolidada no
Brasil. Às vezes, o imigrante ou refugiado quer ir embora do país, mas não
consegue”, contou Paolo Parisi. “Existe uma lista de espera para sair do
Brasil, que é grande. O atendimento demora de um a um ano e meio”. Para o
padre, existe a necessidade de mudar a legislação, o estatuto do estrangeiro e
o estabelecimento de políticas migratórias no país.
Haitianos em São Paulo
O número de haitianos na Missão Paz cresceu após as
enchentes no Acre em abril e maio de 2014
Na Missão Paz, a chegada de hatianos aumentou em abril e maio de 2014
“Vocês se lembram da chegada emergencial de haitianos
entre abril e maio do ano passado em São Paulo? Nessa época, duas assistentes
sociais da Missão Paz, conversavam com um homem, que se apresentava como tio de
duas crianças. Deram chocolate às crianças. Em francês, uma das meninas
perguntou o que deveria fazer em troca. Havia conotação sexual na pergunta”.
“As assistentes questionaram as crianças. Pressionadas,
responderam que estavam acostumadas àquilo e que o homem não era o tio delas.
Vejam a complexidade da coisa: as crianças entraram pela fronteira da
Brasileia, no Acre, e eu me perguntei: ninguém pediu os documentos? Ainda,
viajaram de Rio Branco a São Paulo”. Essas crianças passaram por atendimento
psicológico e médico.
Os haitianos que chegam a São Paulo vindos do Acre não
são refugiados. “Eles recebem um visto humanitário do Brasil, porém, existe uma
longa fila de espera para consegui-lo, o que gera um precedente para a ação de
atravessadores, chamados coiotes”, explicou o padre. “Cerca de 80% dos
haitianos entram no Brasil de maneira ilegal. Gastam em média US$ 5 mil. Quando
já estão no país, a Polícia Federal dá um protocolo de refúgio, o que eles não
são”.
A partir de 2008, devido à crise econômica mundial, o
Brasil tornou-se um país de destino para imigrantes. Os grandes eventos
internacionais, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016,
consolidaram a projeção do país internacionalmente. Esse fatores unidos ao terremoto
que devastou o Haiti, em 2010, aumentaram o fluxo migratório dessa população no
Brasil.
“Esse ano, já acolhemos mais de 400 pessoas vindas do
Haiti e olha que ainda estamos em janeiro”, contou. “Em abril de 2014, com as
enchentes no Acre, o governo daquele estado promoveu a ida dos haitianos da
Brasileia para Rio Branco e, em seguida, para São Paulo por meio de custeio de
passagem. Até aí não houve problemas, foi uma ação humanitária para aquelas
pessoas que não tinham dinheiro”.
“Só que o governo não pensou a chegada dos haitianos a
São Paulo. Vários ônibus chegaram na estação Barra Funda e foram encaminhados
ao pátio da Missão Paz. Nossa capacidade na Missão era de 110 por dia, esse
número subiu para 450. Se o governo promove uma ação de saída, tem que pensar
também na chegada, não despejar. Isso continua até hoje. O último ônibus chegou
semana passada (29/01)”.
Atualmente, chegam em média de três a quatro ônibus por
semana na Missão Paz. “O governo do Acre continua encaminhando haitianos para
São Paulo sem articulação, e paga só a passagem, sem alimentação e água. As
pessoas chegam a São Paulo desidratadas. Tivemos que levar mulheres ao hospital
de forma urgente”, destacou Paolo Parisi. “Isso é falta de visão de política
migratória”.
Sobre o Cravi
Criado em julho de 1998, o Cravi oferece apoio
psicológico, social e jurídico, de forma gratuita, a vítimas diretas e
indiretas de crimes violentos, como homicídio, latrocínio e ameaça. Além da
sede em São Paulo, localizada no Fórum Criminal Barra Funda, os municípios de
Campinas, Santos, Araçatuba, São Bernardo do Campo, Itaquaquecetuba, Guarulhos
e o bairro Capão Redondo, na capital paulista, também possuem unidades do
programa.
Fabiana Campos
Assessora de Comunicação
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
Governo do Estado de São Paulo
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