– O atirador estava esperando quando Marco Antonio Cortés
tomou o ônibus em San Pedro Sula, cidade no noroeste hondurenho. Uma puxada de
gatilho e o rapaz de 18 anos estava morto, somando-se à alarmante lista de
homens jovens hondurenhos que são atacados, assassinados ou simplesmente
desaparecem após serem deportados dos Estados Unidos e do México.
“Não se trata apenas de um, dois ou três que são
assassinados após serem deportados”, disse a irmã Valdete Wilemann, que dirige
um centro estatal que hospeda alguns deportados que retornam a Honduras.
Muitos, como Cortés, utilizaram rotas irregulares para
chegar aos EUA e ao México e escapar da crescente insegurança que afeta aos
jovens em suas comunidades de origem, incluindo ameaças, extorsão, a violência
de gangues e as execuções. Outros se dirigem ao norte em busca de uma vida
melhor.
As vítimas frequentemente têm idades entre 13 e 17 anos,
enviados de volta a suas casas após serem detidos pelas autoridades de
imigração por entrar no país sem autorização. Um relatório publicado no ano
passado pelo ACNUR, chamado “Jovens em Fuga”, revelou que um número importante
de menores de idade provenientes de El Salvador, Guatemala e Honduras que
ingressam nos EUA irregularmente poderia estar em necessidade de proteção
internacional.
“Cremos que se se analisarem seus casos com maior
profundidade, muitos seriam reconhecidos como refugiados com um fundado temor
de perseguição e falta de proteção de seus países”, disse Marta Juaréz,
diretora do Escritório Regional para a América do Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR).
No centro El Eden, em San Pedro Sula, onde são hospedados
inicialmente os menores desacompanhados deportados e as famílias deportadas,
Adalberto Guzmán, de 36 anos de idade, disse à equipe de avaliação do ACNUR que
estava preocupado pela sua segurança e pela segurança de sua esposa e seus três
filhos, que têm entre 03 e 12 anos. Acabavam de chegar do México.
Guzmán explicou que havia emprestado mil dólares a um
homem em sua cidade natal, e recebera a moto e a televisão do homem como
garantia. Quando Guzmán insistiu que a dívida deveria ser saldada a tempo, as
coisas ficaram feias. “De repente, um garoto de uns 15 anos apareceu em nossa
casa e nos disse ‘Se não devolverem a moto e a televisão, todos morrerão’”,
recordou Isaac*, o filho de Guzmán de 12 anos.
A família fugiu para o México. Guzmán não queria que seus
filhos terminassem mortos como um número crescente de outros jovens na cidade.
“De janeiro a julho (do ano passado), 93 jovens foram mortos violentamente, em
comparação com 6 mortes acidentais. Em meados de setembro, já havia 200”, disse
o especialista forense Hectór Hernández no necrotério da cidade, assinalando um
aumento dramático no número de jovens que sofrem mortes não naturais.
No dia da visita do ACNUR, chegou ao necrotério o corpo
de Alfredo*. O garoto de 11 anos queria ser médico, e sua mãe enlutada relatou
que trabalhava em turnos extras numa fábrica de roupas para pagar sua educação.
Foi estrangulado, apontou Hernández, e adicionou: “Com os menores, as balas são
uma causa menos frequente de morte que com os adultos. A metade deles é morta
por asfixia”.
Alfredo não era um deportado, e não se sabe quantos dos
outros jovens levados ao necrotério da cidade este ano haviam fugido do país
somente para ser deportados. Mas essas mortes refletem um padrão de aumento da
violência que está provocando o deslocamento de homens jovens e adolescentes
que temem por suas vidas. Algo parecido ocorre em El Salvador e na Guatemala.
Em setembro, um grupo de oito pessoas, algumas delas com
idades entre 16 e 17 anos, foi obrigado a deitar-se em uma rua de San Pedro
Sula, e logo foram alvejados. Parece provável que essa tenha sido uma execução
relacionada a gangues, que no geral estão relacionadas ao recrutamento forçado,
ao não pagamento de dívidas (incluindo por ajudar alguém a sair ilegalmente do
país); a extorsão, ou guerras territoriais.
As poderosas maras, essencialmente gangues urbanas
lideradas por adolescentes, têm uma influência considerável, infundindo medo a
todos – especialmente a outros jovens.
Os adolescentes que tratam de evitar a influência das
maras, vivem uma vida honesta e resistem a ser contratados como traficantes de
drogas, podem correr risco sem se dar conta. Marco Antonio Cortés, o rapaz
morto a tiros num ponto de ônibus, foi uma dessas vítimas.
Ele vivia em Brisas del Rosario, um pequeno assentamento
controlado por maras nos arredores de San Pedro Sula. Considera-se um dos
distritos mais perigosos, como o setor Rivera Hernandez, onde os moradores se
arriscam a receber tiros caso caminhem de uma rua a outra.
E quando pessoas como Cortés conseguem sair, não podem
regressar com segurança a zonas controladas por gangues. Em 2013, um homem
regressou de San Pedro Sula sete anos após partir, acreditando que seus
perseguidores já estariam mortos. Foi assassinado quatro dias depois.
Outras razões para a fuga incluem o assassinato de
parentes e testemunhas algum crime cometido pelas gangues. Mas decidir fugir do
país não é fácil, devido aos custos e riscos envolvidos. O abuso e a violência
são companheiros constantes de migrantes e pessoas que buscam proteção, assim
como abusos por parte de alguns funcionários nas fronteiras. Aqueles que são
descobertos, são deportados.
Karla López, psicóloga do centro El Edén, contou sobre um
grupo de imigrantes irregulares que foi mantido sequestrado por duas semanas em
Tampico, México, para pressionar o pagamento de resgate por seus parentes nos
EUA e em Honduras.
“Finalmente a polícia mexicana os encontrou, presos em
várias casas particulares, e os libertou”, disse López, que acrescentou que
todos foram deportados. De acordo com índices oficiais do México e da
Guatemala, nos primeiros oito meses de 2014 mais de 30 mil pessoas foram
devolvidas de ônibus, incluindo cerca de 6.200 menores desacompanhados.
Milhares de pessoas foram repatriadas por via aérea dos
Estados Unidos. Os jovens e as famílias aterrissam em Palmerola, onde o ACNUR
está solicitando às autoridades o acesso a eles. Os adultos são levados a San
Pedro Sula.
Segundo informes da imprensa, de janeiro a meados de
setembro do ano passado, chegaram mais de 38 mil deportados aos dois
aeroportos, em comparação com os 32 mil hondurenhos deportados em todo 2013.
Para muitos, seu regresso a suas casas é apenas o início de outra viagem,
frequentemente mais perigosa.
Por: ACNUR
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