O futebol contemporâneo é feito de muitos jogos. Para além das
partidas nos estádios, acontecem muitos outros jogos em que os futebolistas se
deslocam no mapa global do futebol, em função de estratégias desenvolvidas por
dirigentes e agentes de jogadores, em que para além das vitórias desportivas se
procura também ganhar as competições financeiras, merchandising,
direitos televisivos e publicidade. Em face da imperiosa necessidade da
vitória, têm-se verificado intensa migração internacional de futebolistas,
fazendo com que os jogadores estrangeiros se constituam como um elemento presente
em quase todas as paisagens futebolísticas.
Um
retrato abrangente das migrações internacionais de jogadores é proporcionado
pelo relatório da FIFA, Global Transfer Market 2012 [1], cuja análise incide sobre 5600
clubes profissionais de 200 países das seis confederações continentais. Assim,
em 2012, o total de transferências internacionais de jogadores foi de 11552.
Número no qual estão implicados três tipos de movimentos migratórios: jogadores
que saem do seu país para jogar no estrangeiro; jogadores que estando imigrados
se transferem para outro país que não o de origem; jogadores que retornam ao
país de origem. A distribuição espacial destes movimentos é mais expressiva na
Europa, em cujos clubes entraram 6387 jogadores e saíram 6543, representado 56,6%
do total das saídas e 55,3% das entradas. Nos restantes continentes as
transferências ocorrerem da seguinte forma: América do Norte, 666 saídas e 804
entradas; América do Sul, 2014 saídas e 1992 entradas; África, 1133 saídas e
761 entradas; Ásia, 1180 saídas e 1608 entradas; Oceânia, 16 saídas e nenhuma
entrada.
Estes
números ilustram algumas das tendências do futebol mundial. A centralidade da
Europa no sistema futebolístico, com a maioria das transferências a envolver
países da UEFA. O saldo migratório negativo do continente africano, em virtude
de um intenso processo de deskilling, que serve os interesses dos clubes centrais
deste sistema. Situação semelhante ocorre com as transferências na América do
Sul, se bem que aqui se verifique um significativo número de entradas,
consequência não apenas da circulação de jogadores entre os países deste
espaço, mas também do retorno de jogadores que estavam imigrados. América do
Norte e Ásia revelam a tendência comum de terem mais entradas do que saídas,
resultado do investimento feito na modalidade por parte de alguns países. Os
resultados da Oceânia são reveladores da débil expressão deste espaço no mundo
do futebol.
Parte destas
transferências é protagonizada por um grupo restrito de países. Os dez países
mais ativos nas transferências de saída representam 28% do total, enquanto os
países mais dinâmicos nas transferências de entrada constituíram 34%. Muitos
dos países com maior número de entradas de jogadores são também os que registam
maior número de saídas. Entre os 10 países com mais entradas e saídas, 8 são
coincidentes. O Brasil lidera as duas listas, sendo o país que mais jogadores
movimentou, representando 11,4% do volume global de transferências. Segue-se a
Inglaterra, com 8,5%, e a Argentina, com 6,6%. Portugal está entre os cinco
primeiros, com um volume de transferências, a envolver entradas e saídas, de
687 jogadores, o que representa 5,9% do total.
Importa
assinalar que o volume de transferências por países resulta de circunstâncias
distintas. O Brasil é fundamentalmente um país de emigração de futebolistas e,
por isso, das 696 entradas de jogadores a maioria é relativa a processos de
retorno. Argentina e Uruguai constituem situações idênticas. Pelo contrário, a
Inglaterra é quase que exclusivamente um país de imigração de futebolistas,
pelo que os 477 jogadores que saíram, são essencialmente estrangeiros que
migram para outros campeonatos ou retornam ao país de origem. Situação idêntica
passa-se com a Itália. Por outro lado, Alemanha, Espanha, França e Portugal
constituem-se simultaneamente como países de entrada e saída de jogadores
estrangeiros e nacionais [2]. Detendo o olhar sobre o futebol português,
revela-se um funcionamento numa lógica de placa giratória, em que jogadores estrangeiros e
portugueses entram e saem do país em função de estratégias diversas,
nomeadamente: os clubes nacionais funcionarem como trampolim para os
futebolistas estrangeiros irem para outros campeonatos europeus; os jogadores
portugueses imigrarem por não terem espaço laboral nos clubes nacionais, e ao
mesmo tempo terem procura internacional; e ainda, os dirigentes desportivos
desenvolverem estratégias de gestão que consistem na contratação de jogadores
por baixos valores para uma posterior transferência internacional por valores
mais elevados [3].
O relatório da FIFA
tipifica quatro tipos de transferências internacionais: as que ocorrem sem que
o jogador tenha um vínculo contratual prévio (70%); as transferências em que o
passe do jogador é transaccionado entre clubes (10%); as transferências em que
os jogadores, tendo vínculo com um clube, são emprestados a outro (12%); as
transferências em que os jogadores regressam do empréstimo (8%). Por isso, as
transferências que implicam formas de pagamento entre clubes correspondem apenas
a 14% do total. Estes pagamentos traduziram-se em 1,9 mil milhões de euros
dispendidos pelos clubes. Os clubes brasileiros, com 92,2 milhões, os clubes
portugueses com 78 milhões, e os italianos, com 70 milhões, foram os que mais
dinheiro ganharam com as transferências; os ingleses com 234 milhões de euros,
russos com 192 milhões e turcos com 60 milhões, foram os que mais dinheiro
despenderam.
Todas estas
transferências internacionais implicam processos migratórios. Não sendo um
fenómeno novo, avolumou-se nos anos mais recentes, ocorrendo numa vasta área
geográfica, e afetando um número crescente de países, convertidos em locais de
origem, destino, ou ambas as situações em simultâneo. Apesar da quase
invisibilidade destas migrações no contexto das migrações gerais, a expressão
social destes movimentos é bastante significativa. Por isso, estas migrações de
trabalho futebolístico, pelo volume, intensidade e complexidade, enquadram-se
na ampla dinâmica da “idade das migrações”, sendo reflexo das múltiplas globalizações.
Autor: Carlos Nolasco
Filiação institucional: Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
E-mail: cmsnolasco@gmail.com
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