terça-feira, 4 de março de 2014

Breve análise das migrações internacionais de futebolistas

O futebol contemporâneo é feito de muitos jogos. Para além das partidas nos estádios, acontecem muitos outros jogos em que os futebolistas se deslocam no mapa global do futebol, em função de estratégias desenvolvidas por dirigentes e agentes de jogadores, em que para além das vitórias desportivas se procura também ganhar as competições financeiras, merchandising, direitos televisivos e publicidade. Em face da imperiosa necessidade da vitória, têm-se verificado intensa migração internacional de futebolistas, fazendo com que os jogadores estrangeiros se constituam como um elemento presente em quase todas as paisagens futebolísticas.
Um retrato abrangente das migrações internacionais de jogadores é proporcionado pelo relatório da FIFA, Global Transfer Market 2012 [1], cuja análise incide sobre 5600 clubes profissionais de 200 países das seis confederações continentais. Assim, em 2012, o total de transferências internacionais de jogadores foi de 11552. Número no qual estão implicados três tipos de movimentos migratórios: jogadores que saem do seu país para jogar no estrangeiro; jogadores que estando imigrados se transferem para outro país que não o de origem; jogadores que retornam ao país de origem. A distribuição espacial destes movimentos é mais expressiva na Europa, em cujos clubes entraram 6387 jogadores e saíram 6543, representado 56,6% do total das saídas e 55,3% das entradas. Nos restantes continentes as transferências ocorrerem da seguinte forma: América do Norte, 666 saídas e 804 entradas; América do Sul, 2014 saídas e 1992 entradas; África, 1133 saídas e 761 entradas; Ásia, 1180 saídas e 1608 entradas; Oceânia, 16 saídas e nenhuma entrada.
Estes números ilustram algumas das tendências do futebol mundial. A centralidade da Europa no sistema futebolístico, com a maioria das transferências a envolver países da UEFA. O saldo migratório negativo do continente africano, em virtude de um intenso processo de deskilling, que serve os interesses dos clubes centrais deste sistema. Situação semelhante ocorre com as transferências na América do Sul, se bem que aqui se verifique um significativo número de entradas, consequência não apenas da circulação de jogadores entre os países deste espaço, mas também do retorno de jogadores que estavam imigrados. América do Norte e Ásia revelam a tendência comum de terem mais entradas do que saídas, resultado do investimento feito na modalidade por parte de alguns países. Os resultados da Oceânia são reveladores da débil expressão deste espaço no mundo do futebol.
Parte destas transferências é protagonizada por um grupo restrito de países. Os dez países mais ativos nas transferências de saída representam 28% do total, enquanto os países mais dinâmicos nas transferências de entrada constituíram 34%. Muitos dos países com maior número de entradas de jogadores são também os que registam maior número de saídas. Entre os 10 países com mais entradas e saídas, 8 são coincidentes. O Brasil lidera as duas listas, sendo o país que mais jogadores movimentou, representando 11,4% do volume global de transferências. Segue-se a Inglaterra, com 8,5%, e a Argentina, com 6,6%. Portugal está entre os cinco primeiros, com um volume de transferências, a envolver entradas e saídas, de 687 jogadores, o que representa 5,9% do total.
Importa assinalar que o volume de transferências por países resulta de circunstâncias distintas. O Brasil é fundamentalmente um país de emigração de futebolistas e, por isso, das 696 entradas de jogadores a maioria é relativa a processos de retorno. Argentina e Uruguai constituem situações idênticas. Pelo contrário, a Inglaterra é quase que exclusivamente um país de imigração de futebolistas, pelo que os 477 jogadores que saíram, são essencialmente estrangeiros que migram para outros campeonatos ou retornam ao país de origem. Situação idêntica passa-se com a Itália. Por outro lado, Alemanha, Espanha, França e Portugal constituem-se simultaneamente como países de entrada e saída de jogadores estrangeiros e nacionais [2]. Detendo o olhar sobre o futebol português, revela-se um funcionamento numa lógica de placa giratória, em que jogadores estrangeiros e portugueses entram e saem do país em função de estratégias diversas, nomeadamente: os clubes nacionais funcionarem como trampolim para os futebolistas estrangeiros irem para outros campeonatos europeus; os jogadores portugueses imigrarem por não terem espaço laboral nos clubes nacionais, e ao mesmo tempo terem procura internacional; e ainda, os dirigentes desportivos desenvolverem estratégias de gestão que consistem na contratação de jogadores por baixos valores para uma posterior transferência internacional por valores mais elevados [3].
O relatório da FIFA tipifica quatro tipos de transferências internacionais: as que ocorrem sem que o jogador tenha um vínculo contratual prévio (70%); as transferências em que o passe do jogador é transaccionado entre clubes (10%); as transferências em que os jogadores, tendo vínculo com um clube, são emprestados a outro (12%); as transferências em que os jogadores regressam do empréstimo (8%). Por isso, as transferências que implicam formas de pagamento entre clubes correspondem apenas a 14% do total. Estes pagamentos traduziram-se em 1,9 mil milhões de euros dispendidos pelos clubes. Os clubes brasileiros, com 92,2 milhões, os clubes portugueses com 78 milhões, e os italianos, com 70 milhões, foram os que mais dinheiro ganharam com as transferências; os ingleses com 234 milhões de euros, russos com 192 milhões e turcos com 60 milhões, foram os que mais dinheiro despenderam.

Todas estas transferências internacionais implicam processos migratórios. Não sendo um fenómeno novo, avolumou-se nos anos mais recentes, ocorrendo numa vasta área geográfica, e afetando um número crescente de países, convertidos em locais de origem, destino, ou ambas as situações em simultâneo. Apesar da quase invisibilidade destas migrações no contexto das migrações gerais, a expressão social destes movimentos é bastante significativa. Por isso, estas migrações de trabalho futebolístico, pelo volume, intensidade e complexidade, enquadram-se na ampla dinâmica da “idade das migrações”, sendo reflexo das múltiplas globalizações.
Autor: Carlos Nolasco
Filiação institucional: Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
E-mail: cmsnolasco@gmail.com

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