A cheia do rio Madeira agravou a situação dos imigrantes que têm ingressado no Brasil pelo Acre, após cruzar a fronteira com o Peru ou com a Bolívia. Sem conseguir deixar o Estado por terra por causa do bloqueio da única estrada que o liga ao resto do país (a BR-364), os imigrantes - em sua maioria do Haiti - se aglomeram na pequena cidade de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia, onde o governo estadual mantém um abrigo improvisado para o grupo.
O alojamento, um antigo ginásio esportivo com capacidade para abrigar algumas centenas de pessoas, nunca esteve tão cheio. Segundo Damião Borges, coordenador da secretaria de Direitos Humanos do Acre, há cerca de 1,9 mil imigrantes no local. Os estrangeiros dormem lado a lado em colchões espalhados pelo chão e dividem poucos banheiros. Segundo Borges, a falta de espaço tem provocado brigas.
Para fugir da superlotação, diz ele, cerca de 600 imigrantes - principalmente senegaleses - optaram por alugar cômodos baratos na cidade enquanto esperam pela regularização de seus documentos. As dificuldades para deixar o Acre têm feito com que mais imigrantes cheguem a Brasiléia do que saiam dali. Alguns deles, segundo Borges, estão na cidade há mais de dois meses, embora já tenham os documentos.
A prefeitura local estima que os estrangeiros hoje representem 10% da população do município, de cerca de 22 mil habitantes. Como o abastecimento da cidade foi prejudicado pela cheia, Borges diz temer que falte comida para os imigrantes nas próximas semanas. "A alimentação de todos na cidade está escassa. As quentinhas que oferecemos a eles continuam saindo, mas estamos reduzindo a quantidade", ele diz à BBC Brasil.
Segundo Borges, a empresa que prepara as refeições encomendou uma carreta cheia de arroz, feijão e óleo para repor seu estoque, mas, por causa da interdição da BR-364, o veículo está retido em Rondônia. "Por enquanto a empresa está improvisando com mandioca, abóbora e banana, mas não sabemos até quando isso vai durar."
O secretário de Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, diz que o Estado negocia com a Aeronáutica o envio de parte dos imigrantes para Porto Velho (RO), de onde poderiam se deslocar para as demais partes do país. O transporte seria feito pelos mesmos aviões da Aeronáutica que têm abastecido o Acre com produtos básicos. Mourão diz que os imigrantes que já têm parentes no Brasil seriam deslocados primeiro.
"Estamos vivendo uma operação de guerra. A situação não se agravou só para os imigrantes, mas para todos que vivem no Estado", afirma. Mourão não soube dizer onde os imigrantes seriam alojados em Porto Velho nem como seria feita a assistência ao grupo. Procurada pela BBC Brasil, a Aeronáutica não se pronunciou sobre o assunto.
A BR-364 foi invadida pelas águas do Madeira há mais de um mês. Desde então, somente caminhões vinham sendo autorizados a atravessá-la, para garantir a chegada de bens de primeira necessidade ao Acre. Desde a última quarta-feira, porém, a água subiu, e a Polícia Rodoviária Federal interditou a via completamente. Com isso, hoje o Estado só tem sido abastecido pelos voos da Aeronáutica ou por mercadorias vindas do Peru e da Bolívia.
Rota amazônica
Há cerca de dois anos, numerosos grupos de imigrantes haitianos começaram a chegar ao Brasil pelo Acre, após percorrer uma longa viagem por terra desde o Equador. Como não têm vistos para entrar no país, eles solicitam refúgio à Polícia Federal e, até que tenham seus pedidos julgados pelo governo - o que pode levar mais de um ano - podem tirar CPF e trabalhar no país. Milhares deles têm sido recrutados ainda em Brasiléia por empresas de vários Estados, especialmente do Sul. Outros se deslocam por conta própria a grandes centros urbanos à procura de emprego.
Há cerca de dois anos, numerosos grupos de imigrantes haitianos começaram a chegar ao Brasil pelo Acre, após percorrer uma longa viagem por terra desde o Equador. Como não têm vistos para entrar no país, eles solicitam refúgio à Polícia Federal e, até que tenham seus pedidos julgados pelo governo - o que pode levar mais de um ano - podem tirar CPF e trabalhar no país. Milhares deles têm sido recrutados ainda em Brasiléia por empresas de vários Estados, especialmente do Sul. Outros se deslocam por conta própria a grandes centros urbanos à procura de emprego.
Desde o ano passado, imigrantes de outras nacionalidades (principalmente senegaleses e dominicanos) passaram a usar a mesma rota aberta pelos haitianos para chegar ao Brasil. Só neste ano, o governo do Acre diz que 4 mil estrangeiros passaram pelo Estado. A precariedade enfrentada pelos imigrantes em Brasiléia foi denunciada nesta terça-feira pela ONG Conectas no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
A ONG também já levou o caso à Organização dos Estados Americanos (OEA) e se reuniu com autoridades dos ministérios do Trabalho, da Justiça e das Relações Exteriores para cobrar providências. Porém, segundo o coordenador de comunicação da Conectas, João Paulo Charleaux, jamais houve melhoras significativas no local. "Sabemos que a crise atual não atinge só os imigrantes, mas eles já viviam uma situação de emergência humanitária que agora se agravou".
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