O que as leis migratórias não conseguiram, a crise econômica está fazendo: provocar um êxodo de estrangeiros na Espanha. Pela primeira vez em dez anos, o número de imigrantes que deixam o país é maior do que os que chegam.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) comprovou que, nos nove primeiros meses de 2011, o saldo migratório foi negativo. Entraram 317.419 pessoas e 359.692 voltaram aos seus países de origem.
O informe do INE, Estimativas da População Atual, indica as perspectivas a médio prazo. O governo calcula que em uma década o país perderá meio milhão de habitantes com o êxodo de imigrantes, a queda da taxa de natalidade e os falecimentos.
A virada é significativa. No boom da imigração, antes da crise, entraram em média por ano 750 mil pessoas, saindo 220 mil.
"Aparentemente é um reflexo direto da falta de recursos. Os imigrantes desempregados, sem alternativas de apoio, esgotaram suas fontes econômicas. Mas é mais profundo do que isso: acreditam que a crise vai ser longa", disse à BBC Brasil Vicente Rodríguez, professor de Investigação Econômica e Geográfica do Conselho Superior de Investigações Científicas.
"Muitos imigrantes vêm resistindo na economia informal à espera de que a crise termine. Mas está se estendendo o conceito de que a situação não vai melhorar tão cedo e que seus países de origem estão melhor do que a Espanha neste momento", completou.
Nacionalidades
O perfil dos que retornam é de homens (72%), entre 30 e 39 anos, ilegais (84%), que estiveram em média três anos na Espanha e de origem sul-americana.
Os brasileiros são a terceira nacionalidade com mais regressos, depois de bolivianos e argentinos. Segundo o Observatório Permanente para Imigração, em setembro a população de brasileiros diminuiu 12,98%, enquanto os argentinos caíram 16,45% e os bolivianos 23,53%.
O êxodo de imigrantes cumpre em parte um programa do governo. Quando apresentou em 2008 o plano de retorno voluntário, oferecendo ajudas a quem quisesse regressar, o Ministério do Trabalho estimou a saída de 100 mil pessoas.
Mas a crise criou duas circunstâncias não previstas: que os fundos para financiamento dos retornos acabassem antes da hora (a fila de espera supera as 5 mil pessoas) e que grande parte dos emigrantes sejam ilegais.
É o caso da maioria dos brasileiros. Pessoas sem documentação têm mais dificuldades para tentar a vida em outros países europeus e não têm acesso às ajudas sociais da Espanha.
O plano de retorno voluntário financia basicamente os estrangeiros em situação legal, que aceitem receber 40% do seguro desemprego na Espanha e os 60% restantes nos seus países de origem. Três de cada quatro retornados estão neste grupo.
Caridade e inadimplência
Para os ilegais que querem voltar, mas não tem dinheiro para as passagens, a solução virou a caridade das associações de imigrantes e ONGs.
"A demanda é tanta que tivemos que fazer um filtro para atender só a casos de especial vulnerabilidade. Doentes, mães solteiras, famílias com muitos filhos ou com parentes deficientes, gente que não tem saída mesmo", explicou à BBC Brasil o diretor de área de imigração da Cruz Vermelha, José Javier Espinosa.
"Damos a eles as passagens aéreas e um pequeno auxílio para o momento do desembarque", disse ele, afirmando também que os brasileiros estão em segundo lugar entre as nacionalidades com mais pedidos de ajuda, depois dos argentinos.
O êxodo dos imigrantes que não só fogem da crise, mas também das dívidas assumidas na Espanha, provocou um aumento histórico da taxa de inadimplência: 266% em um ano.
Segundo o Banco Central, as dívidas, principalmente pelos créditos imobiliários - as subprimes locais -, levaram o país ao maior índice de calotes dos últimos 16 anos. E os imigrantes tem taxas de inadimplência dez vezes mais altas do que os espanhóis.
Esse panorama despertou o interesse dos bancos latino-americanos, que estão comprando dívidas de imigrantes.
O banco equatoriano Pichincha comprou o espanhol Bankia R$ 15 bilhões de créditos de financiamento de alto risco (empréstimos que superam os 90% do valor do bem adquirido). Com esse acordo os equatorianos, que deixaram dívidas na Espanha passam a ter que pagá-las no seu país ao banco local, com o risco de sofrer embargos ali. Já há negociações também com bancos de Colômbia, Bolívia e Peru.
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