terça-feira, 8 de março de 2011

A Europa sem rumo: a ameaça da extrema-direita

Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (partido da extrema-direita francesa), é apontada como a candidata presidencial que reúne a maioria das intenções de voto dos franceses, segundo uma sondagem realizada pelo "Le Parisien". Supera, em popularidade, o atual Presidente da República francesa, Nicolas Sarkozy, potencial recandidato do UMP (partido de centro-direita). Mantendo no essencial as bandeiras tradicionais da direita extremista - anti-imigração, Estado policial forte, nacionalismo -, Marine Le Pen tem apostado num lifting comunicacional do seu partido: de rosto mais simpático, com discurso mais prudente e com uma mulher na liderança, pretende atrair estratos da sociedade francesa, à partida, distantes do seu campo político. E tem-no conseguido.
A França - país da primeira Revolução Liberal na Europa, da liberdade, da igualdade e da fraternidade - é um país profundamente dividido. Descaracterizado. Com gente proveniente das suas ex-colónias que não soube integrar devidamente. Com uma população envelhecida, uma economia que perde dinâmica, um défice (já) brutal - e incapaz de fazer as reformas estruturais indispensáveis para o seu futuro. Ora, quando o poder político democrático fica refém de interesses instalados, incapaz de mudar, preso ao passado e negligente em relação ao futuro - então está criado o cadinho para a afirmação dos extremos políticos. A questão que se coloca traduz-se em saber se se trata de um fenómeno restrito à França ou generalizável ao resto da Europa.

2. Em primeiro lugar, refira-se que, mesmo no caso francês, há sempre uma pseudo-elite política europeia que tende a desvalorizar os sinais de descontentamento do povo, da rua, como se fosse algo de somenos. As sondagens demonstram que não é: o descontentamento popular está a ser capitalizado pelas franjas do espectro partidário. Ora, a França é um país fundamental para a construção da União Europeia: o seu peso e a sua história na construção de um espaço político europeu são insubstituíveis. Há especificidades sociológicas e políticas que justificam o crescimento da Frente Nacional em França? Certamente que sim. Contudo, tais divergências e conflitos latentes na sociedade francesa já existem há muito tempo - e nunca (pelo menos, na história mais recente) o candidato presidencial da extrema-direita surgiu em primeiro lugar nas intenções de voto dos franceses, suprindo o candidato em funções. Há circunstâncias próprias dos tempos que vivemos que justificam a vitalidade da extrema-direita (e também da extrema-esquerda).Quais?

2.1. A crise económico-financeira e a injustiça na repartição dos sacrifícios. Criou-se na política um consenso amplo em torno de uma conceção económica que nos conduziu à maior crise de sempre. A resposta dos Estados (sobretudo, europeus) foi - excessivamente! - tíbia. A receita para vencer a crise foi a mesma de sempre: os mais carenciados e frágeis pagam a fatura mais pesada. Fica-se com a sensação que há intocáveis na nossa sociedade. A Justiça não funciona e a justiça parece uma utopia difícil de alcançar. Ora, neste cenário, cria-se uma revolta social potencial que pode exteriorizar-se a qualquer momento - ou com manifestações de violência na rua ou através do voto de protesto nos partidos extremistas;

2.2. A Europa dos segredos. A União Europeia encerra na sua filosofia uma ideia que todos subscrevemos - a intensificação e consolidação dos laços que unem os povos europeus. Os pais fundadores do espaço político europeu sabiam que a União só poderia progredir sustentadamente respeitando a diversidade dos povos e a sua soberania. Com transparência e confiando no povo europeu. Informando-o. Esclarecendo-o. Dando-lhe voz. Contudo, a nouvelle vague dos líderes europeus perdeu a noção da sensatez e enveredou por um caminho perigoso: construir á força a União Europeia, fundada numa estrutura burocrática, sem o necessário accountability democrático. Mesmo os mecanismos de controlo da construção europeia por parte dos parlamentos nacionais previstos no Tratado de Lisboa são pífios. Insuficientes. Quem manda na Europa são os poderes informais, sem rosto, nem controlo. Consequentemente, gera-se um sentimento de indignação, de agitação incontida por entidades burocráticas determinarem medidas legislativas e a política a seguir pelos Estados - surgem, assim, os nacionalismos. Assim se hipoteca o tão proclamado espírito europeu.

2.3. A falta de perspetivas de futuro para as gerações mais novas. Por mais que diversos comentadores tentam esconder a realidade e desvalorizar a juventude com o argumento de que no tempo deles tudo era mais complicado e calavam-se, os jovens, quando se empenham, têm uma força monumental. Aliás, em momentos cruciais da História, foram os jovens que promoveram mudanças significativas na sociedade. Perante a incapacidade da política democrática em dar resposta aos seus anseios, os jovens convertem-se aos extremismos. Porque ainda comportam a ideia romântica (e tenebrosa) da revolução. Dos fins que justificam os meios.

3. Perante esta conjuntura, há duas atitudes possíveis: esconder a cabeça como a avestruz e ignorar a realidade; ou perceber o descontentamento e promover-se uma política (e políticos!) mais competente e responsável. Virada para o futuro. A elite política europeia parece preferir o primeiro caminho. Depois, não se admirem...

Email: politicoesfera@gmail.com

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