domingo, 6 de março de 2011

América Latina na encruzilhada

As mudanças políticas ocorridas no mundo durante as últimas décadas confirmam que o futuro só poderá ser sustentável sob novos projetos integrais, com base no progresso, a justiça social e a democracia popular.

No início do ano, o boletim conjunto da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) anunciava um descenso do desemprego nesta região devido aos resultados econômicos de 2010.

América Latina e o Caribe obtiveram então seis por cento de crescimento do produto interno bruto (PIB), apesar da crise, graças à adequação econômica interna em boa parte da região e à intensificação de novos vínculos globais, sobretudo com a China.

O documento de ambas as organizações, pertencentes às Nações Unidas, deixou estabelecido que a América Latina enfrenta o desafio de gerar empregos verdes e de qualidade, definidos como os que contribuem decisivamente para promover a transição para uma economia com menores emissões de carbono.

Assim se aspira a evitar os efeitos irreversíveis e perigosos da mudança climática sobre as empresas e os trabalhadores.

A reativação econômica da maioria dos países latino-americanos e caribenhos, durante o ano passado, permitiu que o desemprego na região caisse 0,6 pontos percentuais, e se previa um descenso adicional entre 0,2 e 0,4 pontos em 2011, apesar do menor crescimento previsível para este ano.

Mas, agora o cenário muda, devido ao aumento nos preços da energia e dos alimentos, ao extremo de que o diretor do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, reclama uma "aterrissagem suave" à economia latino-americana para frear a inflação, porque "estão surgindo sinais de reaquecimento preocupantes".

Aumentam os preços, cresce rapidamente o crédito ao consumo e os mercados de valores adquirem auge, o que implica riscos de maior pobreza, instabilidade social e pressões políticas na maior parte da região mais desigual do mundo. A CEPAL e a OIT atribuíam a melhoria, em seu momento, às condições comerciais e financeiras internacionais e à remarcação da demanda interna impulsionada pelas políticas macroeconômicas, que geraram o crescimento do ano passado.

Daquele modo, incentivaram-se os empregos formais, aumentou a taxa de ocupação e subiram moderadamente os salários reais, ainda que advertia-se que o desempenho dos países e subregiões foi muito desigual.

Não obstante, destacavam que a recuperação econômica não garante um crescimento com trabalho decente em longo prazo, pois, "para reforçar a melhora dos indicadores trabalhistas e gerar mais emprego produtivo e trabalho decente, os países da região devem fortalecer suas políticas macroeconômicas".

Mas agora Strauss-Kahn propõe "a retirada do estímulo macroeconômico adotado durante a crise", pois "todos sabemos como pode terminar esta história se os responsáveis por formular as políticas públicas não atuam o suficientemente cedo". O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, tem ratificado que o governo de seu país tem impulsionado um forte recorte da despesa pública, com diminuições em defesa e moradias sociais, para evitar tensões inflacionárias.

Isto representa uma diminuição de 30 bilhões de dólares no orçamento para 2011, com o propósito de desacelerar a economia "sem derrubá-la", segundo Mantega, mas com previsíveis custos cidadãos e políticos.

Parece bem mais aconselhável acatar o prognóstico da CEPAL e da OIT no sentido de melhorar a coordenação de políticas regionais e globais, identificar e eliminar nós no mercado trabalhista e reforçar os instrumentos que promovam uma maior igualdade, o grande desafio para a América Latina.

Destacavam também que a região -como o mundo inteiro- enfrenta o desafio de transformar sua maneira de produzir, para desenvolver economias sustentáveis no longo prazo, e acrescentavam que a mudança climática e o desafio de desenvolver e fortalecer maneiras de produzir e de consumir baixo em emissão de carbono afetarão a maneira de trabalhar.

Em sua perspectiva de desenvolvimento econômico sustentável, reconheciam os avanços em torno do chamado emprego verde na Costa Rica e no Brasil, especialmente neste último, que aumentou a produção de combustíveis a partir da biomassa e constrói moradias sociais equipadas com painéis solares.

Constata-se que enquanto a transformação para uma economia mais sustentável na esfera ambiental implicaria a destruição de empregos em alguns setores econômicos, também os estimularia em outros, de modo que o mundo do trabalho experimentaria mudanças importantes.

Mas o novo cenário não parece favorecer a criação de mais empregos decentes através da referida transformação, que se considera que contribuiria ao crescimento econômico, a possíveis maiores níveis de igualdade e à proteção do meio ambiente.

Apesar dos prognósticos, alentadores em seu momento, a CEPAL fixava o crescimento do PIB regional para este ano em 4,2 por cento, que já representava uma queda em relação a 2010, precisamente atribuível aos efeitos da crise no mundo capitalista desenvolvido.

Mais recentemente, autoridades chinesas reduziram sua previsão de crescimento de oito a sete por cento para seu país, uma queda relativo, pois isso não tem que implicar efeitos negativos para a América Latina, já afetada pelos Estados Unidos e a União Européia, em magnitude crescente.

Teria que acrescentar as consequências das previsíveis bélicas estadunidenses à liderança da OTAN, principalmente no Norte da África e o Oriente Médio, onde esse país prevê continuar implantando seus objetivos energéticos e geoestratégicos.

Além disso, a América Latina não abandonará velhos projetos, ainda que a forma de empreendê-los dependerá dos problemas internos dos Estados Unidos, que ameaçam com gerar uma maior instabilidade e polarização social e política nacionais.

No mercado de futuro de Londres o preço do petróleo para abril subiu em primeiro de março 46 centavos, a 112,60 dólares, e abriu uma dúvida a respeito do impacto que uma subida permanente poderia ter para a economia mundial, na qual prima a especulação.

Desde depois, as consequências nacionais dependerão, por um lado, de se o país é exportador ou importador de petróleo e, pelo outro, do nível de desenvolvimento em que cada um se encontre.

Para os chamados países pobres, muitos dos quais cresceram em 2010, o principal perigo será a o aumento previsto da inflação, enquanto nas nações desenvolvidas, em crise econômica há mais de três anos, estancar-se-á a possível recuperação ou se produzirão novos retrocessos.

Como consequência, os prognósticos da CEPAL e da OIT sobre o emprego e a economia latino-americana e caribenha, cujo futuro se prevê cada vez mais condicionado porque se empreendem reais transformações, tornam-se menos esperançadores diante de uma realidade mais adversa.

A extensão e intensificação da crise no Oriente Médio, com intervenção da OTAN, teria um efeito global em cadeia, cujas consequências ninguém poderá neutralizar totalmente, mas, em todos os casos, a defesa da paz internacional e das políticas econômicas públicas será determinante do futuro.

Na encruzilhada global, reclama-se um nível de justiça superior, e a busca de uma negociação pacífica no conflito interno da Líbia, que, ao mesmo tempo, salve ao Oriente Médio e ao mundo do desastre.

Também a América Latina, que salvando se salva.

Prensa Latina.

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