O
fluxo migratório de estrangeiros para o Brasil, principalmente de haitianos,
aos poucos chega ao campo. Embora tenha o menor contingente de imigrantes, se
comparada aos demais setores, a agropecuária vem aumentando ano a ano o emprego
com vínculo formal de trabalhadores de outros países.
Estudioso
do assunto, o professor João Carlos Tedesco, do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade de Passo Fundo, diz que muitos migrantes já fizeram a
transição do campo para a cidade em seus próprios países e chegam com a
expectativa de encontrar trabalho em centros urbanos. Mas, diante das
oportunidades que surgem, vão para lavouras e pomares carregando alguma
experiência, mesmo que pequena, de trabalhos que já fizeram no passado. Neste
contingente estão sobretudo aqueles que têm mais de 30 anos.
No
caso dos haitianos, o fluxo iniciou-se após o terremoto de 2010. Depois de
vencerem a barreira do idioma e do clima, muitos estão adaptados ao trabalho no
Rio Grande do Sul, em especial nos pomares de maçã e nas plantações de cenoura.
Em sua maioria, o contingente é formado por trabalhadores jovens, de até 39
anos, com escolaridade média. A busca deles por uma oportunidade em um novo
país vem ao encontro da crescente demanda por mão de obra no campo.
Esta
nova força de trabalho tem entre suas características mais destacadas a
disciplina, a responsabilidade e a pontualidade. O perfil tem chamado atenção
de dirigentes de entidades rurais e despertado o interesse de empresas do setor
agropecuário. “Se eles assumem uma atividade dentro da empresa, realmente
cumprem”, afirma Sérgio Poletto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Vacaria e Muitos Capões e vice-presidente da Federação dos
Trabalhadores Assalariados Rurais (Fetar). As vagas ofertadas são em atividades
sazonais ou que exigem alguma habilidade e maior resistência física.
Oriundos
de condições de vida precárias, os haitianos chegam dispostos a enfrentar as
dificuldades. E foi este vigor que fez com que uma empresa de Muitos Capões
resolvesse apostar na contratação de dez estrangeiros. “Eles se adaptam rápido
ao trabalho”, descreve Nilson Bossardi, sócio da Frutini e responsável pelo
recrutamento. A experiência começou há pouco mais de um ano e deu tão certo que
hoje já são 30 haitianos trabalhando no raleio da cenoura, atividade que
consiste em remover manualmente o excesso de mudas para uniformizar o espaço
entre as plantas.
Nos
250 hectares de cenoura cultivados com plantio e colheita mecanizados, os que
trabalham no raleio há um ano já aperfeiçoaram a técnica. Com isso, atingem os
prêmios de produção e mais que dobram o salário base, de R$ 1.114,00. Os mais
experientes chegam a receber R$ 3 mil por mês. Todos enviam mais da metade para
os familiares que ficaram no Haiti.
Reniel
Sufrene, de 32 anos, está entre os destaques na produção. No Haiti, onde deixou
esposa e a família, trabalhava no comércio e já tinha alguma experiência em
plantação de cenouras. Há um ano e três meses na Frutini, Sufrene diz que gosta
muito do Brasil e que aqui está “trabalhando bastante e ganhando bastante
dinheiro”. Esaie Telusme, de 27 anos, também faz parte do grupo mais antigo. Há
11 meses no raleio, demonstra satisfação com a oportunidade. Em seu país de
origem, onde deixou pais e irmãos, trabalhava com carpintaria e na construção
civil.
Na
lavoura de Muitos Capões, todas as despesas com aluguel, água, luz e Internet
são custeadas pela empresa. O sinal de Wi-Fi é indispensável para que os
estrangeiros possam estabelecer comunicação quase que diária com suas famílias.
Com esta infraestrutura, o objetivo da Frutini é valorizar a mão de obra para
manter equipes fixas e fazer com que permaneçam, qualificando a produção. “O
raleio é um trabalho muito técnico, pois define produção. Por isso trabalhamos
com grupos pequenos e de alta qualidade”, explica o agrônomo Leonardo Faedo,
responsável técnico da área de hortifrutigranjeiros da empresa, que considera
os haitianos “ágeis e focados”.
Desde
que os haitianos foram incorporados ao quadro de funcionários, destaca o
agrônomo, a empresa já verificou evolução na qualidade da cenoura colhida,
incremento de produção e no rendimento diário. A produção média da Frutini é de
2,5 mil caixas ou 7,3 mil quilos por hectare.
Deslocamentos buscam mais qualidade de vida
O
setor agropecuário representa a menor fatia no ranking dos principais grupos
ocupacionais nos quais há estrangeiros trabalhando, tanto no Estado quanto no
país. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do
Trabalho e Previdência Social, em 2014 o Brasil registrou 1.307 trabalhadores
imigrantes com vínculo formal de trabalho no setor – o equivalente a 1,1% do
total de 119.312 trabalhadores estrangeiros em todo o país. No Estado, a
presença dos imigrantes no campo é um pouco mais expressiva. Do total de 10.781
trabalhadores, 269, ou 2,5%, estavam no setor agropecuário.
“É
um ramo de trabalho que se abre para os estrangeiros”, avalia a economista
Iracema Castelo Branco, pesquisadora da Fundação de Economia e Estatística
(FEE). Sem nenhuma qualificação específica, os trabalhadores imigrantes chegam
com o “sonho brasileiro” de melhorar de vida. O objetivo é conseguir um emprego
para, inicialmente, se manter e depois trazer a família. Um dos fatores que
poderá motivar o interesse dos estrangeiros pelas oportunidades no campo,
avalia Iracema, é a possibilidade de ganhos maiores em relação à cidade.
Os
dados do MTPS indicam ainda que o Haiti possui, desde 2013, o maior contingente
de trabalhadores estrangeiros formais no Brasil. Em 2014, o relatório mostra
que o país tinha 23.993 haitianos – 20% do total de estrangeiros. Destes,
naquele mesmo ano, 3.164 estavam no Rio Grande do Sul.
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