Os fluxos migratórios têm estado no centro de
controvérsias políticas e eleitorais um pouco por toda a parte, assumindo um
papel central em campanhas nos Estados Unidos e na União Europeia.
Veja-se a discussão em torno da revisão da lei da imigração nos Estados Unidos, a ascensão do peso político da Frente Nacional em França ou o impacto do UKIP nas declarações do Governo do Reino Unido.
Veja-se a discussão em torno da revisão da lei da imigração nos Estados Unidos, a ascensão do peso político da Frente Nacional em França ou o impacto do UKIP nas declarações do Governo do Reino Unido.
Os trágicos acontecimentos de Paris e os riscos de
crescimento de pulsões xenófobas e racistas e de tendências anti-imigração
mostram, de resto, o carácter incontornável deste debate. E com ele a
necessidade absoluta da pedagogia das políticas de integração, da liberdade de
expressão e imprensa e da dignidade da pessoa humana. O desafio civilizacional
destes eventos é tremendo e coloca em risco muito do adquirido ao longo de
séculos.
Por outro lado, a Europa tem sentido o drama
humanitário da pressão migratória no mediterrâneo, sendo todos nós confrontados
com a situação de verdadeira emergência nos casos dos navios que, em condições
muito precárias, chegam às costas da ilha de Lampedusa. Ou os relatos
dramáticos da procura de acolhimento de movimentos de migrantes em Ceuta e
Melilha. Os Estados Unidos há muito se vinham confrontando com esta realidade
na sua fronteira Sul, com o México.
Também Portugal viveu uma alteração substancial do
seu perfil migratório em poucos anos. Passou de um país de emigração, nos anos
60 e 70, a um país de imigrantes nos anos 90, muito apoiado pelo vasto programa
de obras públicas. Já na primeira década deste século, os efeitos da crise
económica fizeram-se sentir quer no saldo migratório quer no saldo demográfico,
ambos negativos.
Isto significa que Portugal voltou a ser menos
atractivo para os imigrantes, bem como a assistir a movimentos de emigração da
sua população nacional.
É, pois, claro que o problema demográfico é sério
em Portugal e que ele não pode ser resolvido sem o apoio de políticas públicas
migratórias activas.
Esta afirmação obriga-nos, contudo, a enquadrar o
tema. A globalização – e, portanto, o problema não será português – trouxe
alterações profundas ao modo como se gerem e movem os fluxos migratórios
mundiais.
As migrações deixaram de ser, predominantemente no
sentido Sul – Norte ou motivadas por razões laborais. Hoje fala-se de circulação
migratória e de migrações económicas justamente para ilustrar um novo fenómeno
de fluxos migratórios tendencialmente temporários, associados a projectos e
oportunidades.
Esta circulação migratória obriga, por outro lado,
a considerar duas realidades antes afastadas das políticas públicas
migratórias: i) a chamada “corrida pelo talento”, no sentido em que as
políticas públicas passaram a orientar-se para a captação dos migrantes mais
qualificados; ii) a gestão integrada do binómio “emigração/imigração”,
procurando fomentar o retorno da nova diáspora criada por consequência da
circularidade migratória.
Neste contexto, não pode ser esquecida a
importância da integração. Este tema tem também gerado a maior controvérsia no
plano internacional com declarações várias no sentido do insucesso das
políticas de integração. Felizmente, o caso português é de amplo sucesso,
internacionalmente reconhecido.
Todavia, a nova realidade e a emergência de novos
perfis migratórios, incluindo o retorno da diáspora, coloca desafios
desconhecidos às políticas de integração. Também aqui Portugal possui uma rica
e diversificada experiência sendo notável o exemplo de integração demonstrado
no final dos anos 70 no caso dos chamados “retornados”. A situação actual é,
claro, muito diferente. Mas o país já soube dar provas, na sua história
recente, de grande capacidade de integração, seja dos seus nacionais nos anos
70, seja dos imigrantes nos anos 90. Isso permite-nos olhar o futuro com
confiança.
Ainda no plano da integração, não pode ser
esquecida e importante relação entre imigração e cidadania. O imigrante deve
ser visto como em transição para a cidadania. É certo que muitos migrantes não
virão a obter a cidadania portuguesa: seja porque o não desejam, seja porque
aqui não permanecem o tempo suficiente.
Em qualquer caso, é fundamental atender ao impacto
que a aquisição da cidadania produz nos direitos dos imigrantes, o seu
potencial inclusivo bem como no enriquecimento inegável do tecido social
português. A cidadania – para além de um poderoso instrumento de inclusão – é
também uma ferramenta essencial a que os Estados não devem deixar de recorrer,
na chamada “corrida pelo talento”.
Gonçalo Saraiva Matias
Doutorado em Direito
pela Universidade Católica Portuguesa, professor naquela instituição e investigador
nas áreas do direito constitucional e do direito internacional público
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