Deputado Moreira Mendes (PSDB-RO) apresenta Projeto de Lei que
descaracteriza conceito atual de escravidão contemporânea e tenta influenciar
regulamentação da PEC do Trabalho Escravo
Desde o ano passado, quando os Deputados enfim aprovaram a PEC 438/2001 (conhecida
como PEC do confisco da terra), está no ar uma negociação esdrúxula promovida
entre oposição e base governista no intento de garantir um voto favorável por
parte dos ruralistas, um grupo que perpassa as fronteiras partidárias.
Para que o texto tenha aprovação
final no Senado onde passou a tramitar sob o codinome de PEC 57A/1999, foi se construindo o entendimento
de que, em troca da PEC do confisco da propriedade pela prática de trabalho
escravo, haveria revisão da conceituação dada pelo Código
Penal brasileiro (no seu art. 149). Essa conceituação, por sinal, é
moderna (foi aprovada em 2003) e abrangente (considera como constitutivos do
crime tanto a negação da liberdade quanto a violação da dignidade) e está sendo
parabenizada até hoje pela OIT e pela ONU (na avaliação, por exemplo, da advogada Gulnara Shahinian, Relatora Especial sobre
Escravidão Contemporânea).
Houve variações
quanto ao teor exato do entendimento formulado no calor da discussão: se seria
somente para aprovar a regulamentação do confisco da propriedade (versão
mínima) ou se seria mesmo para rever a definição legal do trabalho escravo
(versão extrema).
Retrocessos
Na terça-feira, 3 de novembro, a
Comissão da Agricultura iria se posicionar sobre o Projeto de Lei 3842/2012, de
autoria do deputado Moreira Mendes (PSDB-RO), revisando para
baixo a definição do trabalho escravo (segundo a proposta, a expressão
"condição de trabalho escravo, trabalho forçado ou obrigatório"
compreenderá todo trabalho ou serviço de uma pessoa sob ameaça, coação ou
violência, restringindo sua locomoção e para o qual não tenha se oferecido
espontaneamente). Na sequencia o texto iria para a Comissão de Trabalho,
Administração e Serviços Públicos (CTASP ) e em seguida para a CCJ
(Comissão de Constituição e Justiça).
Em troca do adiamento desta discussão
problemática, foi aprovada a criação de uma Comissão Mista (11 deputados e 11
senadores) para, no prazo de 30 dias, “apresentar projeto de lei definindo
trabalho escravo ou trabalho análogo a escravo e regulamentando da terra na
qual for verificada tal prática” (conforme Ato Conjunto 8/2013), igualmente
problemática.
A falta de
manifestação clara do Governo nessa tramitação toda abriu brechas para o
impasse atual. Como dizíamos um ano atrás, caso prosperar a negociata atual, a
votação da PEC do confisco da terra bem poderá se tornar uma vitória de Pirro
(segundo a história, o Rei Pirro, depois de vencer uma batalha contra o Império
Romano em que perdeu quase todo o seu exército, declarou aos generais:
"Mais uma vitória como esta, e estou perdido").
Resta ver como
concretamente a Comissão Mista dará conta do seu paradoxal mandato: definir um
conceito de trabalho escravo que ficaria preso à forma como este se dava nos
tempos da Colônia e do Império (a do negro acorrentado), e regulamentar o
perdimento da terra por prática do trabalho escravo contemporâneo do século 21,
ou seja por uma escravidão bem real, diariamente flagrada no Brasil nas
modalidades do trabalho forçado, da servidão por dívida, da jornada exaustiva e
das condições degradantes de trabalho. Uma situação da qual cerca de quarenta e
cinco mil trabalhadores já foram resgatados desde 1995 quando, após décadas de
um negacionismo oficial bem parecido ao demonstrado pelos ruralistas de hoje, o
estado brasileiro se dignificou em reconhecer e começar a enfrentar as formas
contemporâneas deste crime recorrente na história do Brasil.
* Xavier Plassat é coordenador da
Campanha Nacional contra trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra
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