Paulo Illes e Wendy Villalobos
No dia 3 de outubro, mais de 135 milhões de brasileiros e brasileiras irão às urnas para escolher os futuros representantes do país. Nestas eleições, serão eleitos: presidente da República, governador, senadores, deputados federais e deputados estaduais.
Neste mesmo dia, mais de um milhão de pessoas que vivem como permanentes há anos no país, contribuindo para seu desenvolvimento - trabalhando, pagando impostos, enriquecendo nossa cultura - não poderão votar. São pessoas que escolheram o Brasil para reconstruir a vida, mas que não tendo nascido aqui ou se nacionalizado, ficam alijadas deste direito – consagrado como a forma mais direta de exercício da democracia no país.
Imigrantes, são cidadãos e cidadãs que vivendo em outro país, têm de se adaptar a novos costumes, outra língua, não raras vezes sofrendo preconceitos em seu ambiente de trabalho e percebendo discriminações aos seus filhos nas escolas. Ao não gozar do direito ao voto e poder eleger representantes legítimos que conheçam suas demandas e que poderiam lutar por leis e novos direitos junto ao Congresso Nacional, seguem afastados dos debates eleitorais, espaços fundamentais que poderiam gerar garantias para uma real integração e vida digna.
Limitações como esta, tanto para o exercício dos direitos políticos, como para uma plena democracia, fazem com que o Brasil seja o único país do sul de nossa América que não reconhece este direito. Países como Paraguai, Bolívia e Peru, já o fazem em instâncias eleitorais municipais e distritais; Chile e Uruguai o reconhecem inclusive nas presidenciais. Atualmente no Brasil um Projeto de Emenda Constitucional que garantiria o Direito ao Voto dos Imigrantes já se encontra na Comissão de Justiça da Câmara de Deputados, proposta pelo Deputado Federal Orlando Fantazzini.
Ainda assim, resta aos “aptos” a votar, considerar as propostas dos candidatos que aí estão e lembrar que estas afetarão também a milhares de outras pessoas que não poderão exercer este mesmo direito. Dos nove candidatos à presidência nestas eleições, quatro estão em destaque: Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT); José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Marina Silva, do Partido Verde (PV); e Plínio de Arruda Sampaio, do Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
Uma análise dos programas de governo destes quatro presidenciáveis nos permitirá uma verificação da forma que estes citam os imigrantes – ou não citam. A primeira conclusão que se tem é que existe um obscurantismo e o tema em sua dimensão mais profunda mais uma vez é ignorado. Por quê? Será uma casualidade ou será que este esquecimento acontece exatamente porque a maior parte dos imigrantes não possui o direito ao voto?
O candidato José Serra, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em seu programa de governo de forma genérica aponta a defesa dos direitos humanos, sem citar os imigrantes:
“O Brasil está cada vez maior e mais forte. É uma voz ouvida com respeito e atenção. Vamos usar essa força para defender a autodeterminação dos povos e os direitos humanos, sem vacilações.”
Marina Silva, candidata do Partido Verde (PV), lembra que somos um povo formado por muitos povos, muitas culturas e diante da diversidade existente no país propõe a universalização do acesso às políticas públicas e a criação de estruturas adaptadas ao respeito às diferenças. Neste sentido propõe o reconhecimento e valorização das diversas formas de manifestação cultural e luta contra todas as formas de discriminação.
Plínio de Arruda Sampaio, candidato do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), concorre às eleições buscando "uma alternativa socialista". Apresenta propostas mais específicas como redução da jornada de trabalho de 40 horas, sem redução de salários, entretanto não cita em suas propostas de governo alguma preocupação específica com os imigrantes ou com os direitos humanos.
Dilma Rousseff, candidata do Governo, apresenta como proposta a continuação das ações realizadas no mandato do atual presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva, que deram a ele níveis de aprovação históricos. Em seu programa de governo, quando fala de Direitos humanos e proteção de homens, mulheres e jovens destaca políticas e cita especificamente os imigrantes:
“Caberá ao novo Governo:
g) maior proteção legal e administrativa a segmentos socialmente discriminados e maior severidade na repressão às formas de discriminação;
j) prosseguir as políticas de apoio aos brasileiros no exterior e aos estrangeiros no Brasil;
k) fortalecer a atuação internacional do Brasil na defesa dos Direitos Humanos, nas Nações Unidas, OEA, UNASUL e MERCOSUL.”
Historicamente sabe-se que nem sempre Planos de governo são cumpridos. Bonitos papéis nos quais fala-se o que a maioria gostaria de ouvir – crescimento econômico, maior justiça social, foco na educação e saúde de qualidade, preocupação ambiental, são palavras que repetem-se, em uma ladainha sem fim. Resta então ao eleitor, como uma última ferramenta, uma análise mais criteriosa das ações já empreendidas anteriormente pelos candidatos ou por seus partidos.
Plínio e Marina, embora tenham uma longa trajetória política, não tiveram representantes de seus partidos na presidência, ainda que no caso do Psol, alguns de seus parlamentares sempre apoiaram a luta por alguns direitos conquistados pelos imigrantes no Brasil, ou brasileiros no exterior. José Serra teve Fernando Henrique Cardoso na presidência e Dilma Rousseff, Luis Inácio Lula da Silva. Cabe-nos então fazer um pequeno retrospecto das principais políticas voltadas aos imigrantes ou que podem atingi-los diretamente, empreendidas nos 16 anos de governos de ambos.
Governo FHC – 1995-2002
1998 - Anistia para os Imigrantes em situação irregular – imigrantes de qualquer nacionalidade puderam beneficiar-se pela anistia.
Governo Lula – 2003-2010
2005 - Acordo de Regularização Migratória Brasil – Bolívia (prorrogado nos anos seguintes: 2006, 2007 e 2008) – imigrantes bolivianos puderam regularizar sua situação migratória no Brasil e brasileiros na Bolívia.
2008 - Tratado Constitutivo da União das Nações Sul Americanas (UNASUL) – seu conteúdo destaca como um de seus objetivos a construção de uma Cidadania Sul Americana (ainda não ratificado pelo Congresso).
2009 - Anistia para os Imigrantes em situação irregular – imigrantes de qualquer nacionalidade puderam beneficiar-se pela anistia.
2009 - Acordo de Livre Trânsito e Residência para Nacionais dos Estados parte do MERCOSUL, Bolívia e Chile – com este acordo ficou estabelecido que todos os países desse território constituem uma Área de Livre Residência com direito ao trabalho para todos seus cidadãos, sem exigência de outro requisito além da própria nacionalidade.
É certo, que embora nos últimos anos a situação dos imigrantes residentes no país tenha melhorado, muito ainda há a ser feito, como a ratificação da Convenção da ONU Sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias – que garante os direitos aos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes, independentemente da situação migratória em que se encontram e uma nova Lei de Migrações- o Estatuto do Estrangeiro data da ditadura militar e apenas considera questões relativas à segurança nacional, não possuindo um foco nos direitos humanos.
Ademais algumas temáticas de fundo deveriam ser encaradas pelos novos governantes, como por exemplo, as burocracias que ainda existem para a obtenção de um documento, o tratamento que os imigrantes recebem na Policia Federal (quando dão entrada a seu pedido de permanência no país) e o não cumprimento dos prazos de entrega dos mesmos aos imigrantes.
Para tanto é importante que o novo ou nova presidente assuma esta tarefa que já não pode esperar. Assim como nossos cidadãos estão em diversos países do mundo, buscando uma vida melhor, recebemos pessoas de diversos países do mundo. Ignorar este fato é negar que somos um país multicultural e a beleza e força que temos por isso. Quem sabe nas próximas eleições os imigrantes permanentes não possam exercer de forma plena sua cidadania, votando nas eleições e contribuindo na escolha de nossos próximos representantes?
• Paulo Illes é Coordenador Geral da Secretaria Técnica da Articulação Sul-Americana Espaço Sem Fronteiras e Coordenador Geral do Centro de Apoio ao Migrante (CAMI)
• Wendy Villalobos é responsável pelas Relações Internacionais da Articulação Sul-Americana Espaço Sem Fronteiras e Coordenadora de Projetos do Centro de Apoio ao Migrante (CAMI)
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