No fim da semana passada a
polícia austríaca retirou de um caminhão frigorífico abandonado mais de 70
corpos de migrantes, provavelmente refugiados sírios, em uma estrada do leste
da Áustria. As autoridades anunciaram a descoberta no momento em que a
chanceler alemã, Angela Merkel, participava de uma reunião com autoridades dos
países países bálticos, em Viena, para buscar justamente uma saída à onda
migratória que vem fazendo cada vez mais vítimas e ferindo os direitos humanos,
em pontos distintos dos limites territoriais europeus. O número de vítimas da
travessia do Mar Mediterrâneo, por exemplo, ultrapassa 2,3 mil, apenas em 2015.
Os 28 países da União
Europeia não conseguem chegar a um acordo quanto à partilha equitativa de quem
pede asilo e também lutam para criar centros de cadastramento dessas pessoas
nos países de entrada no bloco. Em seu pronunciamento logo após a descoberta
dos corpos no caminhão, Merkel disse que o episódio era um “aviso” e que a
crise deve ser tratada de forma mais solidária.
Abrir as fronteiras e os
braços
Para o porta-voz da
Organização Internacional para as Migrações, Joel Millman, além de
solidariedade é preciso muita parceria: "O problema não é só da Europa, é
um problema mundial". Ele acredita que é fundamental pensar em maneiras de
"suavizar os problemas políticos" em países como a Síria, Líbia e
Afeganistão, de onde vem grande parte dos migrantes.
Dona da maior economia da
Europa, a Alemanha espera receber até o fim de 2015 cerca de 800 mil pedidos de
asilo. O número pode ser expressivo, mas Millman acredita que é preciso pensar
ampliar as frentes de ação, como abrir as fronteiras e proporcionar estadias
temporárias com perfil humanitário, por exemplo. "O asilo não é a única
opção", avisa.
Para ele, a solução para a
maior crise de migração desde o êxodo europeu durante a Segunda Guerra Mundial
está na solidariedade e na prevenção: "Uma possibilidade para resolver
isso seria encontrar com esses imigrantes pela Turquia, pela África, Líbano,
antes que eles viajem, para registrar os que podem se instalar em outra parte
do mundo. Acelerando seus processos pra que eles já possam viajar com visto, de
avião... Mas é muito difícil porque, para isso tudo, os países devem querer
aceitá-los".
Com a crise, a xenofobia
Além da resistência dos
governos, a Europa enfrenta outro problema: o aumento da xenofobia. Na semana
passada, a chanceler alemã foi vaiada e chamada de “traidora” por extremistas
de direita durante uma visita a um acampamento de imigrantes e refugiados. A
líder alemã respondeu dizendo que a Alemanha não vai tolerar quem “questiona a
dignidade de outras pessoas”.
Mas, como certos grupos
podem adotar o ódio em vez da solidariedade, diante de uma situação de crise
humanitária? Para o pesquisador Gustavo Barreto, doutor em Comunicação e
Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em
imigração no Brasil, essa intolerância o catalisador da intolerância é a falta
de identificação com o outro, a separação entre "nós" e
"eles". Segundo Barreto, este é historicamente o o embrião da
xenofobia. O crescimento dessa doença é invariavelmente acelerado por crises
financeiras e outros problemas sociais, quando os imigrantes, "por não
serem daquele lugar, tornam-se o bode expiatório perfeito".
No meio da construção
desse sentimento, a Europa tenta diferenciar os refugiados políticos, que
escapam de guerras e massacres, dos migrantes econômicos, que buscam melhores
condições de vida na Europa. Barreto conta que, no Brasil, separações
semelhantes serviram para forjar a imagem do “bom” e do “mau” imigrante. Um
processo que teve participação determinante da imprensa: "O bom imigrante
era retratado pela riqueza da sua cultura, enquanto isso, os outros;
latinoamericanos, africanos e caribenhos (como é o caso dos haitianos) eram
retrados pelos problemas. A eventual riqueza cultural africana, por exemplo,
que foi trazida para o Brasil; ou a diversidade da América Latina por meio da
chegada dos bolivianos, isso é completamente ignorado". O Brasil,
"país do mito da hospitalidade", como disferiu Barreto, mostrou em
episódios recentes que um debate honesto sobre a imigração é urgente.
Vanessa Oliveira
RF1
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