Calais não é Lampedusa. Não
há naufrágios com centenas de mortos. Muitos dos 3000 imigrantes clandestinos
que estão em Calais atravessaram o Mediterrâneo — "a mais mortífera rota
do mundo" — e sobreviveram. Têm agora um objectivo preciso: chegar à
Grã-Bretanha, o seu eldorado a 30 quilômetros do lado de lá do Canal da Mancha.
Desde há dois meses que se registam entre 1500 e 2000 tentativas diárias de
intrusão no perímetro portuário, que passou a estar vedado por barreiras
metálicas com arame farpado e lâminas de barbear no topo. Foram notícia esta
semana por terem invadido em massa o Eurotúnel e perturbado os turistas
britânicos em férias. A mensagem que deixam é sempre a mesma: "Não
pararão."
Desde 1 de Junho morreram 11
pessoas — atropeladas na auto-estrada, trucidadas por um comboio ou
electrocutadas no Eurotúnel. Ao assaltar comboios e camiões, arriscam a vida.
Mas as barreiras apenas os incitam a correr riscos mais altos. Tentam a sorte
quase todas as noites. Querem chegar à Grã-Bretanha, que sobre eles exerce uma
irresistível atracão
Calculam que o crescimento
económico britânico lhes garantirá trabalho se conseguirem passar as barreiras
e iludir a polícia. Vêm para trabalhar. E porque, na grande maioria, falam
inglês pensam que lá terão mais oportunidades. Partiram da Eritreia, do Sudão,
da Etiópia, do Afeganistão ou da Síria. Não são miseráveis a fugir da fome.
Muitos fugiram das perseguições e guerras e também muitos pertenciam a classes
superiores nos países de origem. Sofreram, gastaram fortunas e demoraram meses
ou anos para chegar às portas da Grã-Bretanha: "Não pararão."
Houve uma pequena crise
diplomática entre Paris e Londres. A França diz que este é um "problema
europeu", os britânicos denunciam o "egoísmo" francês. Há
tiradas patrióticas nos tablóides ingleses. "Fomos capazes de impedir
Hitler de entrar. Por que é que os nossos medíocres dirigentes são incapazes de
parar alguns milhares de imigrantes extenuados?", interroga-se o Daily
Mail. O Daily Express propõe "o envio do exército para deter a invasão dos
imigrantes".
Os italianos, e as boas
condições meteorológicas, têm evitado novos naufrágios no Mediterrâneo. O
número de mortos foi drasticamente reduzido. O que os europeus — os Estados,
não "a Europa" — se mostram incapazes de apresentar é uma política migratória
inteligente para favorecer a imigração legal. Todos precisam de imigrantes mas
incrementam a imigração clandestina e, depois, erguem "muros". Há
muitos estudos e propostas alternativas, que não cabe aqui analisar. Cada país
tem o seu interesse, a sua opinião, a sua sensibilidade, enquanto as vagas
migratórias são globais e à escala europeia.
Publico
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